15 Fevereiro 2018
A Igreja Católica precisa aprender sobre a vida conjugal com os fiéis, disse o cardeal de Chicago, Blase Cupich, em um importante discurso na Universidade de Cambridge. Ele não disse isso com vontade de diluir o ensino da Igreja, mas a partir de uma convicção teológica.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas Reese, publicado por Religion News Service, 12-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é só a Igreja que leva o Evangelho às famílias, mas as famílias também contribuem para a compreensão e a proclamação do Evangelho por parte da Igreja, argumentou Cupich na Inglaterra, na sexta-feira, 9 de fevereiro. Ele chegou a essa conclusão depois de começar a partir da compreensão da Igreja sobre a família como um lugar privilegiado da autorrevelação de Deus.
Se aceitarmos isso, disse Cupich, “então nenhuma família deveria ser considerada privada da graça de Deus”. Como resultado, “nossa abordagem ministerial deveria começar com o entendimento de que as famílias não são problemas para se resolver”, disse.
“Em vez disso, são oportunidades para a Igreja discernir, com a ajuda do Espírito, como Deus está ativo no nosso tempo e o que Deus está nos chamando a fazer aqui e agora.”
Em seu discurso promovido pelo Instituto Von Hügel de Pesquisa Católica Crítica, Cupich fez uma contribuição significativa para o debate internacional sobre a Amoris laetitia, inclinando-se fortemente ao lado do Papa Francisco, que tem sido severamente criticado por abrir a possibilidade de que católicos divorciados e em segunda união sejam admitidos à comunhão. O cardeal citou até a constituição dogmática sobre a Igreja do Vaticano II, que pede a submissão religiosa da mente e da vontade ao magistério do papa.
Cupich acredita que a exortação apostólica apresenta um novo paradigma que nos chama a abraçar um novo espírito, uma mudança de direção no modo como a Igreja realiza seu ministério para as famílias.
Francisco, de acordo com Cupich, introduziu um conjunto de seis princípios hermenêuticos que forçam uma mudança de paradigma, permitindo-nos rever o engajamento da Igreja com os casais e as famílias.
O primeiro princípio é: “A família é um lugar privilegiado da autorrevelação de Deus”. Se realmente acreditamos nisso, então a Igreja deve deixar de fazer uma apresentação abstrata e idealizada do casamento. “A tarefa daqueles que ministram às famílias – explicou – é abrir os olhos para ver e ajudar as famílias a discernirem para onde Deus as está chamando.”
A autorrevelação de Deus não se restringe apenas aos que correspondem aos ideais matrimoniais da Igreja. Deus também pode estar presente em situações irregulares, incluindo as pessoas divorciadas e em segunda união. Cupich argumenta que, embora essa seja uma mudança de paradigma para aqueles que ministram às famílias, é uma mudança “holisticamente enraizada na Escritura, na tradição e na experiência humana”.
O primeiro princípio interpretativo leva diretamente ao segundo. “Como as famílias são um lugar privilegiado da autorrevelação e da ação de Deus no mundo, é preciso haver uma mudança na forma como os ministros da Igreja interagem com as famílias e os casais. Ela deve ser marcada pelo respeito mútuo pelo movimento do Espírito. Os ministros devem acompanhar as famílias em um processo de discernimento.”
Em outras palavras, a Igreja não deve apenas ensinar; deve também aprender com as famílias. Todos devem “permanecer abertos à possibilidade de aprender uns com os outros, na busca de compreender o mistério de Deus juntos”.
Cupich argumenta que é a isso que Francisco se refere ao falar de uma Igreja “sinodal”. Isso significa “rejeitar uma maneira autoritária ou paternalista de lidar com as pessoas que faz cumprir a lei, que pretende ter todas as respostas, ou respostas fáceis a problemas complexos, que sugere que as regras gerais irão trazer perfeitamente uma clareza imediata ou que os ensinamentos da nossa tradição podem ser aplicados de forma preventiva aos desafios particulares enfrentados pelos casais e pelas famílias”.
“O principal objetivo do ensino formal sobre o casamento é o acompanhamento, não a busca de um conjunto abstrato e isolado de verdades”, afirmou. Esse acompanhamento “envolve um processo de escuta e aprendizagem, que orienta os fiéis a uma consciência de sua situação perante Deus”.
Cupich argumentou que “isso representa uma grande mudança na nossa abordagem ministerial, que não é nada menos do que revolucionária”.
O respeito mútuo ao discernir o movimento do Espírito no processo de acompanhamento abre para a terceira mudança no papel da consciência. A consciência não é apenas reconhecer pecados passados ou reconhecer a verdade objetiva no presente, mas também discernir o futuro – o que Deus está pedindo de mim agora?
Cupich citou a Gaudium et spes do Vaticano II, que descreve a consciência como “o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”. Se levarmos isso a sério, disse Cupich, isso “exige um profundo respeito pelo discernimento dos casais e das famílias. Suas decisões de consciência representam a orientação pessoal de Deus às particularidades de suas vidas”. A voz da consciência é a voz de Deus.
“É difícil exagerar o significado dessa mudança hermenêutica”, disse Cupich. “Ao abraçar plenamente a compreensão da consciência encontrada na Gaudium et spes, o Papa Francisco aponta não apenas para a possibilidade do acompanhamento na pastoral da Igreja com as famílias, mas também para sua necessidade.”
A quinta mudança de paradigma é reconhecer que, ao lidar com casos particulares, é necessária uma abordagem pastoral – e não meramente doutrinal.
“Assim como o discernimento pastoral atende à realidade de uma situação – disse Cupich ao público –, assim também a vida moral cristã baseada na consciência não se concentra principalmente na aplicação automática de preceitos universais. Em vez disso, ela está continuamente imersa nas situações concretas que dão um contexto vital às nossas escolhas morais.”
Essa mudança para uma abordagem pastoral envolve a criação de uma cultura do cuidado, da hospitalidade e da ternura na comunidade paroquial em favor daqueles que foram feridos.
Essa mudança final é o resultado do gesto de ressituar a misericórdia no coração do Evangelho, até o ponto de “sempre considerar ‘inadequada’ qualquer concepção teológica que, em última instância, ponha em dúvida a própria onipotência de Deus e, especialmente, sua misericórdia”, afirmou Cupich, citando Francisco.
Esse é o coração do sexto princípio de Cupich. “O desenvolvimento doutrinal tem a ver com permanecer aberto ao convite para ver nossos ensinamentos morais sobre o casamento e a vida familiar através da lente da misericórdia onipotente de Deus.”
Embora ele chame essas mudanças paradigmáticas de “revolucionárias”, elas não são “novas”, mas sim “revivificadas”, de acordo com Cupich. Francisco “faz isso conectando tradição e experiência, ensino e prática, de uma forma que responda melhor às realidades que as pessoas enfrentam em suas vidas diárias”.
O discurso do cardeal Cupich é uma contribuição substancial para a compreensão da Amoris laetitia, provavelmente o documento papal mais amplamente discutido desde a Humanae vitae, do Papa Paulo VI, que proibiu o uso da contracepção artificial.
Ele, junto com Francisco, está convocando a Igreja a levar os leigos a sério e a ouvir o Espírito ativo em suas vidas, especialmente em suas famílias.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Igreja deve aprender com os fiéis sobre a vida conjugal, afirma cardeal dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU