10 Abril 2020
A morte dos inocentes incomoda as pessoas, mas, ao mesmo tempo, não se pode negar que sempre foi consentida e até promovida. Na tradição católica, a Sexta-feira Santa nos leva a lembrar de Jesus Cristo, injustamente condenado. A liturgia, através das leituras, dos cânticos, dos ritos, traz-nos isso como elemento não apenas de celebração, mas também como instrumento de reflexão que nos leva a descobrir que diante da morte somos chamados a defender a vida.
O comentário é de Luis Miguel Modino.
Às vítimas que todos os dias incham as listas dos novos crucificados, quase sempre distantes, alheios à nossa vida e realidade cotidianas, este ano se juntam rostos que estão próximos de nós. Em alguns países, quase todo mundo conhece, com maior ou menor proximidade, alguém que morreu em decorrência do Covid-19. Eles são amigos, família, é alguém que faz parte do nosso universo mais próximo. Essa realidade, que pelo menos no norte planetário é algo desconhecido para muitos, está levando a sociedade a pensar: como é possível que fulano tenha morrido dessa maneira, resultado de uma situação que nos escapa.
A história às vezes tem essas coisas, os personagens fazem parte dela, representados por diferentes atores, em diferentes épocas e lugares, eles assumem papéis que estão sempre presentes naquela grande comédia que acompanha eternamente a humanidade. É Caifás que condena injustamente alguém para sustentar um sistema social, econômico, político ou religioso, que privilegia alguns em detrimento do povo, a quem afirma servir e cuidar, mas do qual covardemente se aproveita. São aqueles que, com grandes discursos, encantam os ouvidos de seus amigos, inclusive das multidões cegas, entregadas na defesa de uma causa que nada tem a ver com eles.
É Pilatos que lava as mãos, quem cai fora e não age, embora saiba perfeitamente que sua negligência está contribuindo para que a injustiça prevaleça. É Judas quem entrega o amigo, quem pensa que o outro pode ser usado quando estivermos interessados e vendido quando isso nos traz um lucro maior. Existem muitos personagens que aparecem nas histórias da Paixão com os quais poderíamos nos confrontar, em um exercício de contemplação que nos conduza a descobrir e refletir sobre nossas atitudes em relação a situações presentes na história e em nossas vidas.
Além de cada personagem específico, todos eles têm que nos referir a Jesus e sua maneira de olhá-lo. Crucificado, sem poder sentir a proximidade dos mais próximos, sua experiência nos leva à de muitos que hoje continuam a ser crucificados, mas também àqueles que ao pé da cruz se perguntam as razões de algo que não tem resposta, porque há coisas que, no curso da história, acontecem. Eles nos ensinam a ter novos olhares da realidade e a entender, aos poucos, embora não seja algo facilmente assumido, que os inocentes também morram.
Nesta Sexta-feira Santa, somos chamados a suplicar a Deus diante do sofrimento dos inocentes, para ajudar a entender aqueles que sofrem, que eles não estão sozinhos. Esse sentimento de solidão é uma tentação que sempre ameaça os pensamentos daqueles que vivem momentos de angústia, que até saíram da boca daquele que implora na cruz porque pensa que Deus o abandonou. Mas nunca podemos esquecer que temos como Pai um Deus que acompanha seus filhos, que nunca nos abandona e que sempre oferece sua mão para nos ajudar a sair do buraco, especialmente quando parece que estamos afundando e não há como voltar atrás.
A fé é o que sempre nos permitirá descobrir, mesmo em situações em que parece que apenas a dor está presente, que Deus acompanha a vida daqueles que sofrem. Mas também somos atores decisivos para a realidade mudar e para que as estruturas da morte, presentes por ação ou omissão, desapareçam. O compromisso individual e coletivo é um elemento fundamental para a vida triunfar, para o Reino de Deus avançar e para entendermos que a Cruz é caminho de Salvação.
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Sexta-feira Santa: o inocente morre injustamente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU