08 Junho 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 10º Domingo do Tempo Comum, 10 de junho (Mc 3, 20-35). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Retomamos a leitura quase cursiva do Evangelho segundo Marcos, neste tempo per annum, e busquemos ficar muito atentos à especificidade da mensagem desse Evangelho.
Jesus já é reconhecido como mestre confiável, para alguns como um profeta que continua a missão de João Batista. Mas Jesus não habita no deserto, não vive em solidão e reuniu ao seu redor uma comunidade de discípulos e discípulas, entre os quais emergem 12 pela vida vivida junto dele e pela participação no anúncio da vinda do reino de Deus.
A palavra de autoridade de Jesus e a sua atividade de cuidado e cura dos doentes ativam muitas pessoas, que querem escutá-lo e vê-lo. Esse sucesso da sua pregação às vezes impede, de fato, que ele e sua comunidade se saciem até mesmo com um pouco de pão: não há tempo...
Quando Jesus está em casa, em Cafarnaum, as pessoas, sabendo onde ele se encontra, vão procurá-lo, e, assim, essa fama desperta preocupação na família de origem de Jesus e também na sua comunidade religiosa. Marcos ousa até atestar aquela desconfiança hostil a Jesus por parte dos “seus”, os familiares que, tendo vindo do seu vilarejo, tentam pôr as mãos nele, pegá-lo e levá-lo embora, julgando-o “fora de si”, exaltado, enlouquecido.
Jesus tinha feito escolhas de vida que, aos seus familiares, podiam parecer tolice e loucura. De fato, tinha abandonado a família, havia assumido uma vida itinerante, vivia a condição de celibatário, de não casado, infame para a cultura da época, e, com o seu sucesso, tinha feito inimizade com as próprias autoridades religiosas.
Julgado “subversivo”, portanto, devia ser detido. Mas não havia sido esse o destino dos profetas? Com o seu jeito de viver e de falar, de fato, o profeta perturba, por isso preferem calá-lo, julgando-o louco, delirante, até pensarem em eliminá-lo fisicamente (cf. Os 9, 7).
Mas a hostilidade dos familiares se soma à das legítimas autoridades judaicas. Os escribas, tendo descido de Jerusalém à Galileia, estão preocupados com a escuta de Jesus por parte das multidões. Se, para os seus familiares, Jesus está louco, os especialistas nas Sagradas Escrituras o consideram possuído por Belzebu, o chefe dos demônios, que – afirmam estes – trabalha nele para expulsar das pessoas os demônios inferiores.
Preste-se atenção: estes não negam que Jesus realiza uma obra de libertação, de cura das pessoas que ele encontra e cuida. Eles pensam que Jesus expulsa os demônios que mantêm os homens e as mulheres na escravidão, mas que faz isso como endemoninhado: nele, age o chefe dos demônios, Belzebu (literalmente: o senhor do esterco)! Essa é a insinuação e o julgamento daqueles que importam, das autoridades da comunidade religiosa a que Jesus pertence.
Mas Jesus os chama para si, desmascara-os e se dirige a eles com linguagem parabólica, mediante uma pergunta seguida por algumas afirmações: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído”.
O conceito expressado por Jesus é claro: se fosse verdade aquilo que os escribas dizem, se Satanás, através das suas ações, se insurgisse contra si mesmo, isso significaria que o seu poder está se arruinando, que ele não é mais vencedor, mas vencido.
Por isso, Jesus acrescenta, de modo decididamente convincente e incontestável: “Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa”.
Jesus, portanto, pode expulsar Satanás porque o amarrou, porque tornou impotente aquele que é forte, desde a sua imersão no Jordão (cf. Mc 1, 9-11) e da sua luta contra Satanás no deserto (cf. Mc 1, 12-13).
Além disso, Jesus havia sido anunciado por João Batista como “o mais forte” (Mc 1, 7), aquele que, munido pela força de Deus, tem “autoridade” (exousía: Mc 1, 22) e pode mandar nos demônios que lhe obedecem (cf. Mc 1, 27).
Mas a resposta de Jesus se torna também uma advertência grave e ameaçadora, introduzida por um solene “Amém”: “Amém, em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno”.
Palavras duras, mas que devem ser acolhidas sem se entregar a fantasias ou imaginações sobre esse pecado contra o Espírito Santo. Na realidade, é um pecado banal, assim como o mal é banal; é um pecado que não requer maldades particulares, mas é simplesmente cometido por aqueles que veem e discernem o bem que é feito, mas, em vez de reconhecerem essa verdade, preferem chamá-lo de mal, atribuindo-o a Satanás. É o pecado que procede da inveja, do fato de não suportar que outro tenha feito ou faça o bem, porque se gostaria que apenas si mesmo fosse sujeito do bem; e, não querendo reconhecer em outro aquele bem que vem de Deus, prefere-se atribuí-lo ao demônio.
Aqueles escribas viam o bem realizado por Jesus, mas, em vez de reconhecê-lo como obra inspirada por Deus, optavam deliberadamente por imputá-lo a Satanás. Não reconhecer a obra de Deus, não reconhecer a ação do Espírito Santo, até inverter o olhar e o julgamento, atribuindo o bem realizado a Satanás, é realmente o pecado imperdoável, diz Jesus! E isso – lembremo-nos – é um pecado cometido muitas vezes por pessoas religiosas, até hoje na Igreja!
Como complemento do julgamento negativo sobre Jesus por parte dos seus e dos escribas, Marcos também conta que a mãe e os irmãos de Jesus chegam à casa onde ele mora e, do lado de fora, mandam chamá-lo. Trata-se dos seus familiares, daqueles que haviam saído para levá-lo embora, julgando-o louco, ou Marcos se refere a outro episódio em que se destaca principalmente a mãe de Jesus?
Em todo o caso, o evangelista parece sublinhar que justamente os seus familiares que haviam declarado Jesus como fora de si (exéste), na realidade, permanecem fora (éxo), fora do espaço de Jesus. Ele é advertido: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura”. Querem encontrá-lo, mas ficam fora do seu espaço.
Jesus, de sua parte, não se move na direção deles, permanece no seu lugar, entre os seus discípulos, no meio da comunidade reunida em círculo ao redor dele e, voltando o olhar para esse grupo, diz com força: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Desse modo, ele declara conhecer e viver os laços de uma nova família, a comunidade dos discípulos, laços que não nascem da carne ou do sangue, isto é, da história familiar, mas do fato de fazer a vontade de Deus. A proximidade a Jesus não é decidida pelo vinculo parental, mas se baseia na escuta da palavra de Deus, na realização da sua vontade, na vivência da fraternidade no vínculo do amor como filhos e filhas de um único Pai: Deus.
Após essa declaração de Jesus, portanto, devemos nos perguntar: quem está realmente fora e quem está dentro do espaço de relação e de comunhão com ele?
Certamente, essa página evangélica parece ser dura, e nós também nos perguntamos como a mãe de Jesus, Maria, viveu esse encontro perdido. Podemos responder que ela o viveu na fé, porque essas palavras de Jesus aparentemente duras, na realidade, atestam a sua grandeza: Maria cumpriu plenamente a vontade de Deus, por isso foi mãe para Jesus, digna de ser mãe na sua carne.
A leitura desse trecho adverte, em todo o caso, os discípulos e as discípulas de Jesus de todos os tempos: também eles conhecerão a desconfiança e a inimizade por parte da família de origem, conhecerão a oposição por parte das autoridades religiosas, sempre terão que se interrogar sobre a sua proximidade a Jesus, experimentável apenas no cumprimento da vontade de Deus, na realização da sua palavra e na acolhida da ajuda preventiva e gratuita da sua misericórdia.
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A nova família de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU