09 Março 2018
O caminho futuro na China para todos os cristãos neste período não será por meio de acordos e ajustes negociados.
A opinião é de Michael Kelly, jesuíta, diretor executivo do sítio ucanews.com e que vive na Tailândia, publicada por La Croix International, 07-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os últimos meses viram um sem número de reportagens e comentários por “especialistas” a respeito do “acordo” por vir entre o Vaticano e Pequim sobre a regulamentação da Igreja Católica na China.
Não importa que ninguém sequer conheça os fatos do “acordo”. Não há documentos disponíveis e participante algum das discussões concedeu entrevista até então.
E não importa que alguns dos comentários mais lidos reflitam entender pouco o momento em particular em que a China se encontra neste exato instante – bem diferente de qualquer outro em toda a sua história, inclusive os últimos infelizes 180 anos.
Evento algum trazido nas reportagens possui sentido sem haver também uma descrição do contexto em que ocorre. E um comentário sobre algo relativo a religião se torna ininteligível caso falte uma contextualização; a saber, o seu impacto bem além dos confins das comunidades religiosas.
E não importa que tem havido uma falta lamentável de perspectiva histórica ao se produzir observações, fazer previsões e extrair conclusões.
Os entusiastas de um “acordo” projetam suas esperanças de uma reassunção harmoniosa do tipo de coexistência pacífica entre a Igreja e o Estado que, na história chinesa, realmente só existiu no período seguinte às Guerras do Ópio e aos Tratados Desiguais (da década de 1840 ao triunfo de Mao Tsé-Tung e ao Exército Vermelho, em 1949, do Novo Povo Comunista).
Os pessimistas que ou não esperam ou não querem reassunção alguma das relações também aqui gostam de projetar, desta vez os seus temores e angústias de terem sido brutalizados pelos comunistas no passado com visões alimentadas pelo hoje ultrapassado paradigma da Guerra Fria terminado na Europa em 1989.
Os comentaristas tomaram se deram a liberdade de ou evocar as suas pressuposições de longa data a respeito dos comunistas e as aplicam aos eventos presentes na China, ou deram uma liberdade plena aos seus otimismos desenfreados que são igualmente desprovidos de uma base factual a partir do qual poderiam argumentar.
Permitam-me declarar de onde venho: acredito que, apesar dos melhores esforços de muitos, as probabilidades de um acordo entre Pequim e o Vaticano parecem cada vez menores. Isto não acontece por falta de tentativas. Nem porque os católicos na China ficaram menos interessados em se reconciliar entre si.
O motivo que me faz pensar isto é porque o governo chinês vai recuar.
Por quê? Porque a China está regressando ao tipo imperial de condução de sua vida política e social.
Pierre Ryckmans († 2014) é um dos comentadores mais celebrados e polêmicos sobre a China maoísta. Estudioso mundialmente renomado das artes e literatura chinesas, Ryckmans foi também o primeiro a furar o balão dos entusiasmos de muitos pela China de Mao, especialmente da esquerda nas décadas de 60 e 70, e o fez expondo os horrores da Revolução Cultural (1966-1975).
Condenado pela China e por seus replicadores ao redor do mundo como apenas mais um “hater” anticomunista, Ryckmans justificava-se e comprovava o que dizia com os cidadãos chineses que viveram aquele período lamentável na China em primeira mão.
O conselho que deixou para os analistas e comentadores da China foi cuidadosamente resumido em 2016 pelo seu biógrafo Philippe Paquet: “O conhecimento sobre o passado é a melhor maneira para entender o presente (da China), especialmente no caso de um país cuja história se estende por vários milênios”.
Mas primeiramente olhemos o que está acontecendo politicamente na China hoje. Um dos sinais de fraqueza das inúmeras avaliações sobre a condição do cristianismo em geral e do catolicismo em particular na China é que as sortes deles são vistas separadamente do que está acontecendo com todos os demais no país, especialmente os outros grupos religiosos: taoístas, muçulmanos e budistas em particular.
A realidade é que a China possui um governo totalitário microgerencial de comando e controle e os indícios são que o Partido Comunista chinês dirige-se, em suas oscilações regulares, para o extremismo.
Mas sempre foi assim. Hoje e desde 1949, ele se traveste no vocabulário pseudomoderno do marxismo-leninismo, aprendido com os soviéticos na Rússia. No século XVIII, a dinastia Qing tinha exatamente os mesmos mecanismos em vigor para controlar e microgerenciar os locais de trabalho, os bairros, as cidades e mesmo as famílias que Mao adotou (e, ao mesmo tempo, foi usado pelo inimigo nacionalista, Chiang Kai-shek), ambos tendo aprendido com V.I. Lenin.
Antes de 1842-1949, o percurso que os cristãos e católicos tinham para acessar a China sempre tinha de ser através da amizade com os líderes chineses, onde os estrangeiros lhes traziam algo que ainda não tinham. Era com base no respeito mútuo e no intercâmbio, em relações iguais. Eis a estratégia mais bem-sucedida de engajamento com a China alguma vez já feita.
Nos séculos XVI e XVII, a presença de missionários era cuidadosamente supervisionada e, normalmente, possibilitada pelo acesso que os astrônomos jesuítas, filósofos e artistas tinham na Corte Imperial para receber acesso a algumas partes do Reino Médio.
A elevação de Xi Jinping à condição de imperador foi autorizada no 19º Congresso do Partido em outubro passado. Isto tem tudo a ver com torná-lo o “El Supremo” indiscutível e encerrar todo mundo no seguimento da Linha Partidária. O imperador está de volta ao trono e qualquer abordagem à China, hoje, precisa olhar para os últimos 140 anos para ver o que se encontra à frente.
Muitos – na Igreja e na imprensa – olham para o período posterior às Guerras do Ópio e aos Tratados Desiguais como o “normal” a que a China atual deveria se aproximar. É quando as potências europeias exerciam a “diplomacia das canhoneiras” e os estrangeiros tinham acesso ininterrupto à China e seus mercados.
E os missionários cristãos seguiam as trilhas das potências ocidentais, criando estações de missão, escolas, universidades, hospitais e serviços de bem-estar. Por fazerem um bem tão grande, por que os Chineses apresentariam objeções, perguntavam-se os missionários.
Mas será que eles ouviram bem o suficiente aquilo que os chineses diziam e sentiam sobre estes desdobramentos? Não.
O ressentimento subjacente daquilo que os chineses chamam de o século da humilhação teve o seu ápice com o anúncio de Mao quando este proclamou vitória em 1949 e declarou: “A China se levantou!”, quer dizer, levantou-se contra os invasores. Ele então passou a expulsá-los juntamente com os missionários.
O período de 1842-1949 é atípico na história chinesa, e o ressentimento deste tempo permanece na China até hoje. É fantasioso ignorá-lo.
O que nos traz às discussões entre o Vaticano e Pequim. Do ponto de vista vaticano, estas discussões têm a ver com regularização da vida religiosa dos católicos na China. O “acordo” será sobre o problema constantemente debatido das nomeações episcopais.
Mas há outros problemas de destaque a serem revolvidos: as fronteiras diocesanas diferentes reconhecidas pela China e pelo Vaticano; o status ambíguo da conferência dos bispos chineses e de um outro organismo criado pelo governo que parece ter autoridade sobre os bispos e outras questões administrativas.
Não há um outro período ao modo do “Desabrochar das Cem Flores” na China. Quando o Grande Timoneiro do Povo, Mao Tsé-Tung, autorizou este período e pediu que todos dessem uma palavra sobre o futuro da China, ele deu rapidamente sequência à perversa Campanha Antidireitista para punir os inimigos.
A coisa mais próxima ao lamentável Mao desde a sua morte em 1976 é Xi Jinping. O padrão desdobra-se novamente. Tudo o que se pode esperar é que o impacto de Xi não seja tão desastroso para a China como veio a ser o de Mao.
O caminho adiante na China para todos os cristãos neste período não será por meio de acordos e ajustes negociados. É voltar à China imperial.
Para a Igreja, os séculos XVI e XVII sugerem um caminho adiante: amizades, relações igualitárias e engajamentos mutualmente benéficos.
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Acordo do Vaticano com a China é um erro total... se é que acontecerá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU