Por: André | 04 Abril 2014
Se refletimos sobre isso, ser curado é ser novamente o que éramos antes da doença. Ora, a morte e a ressurreição de Jesus não querem nos fazer como antes, mas ao contrário, como depois. Jesus não é um restaurador de quadros ou um consertador de porcelana e ele não recolhe os pedaços; ele faz nascer, ele cria um novo dia, ele inventa uma nova vida.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 5º Domingo da Quaresma – Ciclo A do Ano Litúrgico (06 de abril de 2014). A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Evangelho: Jo 11,1-45
Eis o texto.
Terceiro escrutínio: a ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-45)
Hoje termina a série de três evangelhos de São João que tratam do batismo cristão: após a água viva da samaritana e a luz do cego de nascença, vem agora o renascimento, a ressurreição de Lázaro, que significa em hebraico Deus ajuda. Nesse relato, Lázaro morre, ou melhor, adormece na morte para acordar, ressuscitar. O batismo faz passar: Páscoa = Passagem da morte para uma vida nova no Cristo ressuscitado. Nesse relato que se encontra apenas em João, há belas mensagens para os cristãos de todos os tempos.
1. A morte = um drama
A morte sempre foi e sempre será um momento difícil de passar. Quando se perde um ente querido, nos sentimos impotentes, feridos, chocados e muitas vezes privados. No relato que São João nos conta, todos os personagens provam esses sentimentos: Jesus, Marta, Maria e os judeus.
Jesus. “Quando Jesus ouviu que Lázaro estava doente, ficou ainda dois no lugar onde estava” (Jo 11,6). Por quê? Simplesmente porque Jesus não pode fazer nada contra a sequência natural da vida humana que termina necessariamente com a morte. Foi agradável provar o amor para com seu amigo Lázaro: “Senhor, aquele a quem amas está doente” (Jo 11,3). A doença, o sofrimento e a morte fazem parte da nossa realidade humana que devemos assumir. Por outro lado, João já deixa entrever que a doença e a morte não têm a última palavra sobre a vida: Jesus ficou dois dias no lugar, isto é, o tempo para ressuscitar, segundo o profeta Oseias. Também o Jesus de João é muito humano diante da morte; ele prova os mesmos sentimentos que nós: “Jesus viu que Maria e os judeus que iam com ela choravam. Então ele se comoveu interiormente e ficou conturbado” (Jo 11,33). “Jesus começou a chorar” (Jo 11,35).
Marta. “Então Marta disse a Jesus: 'Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido’” (Jo 11,21). Esta é a reprovação que ousamos fazer quando a morte sobrevém: por que isso acontece? É injusto partir tão jovem! Se Deus existisse verdadeiramente não deixaria morrer uma criança! Aqui, Marta nos apresenta todos esses momentos de dúvida, de inquietude e de desespero diante da morte.
Maria. “Indo para o lugar onde estava Jesus, quando o viu, caiu de joelhos diante dele e disse-lhe: 'Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido’” (Jo 11,32). Ela também está chocada com a situação, mas ela expressa sua impotência e sua decepção pelos que estão chorando (Jo 11,33).
Os judeus. João nos diz que os judeus também choravam (Jo 11,33), por solidariedade para com Maria, a irmã de Lázaro. Mas, em seguida, alguns expressam reprovações: “Alguns deles, porém, diziam: ‘Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?’” (Jo 11,37)
2. A morte = uma esperança
Para João que escreve seu evangelho aos cristãos muitos anos após a Páscoa, a morte não pode passar de um momento difícil, uma passagem, um sono: “‘O nosso amigo Lázaro dorme. Mas eu vou acordá-lo’” (Jo 11,11). Além disso, a morte não pode ter a última palavra sobre a vida: “Jesus disse a Marta: ‘Teu irmão ressuscitará’” (Jo 11,23. E mais ainda: “Então Jesus disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá’” (Jo 11,25). Para João, o que aconteceu com Jesus, acontece também conosco. Por causa dele, a ressurreição nos é prometida; ela torna-se a nossa realidade cristã.
3. A morte = um renascimento
O francês Henri Meunier disse que quando perdemos um ente querido, acontece com todos nós de perguntar: de que serve vir ao mundo se é para morrer? E, em sua reflexão, ele responde: se nascemos para morrer é porque morremos para renascer. Não é este o sentido da ressurreição no evangelho de João? “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muitos frutos” (Jo 12,24). Ressuscitar ou renascer não é voltar a ser o que se era antes; é tornar-se como depois... é tornar-se de outra maneira. Isso explica a recusa de Jesus de ficar na cabeceira do seu amigo Lázaro que está doente, como se preferisse vê-lo morto em vez de curá-lo. A este respeito, o exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Se refletimos sobre isso, ser curado é ser novamente o que éramos antes da doença. Ora, a morte e a ressurreição de Jesus não querem nos fazer como antes, mas ao contrário, como depois”. E acrescenta: “Jesus não é um restaurador de quadros ou um consertador de porcelana e ele não recolhe os pedaços; ele faz nascer, ele cria um novo dia, ele inventa uma nova vida”.
4. A ressurreição – uma vida nova livre e responsável
Ressuscitar ou renascer não é somente sair da morte; é sair livre: “O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: ‘Desatai-o’” (Jo 11,44a), e capaz de caminhar, portanto, responsável: “‘deixai-o caminhar’” (Jo 11,44b). Jean Debruynne escreve: “Não se trata somente de ressuscitar as aparências: a ressurreição inventa realmente uma vida nova que é livre e responsável quando é capaz de caminhar sozinho”. E é para esta vida nova livre e responsável que Cristo nos convida, através de Marta, a expressar a nossa fé: “‘E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?’” (Jo 11,26). Qual será a nossa resposta? “Marta respondeu: “‘Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo’” (Jo 11,27). E podemos continuar a frase do evangelho, dizendo: aquele que vem ao mundo para nos dar a vida. O que supõe, segundo Jean Debruynne: “É hora de ressuscitar nossos irmãos. É urgente chamá-los para se levantarem, saírem dos seus túmulos, da prisão da sua existência e da morte em vida. Mas isso não bastará! Será preciso ainda abrir para a liberdade e para o gosto de caminhar. A ressurreição de Jesus não é uma esmola, nem uma piedade; é uma nova manhã, é ter uma vida pela frente”.
Para terminar, o evangelho desse terceiro escrutínio nos mostra um Jesus que é, ao mesmo tempo, humano e divino: humano em seu encontro com Maria, e divino no seu encontro com Marta. Os dois são inseparáveis; os dois nos dizem o que nos tornamos desde a primeira manhã da Páscoa: “Ela, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que a receberem, isto é, àqueles que acreditam no seu nome” (Jo 1,12). E mais ainda: “Estes não nasceram do sangue, nem do impulso da carne, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus” (Jo 1,13). Que grandeza e que dignidade possuímos no Cristo ressuscitado!
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