07 Novembro 2018
Em 15 de outubro, o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa anunciou a sua decisão final para romper a comunhão eucarística com a Igreja-mãe da ortodoxia, Constantinopla. A notícia foi divulgada nos meios de comunicação ao redor do mundo, mas já era esperada há semanas, desde quando, em 7 de setembro, o Patriarca Bartolomeu havia anunciado a intenção do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, em sua função "Igreja-mãe" da antiga Metropolia de Kiev (da qual descendem todas as igrejas ortodoxas existentes no território da ex União Soviética), de tomar medidas para a concessão da autocefalia à Igreja ucraniana, nomeando para o efeito dois "exarcas", ou seja, dois encarregados especiais que foram enviados à capital ucraniana.
O comentário é de Giovanna Parravicini, publicado por Settimana News, 01-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao Patriarca Bartolomeu tinha se dirigido desde medos do ano passado o Presidente Petro Poroshenko, apoiado pela Verkhovna Rada (parlamento de Kiev) com o propósito expresso de ter uma única Igreja ortodoxa local na Ucrânia e nacional, acabando com a atual fragmentação existente. Os fiéis ucranianos ortodoxos, de fato, são divididos em três jurisdições diferentes: a Igreja ortodoxa ucraniana unida ao Patriarcado de Moscou (desde 1990, com direito ao autogoverno, liderada pelo Metropolita de Kiev, Onufriy); a Igreja ortodoxa ucraniana – do Patriarcado de Kiev (nascido em 1992 pela autoproclamação como patriarca do já metropolita Filarete, até então pertencente ao Patriarcado de Moscou); a Igreja ucraniana ortodoxa autocéfala (restaurada em 1990, mas que se considera continuadora da Igreja que se declarou autônoma de Moscou em 1921). Dessas três Igrejas, somente a primeira é canônica, isto é, em comunhão com as outras Igrejas ortodoxas.
Essa complexa situação criou-se desde a queda da URSS, se deteriorou ainda mais há quatro anos com a anexação da Criméia, a guerra que está sendo travada nas regiões orientais da Ucrânia e as fortes tensões entre os dois países: está claro que o pedido de Poroshenko para acabar com "a conexão antinatural da Igreja ucraniana com Moscou" visa afirmar uma clara separação da Rússia. Também é verdade que hoje, infelizmente, também em nível cultural e popular, além de político e econômico, entre Rússia e Ucrânia instaurou-se um sulco profundo, e que o próprio Patriarcado de Moscou tem dificuldades em manter um relacionamento com seus fiéis na Ucrânia: basta lembrar que há quatro anos o Patriarca Kirill não coloca mais os pés lá, e quando o Metropolita Hiliarion tentou fazer isso, foi rechaçado para trás na fronteira.
No contexto atual, em vez de sancionar o nascimento de uma igreja local enraizada e missionária no país, que moldou sua própria aparência autônoma em comunhão com a Igreja-mãe que a criou, a autocefalia parece ser o último suspiro de uma separação hostil entre dois países que, em realidade, nasceram e se desenvolveram durante séculos dentro de um caminho espiritual e cultural comum. Existe o risco de que hoje, na Ucrânia, reivindicar o princípio da autocefalia se transforme em um instrumento para resolver os problemas de convivência levantando novas fronteiras, dependente das contingências históricas e geopolíticas: o mesmo perigo foi reconhecido pelas Igrejas Ortodoxas, quando no Sínodo pan-ortodoxo em Istambul, em 1872, condenaram como heresia o filetismo, que identificava o pertencimento étnico como critério para a jurisdição eclesiástica.
Por outro lado, não se pode ignorar o sofrimento de milhões de fiéis, há quase trinta anos rotulados como "hereges" (aos quais nem sequer é reconhecido o batismo), para os quais, além de condenações altivas, nada foi feito a fim de resolver a divisão, apesar das exortações dirigidas de Constantinopla a Moscou para atuar nessa direção. Hoje, no novo contexto criado pela guerra e pelo incentivo pela independência, é impensável que a Igreja atual "canônica" ucraniana, dependente do Patriarcado de Moscou, possa constituir um polo de mediação e reunificação, e, nesse sentido, é compreensível a iniciativa tomada por Constantinopla.
Deixando de lado os aspectos legais (que, aliás, todos os especialistas julgam controversos, porque as Igrejas ortodoxas nunca realizaram uma reforma do direito canônico e possuem um arcabouço de cânones heterogêneos por origem, contexto e conteúdo, no qual se pode buscar qualquer tipo de argumento, a favor ou contra), eu gostaria de salientar algo que parece ser essencial para mim, e que o núncio apostólico da Ucrânia, Mons. Guggerotti, assim apresentou em um fórum em Kiev, em 17 de outubro: "Nós, cristãos, somos obrigados à paz. Somos condenados à paz, porque se nós não promovermos a paz não estaremos dizendo na prática que somos cristãos ... Toda recusa ao diálogo é uma recusa de Deus; a recusa de falar uns com os outros é uma blasfêmia, porque o nome de Deus é o amor. Oramos para que isso aconteça também na Ucrânia".
Não são apenas os altos prelados, mas também as pessoas comuns, jovens, que dizem isso: por exemplo, Diana, de Odessa: "Cada separação para mim é uma coisa ruim. A separação na Igreja, especialmente. Por um lado, é algo bem distante ... onde estão essas igrejas do Patriarcado de Constantinopla? Por outro lado, é muito próximo, é inclusive no coração ... É claro que tanto uma parte quanto a outra compartilham ambições disfarçadas com ares canônicos, e se arvoram as mais nobres intenções. Mas tudo isso tem alguma coisa a ver com Cristo, com o Evangelho? E eu me pergunto: aqui falta caridade, por que não há caridade entre nós?"
Ou Sasha, da Bielorrússia: "Tragédias acontecem todos os dias. Grandes, pequenas ou enormes. Mas algo me diz que esta é apenas uma cortina de fumaça para distrair-nos ... não, não da conjuntura mundial, mas do que realmente importa na vida: a verdade, a beleza, a liberdade que temos neste mundo, em todas as épocas. Não pensem que estou convidando vocês a usar óculos cor-de-rosa e viver de ilusões devotas, pelo contrário. Os santos sabem o que é a alegria, quando parece não haver mais motivo para se alegrar, quando o mundo desaba. Eles sabem com certeza que além da morte, da mentira, da guerra, do ódio e da estupidez, por trás da cortina de fumaça da idiotice há uma outra realidade, na qual nós nos apoiamos. Existe a verdade, o amor, a comunhão, o entendimento mútuo, existe a fé em Deus e no homem. Devemos testemunhar isso, porque nem todo mundo o sabe".
Há poucos dias, fui convidada a falar em uma escola ortodoxa na província russa e à pergunta de como nós, católicos, vemos o problema de autocefalia, resolvi responder que no início de outubro o Papa nos pediu para rezar o rosário para derrotar o demônio que cria divisões fora, mas, também, dentro da Igreja; e então, refletindo sobre isso, pensei que – para além de suas intenções - esse convite para orar ardentemente deveria se aplicar também à Igreja Ortodoxa. A unidade começa pela consciência dos fiéis: podemos, de fato, viver a divisão como uma condição normal, que não nos causa nenhum problema, nenhuma dor; ou, no lado contrário, assumi-la como um novo argumento para o renascimento dos impulsos nacionalistas fundamentalistas; mas também podemos sofrê-la como uma derrota para o cristianismo (independente de quem esteja errado ou certo), e orar e trabalhar pela unidade cotidiana sem nos resignarmos a considerar a divisão como um dado de realidade. Nesta última atitude, que aqui na Rússia está presente em muitos - muito mais do que se pense ou possa ser visto -, já existe o empenho do renascimento da unidade.
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A dor do cisma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU