"Como diz o Papa Francisco, a tentação de mundanizar o Natal é constante e está sempre à porta, especialmente quando a centralidade passa ao largo da contemplação e concentra-se nas 'compras, presentes, e isso e aquilo... e o Senhor fica ali, esquecido'."
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"O amor de Deus não é para só um grupinho. Não. É para todos. Aquela palavra, coloquem bem na mente e no coração: todos, ninguém excluído. Assim diz o Senhor." O esforço do Papa Francisco em enunciar o amor de Deus é o mesmo de Santo Agostinho. Ao comentar o evangelho do primeiro domingo do Advento do Ano B, na Carta dirigida a Hesíquio, o bispo e doutor da Igreja do século V recorda que Jesus fala a todos. "Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: se à tarde ou à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer, para que não suceda que, vindo de repente, o encontre dormindo. O que vos digo, digo também a todos: Vigiai!"
Mas "o nosso comportamento é a indiferença", nos repete o Papa Francisco quase diariamente, referindo-se à indiferença humana em duas dimensões: ao sofrimento do próximo e à misericórdia e compaixão de Deus, que dá o primeiro passo na nossa direção. O acento na indiferença também marcou a reflexão da primeira semana do Advento de São Gaspar Bertoni, fundador da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo, conhecida como Estigmatinos, em suas Meditações cotidianas. O espanto do santo católico era com a própria comunidade, que, no tempo de anunciar que o Salvador está para nascer, vive esse "tempo de alegria e espera vibrante" "com apatia, pouco dispostos a viver o espírito da Igreja, contentando-nos apenas em aceitá-lo como rituais exteriores e com celebrações superficiais e sem vida". Também nos séculos XVIII e XIX o "apego aos bens terrenos" cerceava o ânimo. O problema deste modo de viver o Advento, assinala, é dar crédito exterior aos bens celestes e não saboreá-los interiormente. Mas, para aqueles que até este momento não se interessaram por estes bens, Bertoni exorta a chegada do tempo propício:
"Chegou o momento propício para quebrar este gelo, elevando bem alto nosso espírito, acolhendo o convite do profeta e sentindo a alegria que procede do nosso Deus: 'Olha para o Oriente, Jerusalém, e vê a alegria que te vem da parte de Deus' (Br 4,36)".
Outras observações do Papa Francisco acerca do nosso comportamento são a imagem de "ser cristãos pela metade", "cristãos de água de rosas, sem substância" e a "atitude de mornidão espiritual, que tem transformado a nossa vida em um cemitério", onde, portanto, "não há vida". Essa temática foi problematizada pelo Abade Petitot, no Sermão 1 para o Advento. "Não creio, meus irmãos, que se encontre aqui um único entre vós que não possua algum instinto que lhe impulsione para a vida espiritual, e que talvez, apesar de fraco e recém-iniciado, nem por isso seja menos real e positivo."
Como diz o Papa Francisco, a tentação de mundanizar o Natal é constante e está sempre à porta, especialmente quando a centralidade passa ao largo da contemplação e concentra-se nas "compras, presentes, e isso e aquilo... e o Senhor fica ali, esquecido". Muitas vezes, constata o Papa, o mesmo acontece na nossa vida: "Sim, nasceu em Belém, mas...". Perde-se o senso de direção. Por isso, esclarece, "o Advento é para purificar a memória daquele tempo passado, daquela dimensão". Neste tempo de Advento, façamos nossas as palavras do Papa no Sínodo sobre a Sinodalidade:
"Irmãos e irmãs, peçamos na oração comum a aprender novamente a fazer silêncio, aprender novamente a fazer silêncio: a ouvir a voz do Pai, o chamado de Jesus e o gemido do Espírito. Peçamos que o Sínodo seja um kairós de fraternidade, um lugar onde o Espírito Santo purifique a Igreja de tagarelices, ideologias e polarizações."