02 Julho 2012
Uma sensação de déjà vu ronda a reunião anual da Comissão Internacional Baleeira (CIB), que entra em sua fase final nesta semana na Cidade do Panamá. Num impasse que já dura mais de uma década, países tradicionalmente baleeiros continuam pedindo o fim da moratória à caça do cetáceo; enquanto países conservacionistas tentam mais uma vez aprovar a criação do Santuário do Atlântico Sul para proteger as baleias na região entre a América do Sul e a África.
A reportagem é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 02-07-2012.
O que causou estranheza nos participantes, porém, é que o Brasil, historicamente defensor desta bandeira, neste ano não compareceu às reuniões preliminares. Entidades ambientalistas questionam se o País estaria abandonando a liderança da causa. Durante as duas últimas semanas, ocorreram os encontros do comitê científico e do comitê de conservação. Neste último, a Argentina, que junto com Brasil e Uruguai é copatrocinadora da proposta, defendeu a criação do santuário sozinha.
"É uma vergonha ver a cadeira do Brasil vazia depois de, por tantos anos, ter construído uma participação de liderança aqui dentro", queixa-se Truda Palazzo, diretor do escritório brasileiro do Centro de Conservação Cetácea, que está no Panamá acompanhando a reunião.
Viagem negada
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) relativiza, afirmando que não mandou ninguém para lá por um "contratempo burocrático", uma "infelicidade". A técnica do Centro de Mamíferos Aquáticos do Instituto Chico Mendes que deveria ter ido para o Panamá, ao solicitar o afastamento, não teve a justificativa aceita por uma "falha do novo sistema".
No lugar foram dois cientistas brasileiros, financiados pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas, que acompanharam as discussões, subsidiaram o ministério do que está acontecendo lá e ajudaram na redação das posições brasileiras, segundo a Assessoria de Assuntos Internacionais do MMA.
"Neste ano não aconteceu nem mesmo a reunião prévia com as ONGs que tivemos em outros anos", afirma Márcia Engel, presidente do Instituto Baleia Jubarte. "Agora é um momento muito importante; a gente entende que o governo brasileiro deveria estar lá."
Marcus Henrique Paranaguá, secretário da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço do Ministério das Relações Exteriores, afirma que, para a plenária, a delegação brasileira terá quatro integrantes, sendo dois técnicos do Ministério do Meio Ambiente, sob chefia do embaixador Marcos Pinta Gama. "Entendo perfeitamente a preocupação das ONGs, que são legítimas, mas não creio que seja o caso de dizer que o Brasil está 'abandonando o barco'", diz.
Desde 2000, o Brasil, liderando o chamado Grupo de Buenos Aires, apresenta a proposta de criação do santuário e defende o uso não letal de baleias. Além de assumir uma postura conservacionista - após ter permitido a caça em suas águas até 1985 -, o País percebeu que o turismo de observação é um negócio muito mais rentável e gerador de emprego do que a morte do animal.
Para ser aprovado, o santuário precisa ter 75% dos votos dos 88 membros da CIB. Os conservacionistas até têm maioria simples, mas não têm conseguido superar a barreira criada por Japão, Noruega, Islândia e Rússia, acusados, inclusive, de comprar votos de países neutros. Na reunião de 2011, os baleeiros bloquearam a decisão simplesmente saindo da sala na hora da votação.
Por conta disso, o tema volta neste ano como o primeiro item substantivo da agenda. É esse o momento importante a que se refere Márcia. Há uma expectativa, tanto do governo quanto dos ambientalistas, de que essa manifestação nada democrática dos países baleeiros no ano passado tenha caído mal e possa ajudar a mudar o cenário.
Cartas
Segundo Paranaguá, para tentar aumentar a quantidade de apoio, o Itamaraty disparou circulares telegráficas para as embaixadas do Brasil em países membros da CIB orientando que os embaixadores se empenhassem pessoalmente em passar um recado para as chancelarias dos países: "Esse é um tema da maior importância política para o Brasil".
Mesmo sem falar em números, ele diz que o apoio é crescente. "Acho que temos uma chance." A Assessoria de Assuntos Internacionais do MMA afirma que a proposta tem apoio da África do Sul (que em outros anos foi copatrocinadora do projeto), da Austrália, de países latinos e até de países improváveis, como os Estados Unidos. O posicionamento de outros africanos, porém, é incerto. A União Europeia decidiu votar em grupo a favor do santuário. E mesmo a Noruega, apesar de se posicionar contra, teria sinalizado que votaria de acordo com essa diretriz.
Caça aborígene complica a polêmica
Para o Itamaraty, o momento atual pode ser favorável à aprovação do santuário porque um outro tema polêmico também será votado: a renovação e ampliação das cotas de caça aborígene pedida por Estados Unidos, Nova Zelândia e Dinamarca.
Como o santuário é o primeiro item substantivo da agenda da plenária da CIB, o diplomata Marcus Paranaguá acredita que os países baleeiros poderão adotar uma posição mais cautelosa nesta votação para tentar aprovar a cota depois. "Pode ter um equilíbrio interessante."
Márcia Engel, do Instituto Baleia Jubarte, afirma que a situação é muito mais delicada. Segundo ela, a caça de jubartes na Groenlândia pode prejudicar o turismo de observação na Costa Rica e na República Dominicana. "Estudos mostram que os animais avistados no norte são os mesmos que vêm se reproduzir no Caribe. A caça vai ferir o direito do outro em usar um recurso que é compartilhado."
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Países tentam romper impasse e aprovar santuário de baleias no Atlântico Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU