17 Abril 2018
O maior problema do presente não é a falência dos projetos socialistas. O problema do presente é que não existe nenhuma teoria à altura do capitalismo. O capitalismo é uma das revoluções mais potentes produzidas pelo sapiens em trezentos mil anos. Como alternativas, o que temos a oferecer? Um neomarxismo aguado e as diluições de Marx que dominam a academia e simulam soluções equivocadas. Precisamos dissociar o comunismo de Marx e do marxismo. Criar um comunismo não-marxista. E, em certo sentido, antimarxista. Essa é uma tarefa urgente. O comunismo do século XXI será uma ontologia pluralista, uma emancipação distribuída, organizada em rede, fundada sobre processos de heterogênese internos ao capitalismo e que devem conduzir o capitalismo a um esgotamento. Continuaremos a viver dentro de uma circulação informacional. Mas o modelo de pensamento e o sistema serão outros. Muitos autores nos ajudam a pensar esse novo horizonte: Deleuze, Guattari, Sloterdijk, Kojève, Hegel, Espinosa, Uexküll, Simondon, Derrida, Agamben. A antropologia, a semiologia, o pragmatismo, a inteligência artificial, o transumanismo, as novas ontologias e as novas ecologias. Há um infinito futuro pela frente. Um mundo inteiro a ser construído. Muitas novas propostas de emancipação humana. Marx foi um gênio. Seus princípios são válidos, mas suas soluções se tornaram obsoletas pela ação da tecnologia. Mais importante do que os meios de produção hoje são os meios de reprodução. A reprodutibilidade dos seres, da vida e do capital deve ser analisada à luz de novo paradigma. Pensada a partir de uma nova cesura. Precisamos construir esse pensamento. Precisamos conceber essa teoria à altura do capitalismo. Precisamos conceber uma nova ontologia, pluralista e vermelha.
O dado mais preocupante da pesquisa Datafolha é que se mantém estável, com 15 a 20% dos votos, um sujeito que elogia ditaduras, não demonstra apreço às leis, desrespeita princípios básicos de convivência democrática, dissemina ódio e preconceitos.
Muita gente dizia que Bolsonaro não se sustentaria, mas ele segue aí com intenções de votos intocadas. Diziam que Geraldo Alckmin iria crescer e engoli-lo. Isso pode acontecer ainda, mas talvez o piso ao qual chegou o extremismo no Brasil não seja tão baixo.
Ter um fascistóide presidente seria muito grave. Podemos ir ladeira abaixo em uma agenda anti-democrática, que em comparação pode deixar os anos Temer suaves. Quem quiser vislumbrar esses descaminhos, dê uma olhada no que se passou na Hungria, que há poucos anos parecia uma democracia estável, e segue rumando para o totalitarismo depois que a extrema direita tomou o país.
Evitar esse caminho não é simples, e voluntarismos pouco ajudam. O cenário dos sonhos da extrema-direita é a polarização, como foi nos Estados Unidos e no Brexit inglês. Nesse sentido, a candidatura de Lula (a meu ver retirada do pleito por um processo frágil e duvidoso) parecia a mais apta a enfrentar o capitão da reserva, mas seria a que mais inflaria o lado do capitão em um eventual segundo turno. O anti-petismo, que tem franjas anti-democráticas mas não o é em sua maior parte, poderia abraçar uma candidatura fascista, para evitar, em termos bastante escutados, "que aquela quadrilha volte ao poder".
Não estou concordando com essa posição, mas identificando que ela existe e que me parece mais disseminada na sociedade do que queremos crer.
Como foi visto na França, a alternativa que parece viável para desmobilizar a extrema-direita está mais ao centro, sendo capaz de aglomerar o eleitorado de esquerda, parte relevante do senso comum e a direita moderada.
E aí, acho que o momento é o de redução de danos. Das candidaturas que vão da esquerda ao centro (Boulos/Guajajara, Manuela, Ciro, Haddad, Joaquim Barbosa, Marina), eu votaria em qualquer uma no segundo turno. Mas é preciso que algumas delas chegue lá.
Se não se coligarem, seus votos podem ficar pulverizados, e assistirmos a um segundo turno entre a centro-direita conservadora (Alckmin) e o capitão da reserva. Não vai ser bonito ter que colocar adesivo do Alckmin no peito para evitar a tragédia absoluta.
Torço para que Ciro se alie a Haddad e Manuela, para que Joaquim Barbosa se alie a Marina, ou Barbosa a Haddad, como vem sendo cogitado por setores do PT. Que se consiga criar uma candidatura de centro esquerda competitiva e consequente, que dispute o eleitorado indeciso e desiludido com a política.
Se as candidaturas dos movimentos de renovação forem bem sucedidades, e melhorarem a qualidade do legislativo em 2018, um eventual presidente de centro esquerda poderia tentar governar o país sem o PMDB e as velhas oligarquias, avanço que não seria pequeno.
Do meu lado, vou trabalhar nesse caminho de renovação do legislativo, em movimentos como Muitas e Ocupa Política, torcendo para parceiras do Movimento Nós e do Acredito, entre outros.
Sobre a candidatura presidencial do PSOL, torço para que Boulos e Guajajara façam uma campanha bonita, baseada em um programa popular e indígena, em busca de um modelo de sociedade que avance em direitos humanos e ambientais, que areje o imaginário da política brasileira. E que ajude a ampliar a presença do partido no legislativo, o que pode ser muito importante para os próximos anos.
O enigma do disforme
É o título do livro escrito em 2017 que Giuseppe Cocco e eu estamos na iminência de ver publicado, pela editora Mauad. Nele, escrevemos tensionados pelo enigma que o Brasil coloca para a globalização no século 21: a percepção que o êxito socioeconômico do governo Lula 1, nos anos 2000, se apoiou em bases de mobilização produtiva e num framing das políticas públicas que foram neoliberais, enquanto a tormenta perfeita da crise dos anos 2010 decorreu do ajuste desenvolvimentista de Lula 2 à Dilma 1, pois foram os progressistas, e não os neoliberais, que faliram o país. A segunda parte do enigma é a seguinte: por que o êxito do lulismo, ao se converter num novo tipo de produção de subjetividade (de que Junho de 2013 é epônimo), foi melhor metabolizado pela centro-direita liberal-meritocrática do que pela centro-esquerda estatizante-progressista?
Diante dessas inquietações, o nosso esboço de resposta aponta que algo se passou no Brasil, alguma coisa de diferente aconteceu, que deslocou definitivamente os antigos esquemas de análise e ação, demandando por novos. Essas transformações não podem mais ser explicadas pelas mesmas categorias dos anos 1990 (neoliberalismo x progressismo), dos anos 1970 (dependentismo, neoimperialismo, desenvolvimento do subdesenvolvimento) nem 1950 (nacional-desenvolvimentismo). Essas teorias é que, agora, devem ser explicadas. O conceito que rascunhamos para isso, a partir de uma pesquisa em história da arte brasileira por Rodrigo Naves e da Barbara Szaniecki sobre "outros monstros possíveis", é o de disforme, para além das teses da forma difícil e do paradigma de formação. Esperamos a publicação ainda para este mês.
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