Poema sujo. Ferreira Gullar na oração inter-religiosa desta semana

Foto: Pixabay

12 Novembro 2021

 

Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.

 

 

Poema sujo

 

Voais comigo

sobre continentes e mares

e também rastejas comigo

pelos túneis das noites clandestinas

sob o céu constelado do país

entre fulgor e lepra

debaixo de lençóis de lama e de terror

vos esgueirais comigo, mesas velhas,

armários obsoletos gavetas perfumadas de passado,

dobrais comigo as esquinas do susto

e esperais esperais

que o dia venha

E depois de tanto

que importa um nome?

Te cubro de flor, menina, e te dou todos os nomes do mundo:

te chamo aurora

te chamo água

te descubro nas pedras coloridas nas artistas de cinema

nas aparições do sonho

 

Fonte: Ferreira Gullar. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 225

 

 

Ferreira Gullar (Foto: Renato Cobucci | Fotos Públicas)

 

Ferreira Gullar pseudônimo de José Ribamar Ferreira (1930 - 2016): foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta maranhense. Um dos fundadores do Movimento do Neoconcretismo, movimento artístico que defendia maior subjetividade e propunha uma reação ao concretismo ortodoxo. Sua obra é marcada por gestos revolucionários e o lirismo pessoal. Foi agraciado com diversos prêmios, ente eles, o Camões (2010) e o Jabuti (2007), pela melhor obra de ficção do ano. Autor de vasta obra, seu mais famoso livro é Poema Sujo (1976), publicado durante seu exílio na Argentina

 

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