Por: Darli | 27 Mai 2013
“A crise global de 2008 custou a dezenas de milhões de pessoas suas poupanças, seus empregos e suas casas”. Assim inicia o documentário Inside Job, traduzido como Trabalho Interno, vencedor do Oscar de melhor documentário em 2011. Foi o 3º filme do ciclo A crise do Capitalismo visto pelo cinema, promovido pelo Cepat/CJ-Ciais, em parceria com a Pastoral e o Curso de Economia da PUC-PR, e apresentado no sábado, 25 de maio, com a assessoria do professor Lafaiete Neves, professor de economia e ativista social.
Segundo o professor Lafaiete, Charles Ferguson, diretor do filme, formado em Matemática, doutor em Ciência Política pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), foi consultor do governo norte-americano e de empresas, entre as quais: Apple, IBM e Motorola. Autor do livro Sequestro da América – Como as corporações financeiras corromperam os Estados Unidos.
Para o professor, o documentário apresenta uma tese que consegue, de forma brilhante, desmistificar, com imagem e roteiro, o sistema financeiro e transmite de forma didática as intrincadas relações que produzem a gigantesca bolha especulativa de 2008.
Lafaiete mostra como o diretor analisa, por meio de depoimentos dos principais personagens da crise iniciada em 2008, as reveladoras relações promíscuas entre o Estado (presidentes, altos mandatários como os presidentes do Banco Central dos EUA, organizações multilaterais: FMI, G7), Universidades (economistas das mais conceituadas universidades norte-americanas: Harvard, MIT, Berkeley, Chicago) e os consultores, executivos dos grandes bancos de investimentos dos EUA.
Na primeira parte do documentário, o caso paradigmático da Islândia é colocado. O país, antes da crise, apresentava altíssimo nível de emprego, uma completa infraestrutura moderna. Energia limpa, proteção dos alimentos, pesca com um bom sistema para geri-lo, assistência à saúde, boa educação, ar limpo, enfim, um bom lugar para viver, quase o “fim da história”, até que em 2000, o governo da Islândia dá início a uma grande política de desregulação, que causou graves consequências ao modo paradisíaco de viver. As finanças assumiram e elas devastaram o local.
O documentário trabalha a lógica do real. Mostrando os colossais jogos privados com as perdas públicas. Desnuda as ações do sistema financeiro, mostrando como a economia é manipulada por “profissionais” do mercado, ou seja, por pessoas que atuam dentro do mercado, servindo a determinados interesses. E estes não são em favor da grande maioria da população, estão a serviço de um grupo que representa 1%%, que são os beneficiários diretos, como mostra o documentário.
A lógica da pilhagem e das fraudes das grandes corporações e a conivência do Estado
Na exposição, Lafaiete diz que os dois grandes partidos: Democratas e Republicanos legitimaram essa política de pilhagem e fraudes das grandes corporações financeiras, que se transformam em um setor sem princípios e sem qualquer punição. Ficando evidenciada a cumplicidade do Judiciário norte-americano, que não puniu ninguém. Barack Obama, que acabou se elegendo encima da crise do mercado, além de não adotar nenhuma medida punitiva, incorporou alguns dos responsáveis pela crise em instituições governamentais. Ou seja, os principais responsáveis não somente deixaram de ser punidos, como mantiveram suas fortunas intactas e, de alguma forma, ainda estão no jogo e no poder.
Lafaiete destaca a forma como o diretor faz uma explicação clara do funcionamento do mercado e da lógica do capitalismo financeiro para gestar o mercado dos derivativos e empréstimos pessoais, já para tentar decifrar a lógica do capitalismo, ele não dá conta. Charles Ferguson mostra, no documentário, que os grandes vilões da história são os indivíduos sem escrúpulos, que se esqueceram do bem comum e desvirtuaram o governo protetor que traz desenvolvimento e prosperidade à nação, explica Lafaiete.
O voluntarismo político
Na formulação de uma crítica ao documentário, Lafaiete diz que a solução proposta resvala no voluntarismo político, onde considera a possibilidade de surgir um grupo de indivíduos bem intencionados e capazes de desprivatizar o Estado, em benefício do bem comum. E que não dá conta da grande e complexa teia de relações do poder que estrutura a política global do capitalismo, da qual a crise econômica é uma das manifestações mais agudas. Acaba caindo num moralismo simplificado.
Para Lafaiete, o diretor do documentário não aprofunda o papel do dinheiro como meio de consumo, como capital, e como capital portador de juros, de acordo com Marx. E que, em razão disso, acaba apresentando uma saída liberal, de autonomia do Estado para recuperar seu poder de intervenção via regulação do sistema financeiro, para derrotar a política neoliberal de desregulamentação das atividades financeiras, desde os anos de 1980.
A lógica neoliberal, que desregulamentou a economia americana, também desregulamentou a economia nacional, ou seja, trata-se de um processo que se deu tanto em nível mundial como nacional. No Brasil, por exemplo, com as políticas neoliberais, permitiu-se também a entrada dos bancos estrangeiros como HSBC, Santander, etc. Anteriormente, não era permitido.
As antigas agências reguladoras na economia
Destacou-se no debate sobre o documentário, o papel das agências internacionais reguladoras na economia e que emitiam avaliações sobre os países, com destaque para as facilidades e possibilidades de investimentos vantajosos ou risco. As agências não eram nem neutras e nem inocentes. O objetivo: preservar os interesses, manter os privilégios e seus ativos.
Indicavam, tendenciosamente, o caminho a ser trilhado pela economia do país. O documentário evidencia o tipo de racionalidade colocada, mostrando, também, a relação entre a academia e o mercado financeiro. Reitores e professores que prestaram serviços ao mercado, escrevendo artigos avaliativos e indicativos na economia. Indicavam o problema e o remédio. E o fornecedor do remédio, generosamente, gratificava o “serviço” prestado.
Sexo, drogas e muito dinheiro!
Considerando e fazendo um paralelo com o “flagelo” atual, apontado como o consumo de drogas, o documentário mostra como os profissionais da economia são movidos a sexo, drogas e muito dinheiro. Noitadas pagas pelos cartões das mais variadas corporações financeiras. Notas fiscais que apresentavam, supostamente, reparos, pesquisas e consultoria de mercado.
Drogas e outras ações criminosas no cotidiano do seleto grupo de profissionais da área econômica, cujas ações produziram consequências profundamente nefastas. E medidas hipócritas por parte de governos, que supostamente deveriam coibir tais práticas.
Destacou-se como o sistema capitalista é esperto em deslocar o centro da discussão, como é o caso de toda a reflexão que está sendo realizada em vista da redução da maioridade penal. Fica evidente, pelo documentário, que a verdadeira violência não vem das crianças, mas da lógica do sistema, capaz de tudo para a manutenção do poder e dos ganhos estratosféricos. O capital, nunca perde.
Outro destaque foi sobre os níveis de corrupção. Trata-se de um debate limitado e muito manipulado nessa questão. A corrupção vem de longe, e está também nas práticas pessoais e nos diversos espaços, portanto, a discussão ética e o comportamento moral devem ser indissociáveis.
O documentário mostra como os “compartimentos” na economia foram rompidos. Agora pode tudo. Nada é separado. Lehman Brothers, um dos mais valiosos e grandes bancos de investimentos, declarou falência em setembro de 2008, e foi seguido por outros. A crise instalou-se. Economistas, agentes do mercado, justificam a sua conduta, eticamente e moralmente condenável. Os Estados Unidos, explicou Lafaiete, ainda não tem um código de ética na economia, portanto há um descolamento da economia, da ética.
Fraude e má-fé
O consumidor comum não tem a menor informação sobre a volatilidade, faltam informações sobre o mercado. Fica muito difícil agir de forma segura em tais condições, portanto, a facilidade para uma prática enganadora é ampla.
Os lobistas agem em todas as esferas e em todos os níveis: internacional, nacional, estadual e municipal. O documentário mostra que cada parlamentar recebe pressão direta de um grupo de lobistas. O jogo é duro e sem tréguas.
Há uma prática recorrente de lavagem de dinheiro sujo, no Brasil, por exemplo, investe-se na construção de hotéis para camuflar lavagens de dinheiro. É difícil combater. Há uma cadeia produtiva da droga. E essa cadeia está muito mais avançada do que o aparato do Estado. A política não está equipada o suficiente, ela é inoperante em relação aos grandes grupos.
Celso Furtado e a economia
A ligação das universidades com o sistema econômico e financeiro ficou explícita no documentário. As universidades preocupam-se em formar para o mercado e não para o país. Celso furtado, um dos mais destacados intelectuais do século e que pensou o Brasil, dando grandes contribuições para pensamento econômico brasileiro, infelizmente, não é conhecido e nem estudado nas universidades. Lafaiete acentuou o exemplo de Celso Furtado, comprometido economista, no verdadeiro sentido da palavra.
O documentário Inside Job evidencia o que não é economia, mas a prática da pilantragem, da má-fé e de ações fraudulentas. É preciso lembrar sempre que o mercado não se autorregula, que foi exatamente a ausência de regulação do Estado que possibilitou o surgimento da bolha e a crise atual. O Estado precisa intervir e deixar de ser conivente.
O professor Lafaiete encerra o debate dizendo que Karl Marx, quer se goste ou não em economia política, analisando as revoluções burguesas, apresentou visionariamente uma tendência que se configurou. Disse Marx: “Acabou a economia política. Agora virá a soldadesca mercenária”. É o que o documentário mostra. Um trabalho promíscuo, resultado não da ação de economistas, mas de soldados mercenários. Só numa sociedade mais igualitária teremos possibilidade de resolver esse caso. No capitalismo a receita é uma só: tirar de todos para dar a poucos. Bem poucos.
O texto é de Darli Sampaio e as fotos de Karen Albini, ambas da equipe do Cepat/CJ-Cias.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Inside Job. Trabalho Interno ou Trabalho Promíscuo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU