22 Outubro 2012
Se a internet for entendida como medium – muito mais do que instrumento e pouco menos do que anjo –, então pode se tornar uma crítica interna aos mass-media não interativos e pode ativar a busca da ação fora de si mesma, poderíamos dizer na realidade menos e mais do que virtual, extra internet.
Essa é a opinião do teólogo italiano Andrea Grillo, no posfácio do livro E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Ed. Santuário, 2012), de Moisés Sbardelotto.
Grillo é professor ordinário de teologia sacramental e de filosofia da Pontificio Ateneo S. Anselmo, em Roma. Leciona liturgia no Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia S. Giustina, em Pádua, e no Instituto Augustinianum, em Roma.
Eis o texto.
A reflexão de M. Sbardelotto em torno do tema do “fazer-se bit” do Logos pode ser uma ótima ocasião para considerar a relação entre absoluto e relativo na experiência cristã. Nunca devemos esquecer que a internet responde bem demais ao uso diabólico da sua objetiva capacidade simbólico-ritual. Para usar as palavras de um teólogo italiano, podemos dizer que “o desvio mercantil da existência precisa de um ecumenismo anestésico do senso comum para tornar suportável a engenharia cosmética que provê a produção de uma nova espécie humana, perfeitamente adaptada ao ciclo dos consumos” (SEQUERI, P. La 'via pulchritudinis': limiti e stimoli di una spiritualità estetica, Credereoggi, 20 [2000], n.117, p.70).
Essa “estetização do mundo da vida”, a necessidade de “afeiçoar-se” às pequenas coisas de péssimo gosto das quais a retórica publicitária está repleta (que também já contamina abundantemente a palavra jornalística, a política e às vezes também a eclesiástica), esconde uma questão decisiva para a autocompreensão da comunicação, e que é muito delicada para a identidade eclesial e para o próprio perfil “laical” do cristão contemporâneo.
De fato, se a cultura contemporânea parece ter privatizado a relação com a comunicação – levando aos extremos a diferença/distância entre privado e público, e corroendo cada vez mais a mediação possível entre eles –, poderíamos dizer que as mídias de massa parecem garantir o fim da mediação e assegurar somente o acesso a dados imediatos. Vivemos em um mundo em que aparentemente tudo – graças às mídias – parece se tornar imediato. E a internet, por sua vez, também pode contribuir para a ocorrência dessa ilusão, alimentando também assim o compreensível mal-estar dos fiéis religiosos para com essa imediaticidade fascinante, mas na realidade falsa.
Este “jogo de massacre” – no qual conta quem é mais imediato, quem pode “ver” sua própria vida mais imediatamente “ao vivo” – é uma passagem cultural extremamente arriscada: está em jogo não apenas o “meio”, mas também a própria “mensagem”, até à própria inversão da ordem das prioridades. Em tal âmbito, o que é mais “relativo” se apresenta como absoluto, enquanto o que é absoluto aparece como sumamente relativo. Mas talvez vale a pena parar para pensar bem no que dizemos quando usamos esses dois adjetivos referentes à “verdade”. M. McLuhan, quando dizia que o “meio” é a “mensagem”, não queria fazer nada mais do que sublinhar precisamente essa possibilidade e esse perigo de confusão entre absoluto e relativo, com toda a esplêndida força de uma novidade interessante. (...)
No fundo, o risco que as mídias representam é apenas um: que não saibam e não queiram mediar outra coisa senão a si mesmas. Que não conheçam outra coisa senão a imediaticidade e que, por isso, anunciem somente um “absoluto” desvinculado de qualquer relação, um fechamento de todo ser humano em si mesmo, um imperialismo do sentimento incomunicável e da consciência curvada sobre si mesmo. Essa verdade absoluta proclama, na realidade, que “tudo é relativo” e, por isso, se torna princípio de envenenamento da vida e imperialismo do desejo sem orientação.
Vice-versa, se a Igreja ainda tem uma missão no mundo de hoje é apenas na medida em que sabe mediar “outro além de si mesma”, sabe fazer-se relativa e aberta à irrupção do Reino de Deus no mundo. Essa verdade “relativa” - porque aberta a uma relação com o absoluto – proclama que o absoluto de Deus não é absoluto como o ser humano gostaria de compreendê-lo, mas assegura uma relação com todo ser, se comunica a ele e se curva misericordiosamente sobre ele. (...)
Nesse nível, a Igreja não pode deixar de se interessar por um debate amplo e rigoroso, acima de tudo porque não pode se resignar a ser, ela mesma, “agência de valores” e a perder a sua própria “relatividade simbólica” original. A Igreja se põe – também comunicativamente – no plano de uma relação em que a comunicação é, acima de tudo, experiência de comunhão, ação de graça e ação de graças. Em certo sentido, essa verdade é claríssima também para a comunicação publicitária, que, no entanto, inverte a ordem dos fatores e cria uma comunidade fictícia para comunicar o “primado” do produto, para investir o ser humano de valores somente enquanto “consumidor” potencial.
A nossa ânsia de orientação na confusa pluralidade de mensagens da internet – se não quiser cair em um perigoso relativismo, mas se também não quiser cair em um enrijecimento de posições sem uma verdadeira relação com o Crucificado Ressuscitado e com o seu anúncio de paz e de misericórdia – deve fazer o esforço de distinguir três níveis diferentes de consciência e de experiência comunicativa, dos quais apenas o último é o tipicamente eclesial:
a) Há em primeiro lugar um nível jurídico-político da experiência da comunicação, em que toda comunhão está subordinada ao meu consentimento e à minha liberdade. Permaneço separado do que me encontra na notícia, mas assim também sou totalmente vulnerável ao amplo recurso ao comunicar simbólico-ritual que provém de quem menos se preocupa com a relação autêntica comigo, senão como potencial consumidor, leitor e eleitor. Nesse caso, comunicar significa “estar informado”, e essa comunicação representa (infelizmente) o “esquema fundamental” com que interpretamos a nós mesmos como sujeitos comunicativos, também sobre outros dois níveis dessa experiência, dos quais falamos nos dois pontos sucessivos, b) e c);
b) Há, depois, um nível ético-devido da experiência comunicativa, no qual é possível elaborar um princípio de consenso e exercer a própria liberdade apenas contanto que se institua uma relação com uma outra liberdade, que tem autoridade e que me liberta eticamente para a liberdade. Comunicar, nesse caso, significa “ser formado” e “formar”, tornar-se livre mediante a comunicação da autoridade alheia e depois exercer a própria autoridade em vista das novas oportunidades de experiência que me derivam do outro.
c) Há, enfim (mas seria preciso dizer em princípio), um nível religioso-crente do comunicar, em que eu faço experiência de que o meu consenso é possível graças (e em graça de) um consenso prévio, que me é reservado pelo cuidado alheio e é doado por graça por parte do outro e que representa aquela “comunhão” que precede e torna possível toda comunicação. Comunicar, nesse terceiro sentido, significa “habitar e exercer uma comunhão”, na qual já fomos acolhidos, reconhecidos, perdoados, promovidos, salvos e que, como communio, constitui o próprio horizonte da communicatio.
A sociedade da comunicação contemporânea é complexa sobretudo por este motivo: porque continuamente confunde e simplifica a plena articulação desses três níveis, com a tendência perigosa de reduzir todos os três ao primeiro, que é o mais simples, mas também o mais abstrato e o menos humano. A internet também é capturada muito facilmente nessa jaula, que restringe gravemente a experiência comunicativa comum e, por isso, também, a possível “experiência religiosa”.
Se a internet permanece somente como instrumento, ainda não é o que pode nos interessar do ponto de vista da fé: isso, no máximo, poderia nos confirmar apenas em um racionalismo e em um praxismo, neste caso aliados, mas ainda sem futuro. Se, ao invés, a internet se torna até mediação original e sacral, então ameaça, em oposição, cair em um panteísmo, não salvaguardando mais nenhuma diferença, acima de tudo aquela entre Deus e homem. Mas se permanece como medium – muito mais do que instrumento e pouco menos do que anjo –, então pode se tornar uma crítica interna aos mass-media não interativos e pode ativar a busca da ação fora de si mesma, poderíamos dizer na realidade menos e mais do que virtual, extra internet.
A delimitação radical da internet com relação às ações sacras cristãs e a descoberta da internet como ritual e simbolicamente determinada constituem as vias para o reconhecimento dessa exterioridade que a promove e a salva. Nesse caso, a internet poderia ser um recurso verdadeiramente importante, e talvez também surpreendentemente eficaz, para a comunicação crente de amanhã. A exterioridade com relação à internet parece ser, assim, a questão-chave também para o futuro de um anúncio e de uma narração da fé que não queira perder o papel precioso da fictio para a verdade da fé e ser, assim, apenas verdade à qual assentir ou assentimento sem verdade.
O título do artigo de J. Niewiadomski, publicado em meados dos anos 1990, dizia: “Extra media nulla salus?”. De algum modo, no rastro dessa perspectiva, também se coloca a pergunta posta eficazmente por esta pesquisa de M. Sbardelotto. A essa pergunta, nós poderíamos responder hoje que a salvação cristã é, sim, estruturalmente mediada, mas que qualquer “medium” é tal e permanece como tal somente em vista de uma imediaticidade, que ele, porém, não garante em seu próprio interior e não tem em si.
A exterioridade com relação ao medium (a imediaticidade de um extra nos e um extra internet) garante que o medium permaneça ele mesmo, permaneça “felizmente apenas um medium”. É é essa diferença sutil entre mediação e imediaticidade, “espessa como um cabelo”, a única diferença entre simplicidade e banalidade, entre a complexidade e ilusão, que pode nos salvar.
Porque a “ecclesia” – extra quam nulla salus est – não é apenas medium, mas também immediatio com uma realidade que a precede e que também lhe permanece sempre exterior, da qual a Igreja literalmente recebe a si mesma. Mesmo o princípio extra ecclesiam nulla salus pressupõe, portanto, uma exterioridade da salvação, com a qual a Igreja mantém o contato precisamente no nível da práxis ritual: de fato, é sobretudo a actio sacra, o corpo de Cristo, a eucaristia, que está inscrita no nosso corpo místico e real, e por isso rigorosamente extra internet.
Mas a internet, com toda a sua virtual realidade, tem a vantagem de poder estar dentro da existência, como um poderoso aceno para esse fora, para esse extra. À pergunta “extra media nulla salus?”, respondemos, portanto, que sim, mas sentindo a absoluta necessidade de fazer, ao mesmo tempo, a afirmação igualmente decisiva: “nulla salus extra exterioritatem”, isto é, “nulla salus nisi extra media”, precisamente devido ao fato de que essa diferença sutil (entre mediação eclesial e salvação) é aquela decisiva para nós, também e sobretudo como cristãos católicos. Podemos dizê-lo ainda melhor recordando as felizes palavras de K. Barth, com as quais termino também a minha reflexão: “A via regia da simplicidade divina e a via da mais inaudita ilusão correm paralelas na história da teologia, em todos os tempos e em todos os desenvolvimentos, separadas apenas pela espessura de um cabelo”.
Sobre esse sutil cabelo baseia-se a competência do teólogo, e, dessa quase imperceptível, mas decisiva, “distância” e “diferença”, depende em todo caso a sua credibilidade e a sua risibilidade, a sua autoridade e também a sua comicidade: também quando se trata de falar sobre a internet, e tudo parece já ter sido dito. Pois o que parece louco às vezes é apenas puro, e que parece confuso às vezes é simplesmente real.
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Internet e o duplo relativismo: falsa absolutez e autenticidade relativa. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU