Maria, a bendita entre todas as mulheres

13 Agosto 2021

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, solenidade da Assunção de Nossa Senhora, 15 de agosto de 2021 (Lucas 1,39-56). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O específico do cristianismo é a esperança da ressurreição, a certeza de que a morte não tem a última palavra sobre as vicissitudes dos seres humanos e da criação inteira.

E isso por uma razão muito simples, que nos é lembrada por Paulo: “Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que morreram” (1Cor 15,20); é “o primogênito dos que morreram” (Cl 1,18), é ele que nos abriu o caminho e agora nos espera no Reino.

No entanto, devemos reconhecer a nossa enorme fadiga para aderir a essa realidade, da qual cada eucaristia é um memorial. Em outras palavras, cremos realmente na vida eterna que nos espera depois da nossa morte?

A festa da Assunção da Virgem Maria, do seu Trânsito deste mundo ao Pai, se situa precisamente no coração dessa pergunta. Na tentativa de responder a ela, a Igreja indivisa compreendeu desde os primeiros séculos que, em Maria, mãe do Ressuscitado, mulher que consentira em si mesma com o “admirável intercâmbio” entre Deus e o ser humano, era antecipada a meta que aguarda por todo ser humano: a assunção de todo o humano e de cada ser humano na vida de Deus, para sempre; “Deus tudo em todos” (cf. 1Cor 15,28).

E assim a grande Tradição da Igreja chegou gradualmente a proclamar Maria além da morte, naquela dimensão outra da existência que não sabemos chamar senão de “céu”: Maria é “terra do céu”, é primícias e imagem da Igreja santa nos céus!

Afirmar isso de Maria não requer que se façam complexas investigações sobre o caso da sua morte. Pelo contrário, para quem tem “um coração capaz de escuta” (cf. 1Rs 3,9), basta ir ao início da história de Maria, narrado no trecho do Evangelho de hoje: o encontro entre Isabel e Maria, celebrado por esta última com o canto do Magnificat.

É um texto de inexaurível profundidade. que, lido hoje, nos diz algo muito simples e fundamental: a vida eterna para cada um de nós começa aqui e agora, segundo a nossa capacidade de amar e de ser amado, um amor que manifesta a verdade da nossa fé e da nossa esperança.

Depois do anúncio da Encarnação recebido pelo anjo, a quem ela respondera: “Eis-me aqui, sou a escrava do Senhor, cumpra-se em mim a sua Palavra” (cf. Lc 1,38), sem qualquer demora Maria, que já carrega Jesus no seu ventre, vai ao encontro da prima Isabel; ela está animada pelo desejo de estar perto de uma mulher estéril, mas grávida por obra da misericórdia de Deus, para quem nada é impossível (cf. Lc 1,37; Gn 18,14).

O amor da jovem virgem de Nazaré enche de Espírito Santo – isto é, de amor – a idosa Isabel, que reconhece prontamente na fé de Maria a origem de tal circulação de amor: “Bem-aventurada aquela que acreditou que as palavras do Senhor se cumprem!”.

Maria responde a essa aclamação entoando o Magnificat, isto é, lendo no hoje as maravilhas realizadas nela por Deus, as grandes obras de salvação resumidas e recapituladas no fragmento da sua existência; a sua exultação sabe se abrir ao “ainda não” daquela justiça que só será plena no Reino, quando finalmente os famintos serão saciados de bens e os últimos serão os primeiros...

Tudo isso se enraíza em algo muito concreto. Maria reconhece o olhar de amor de Deus sobre ela: “Deus olhou para a humildade, para a pequenez da sua serva”, com aquele amor que pede apenas para ser acolhido. Será que, talvez, não será possível a esse amor chamar todos nós de volta à vida sem fim, transfigurar os nossos corpos de miséria em corpos de glória (cf. Fl 3,21)?

Sim, a fé de Maria e o seu amor, um amor que se deixa agir concretamente pelos outros porque foi concretamente experimentado sobre si mesma, dizem melhor do que muitas palavras a sua capacidade de vida plena, aquela vida que não pode se esgotar aqui na terra. O fato de se tornar carne por parte do amor de Deus e o ingresso de toda carne no espaço de Deus é o que deveríamos lembrar cantando o Magnificat todas as noites. Deveríamos viver isso e esperar isso todos os dias, para nós e para todos.

Maria, Terra del cielo
Santa Maria
Madre del Signore
la tua fede ci guida.

Volgi lo sguardo
verso i tuoi figli
“Terra del cielo”.

La strada è lunga
e su di noi la notte scende
intercedi presso il Cristo
“Terra del cielo”.

Maria, Terra do céu
Santa Maria
Mãe do Senhor,
a tua fé nos guia.

Volta o olhar
para os teus filhos,
“Terra do céu”.

A estrada é longa,
e sobre nós a noite cai.
Intercede junto de Cristo,
“Terra do céu”.

Tanto para o Oriente quanto para o Ocidente cristão – para além de formulações diferentes – a Dormição-Assunção de Maria é um sinal das “realidades últimas”, daquilo que deve ocorrer em um futuro não tanto cronológico, mas sim de “sentido”, um sinal da plenitude a que anseiam os nossos limites: nela, intuímos a glorificação que espera pelo cosmos inteiro no fim dos tempos, quando “Deus será tudo em todos” (1Cor 12,28) e em tudo.

É a porção de humanidade já redimida, figura daquela “terra prometida” à qual somos chamados, faixa de terra transplantada no céu. Um hino da Igreja Ortodoxa Sérvia canta Maria como “terra do céu”, terra, adamah, da qual nós, assim como ela, somos tirados (cf. Gn 2,7), mas terra redimida, crística, transfigurada graças às energias do Espírito Santo, terra já em Deus para sempre, antecipação do nosso destino comum.