27 Outubro 2017
"Duas tendências se entrelaçam: se, de um lado, o paroquialismo pode revelar uma dimensão positiva de afirmação identitária, na contramão de uma globalização política e economicamente avassaladora, de outro, exibe uma dimensão negativa, que se fecha sobre si mesmo, numa espécie de gueto isolacionista, cerrando as fronteiras a tora e qualquer influências estranha e estrangeira" escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
Formalismo, autoritarismo, populismo, liturgismo, fundamentalismo, individualismo, paroquialismo – eis, entre outros “ismos”, as referências aparentemente sólidas numa sociedade cada vez mais “líquida”. Esta metáfora de Zygmunt Bauman mescla e dissolve fronteiras, apaga as estrelas do céu noturno, retira da estrada os marcos orientadores, torna vazio e movediço o solo em que pisamos, ofusca metas e horizontes... Numa palavra, deixa-nos a todos meio órfãos, sólitários e perdidos.
Disso resultam os mecanismos de autodefesa. Escudos que aparecem nos mais diversos ambientes: política, educação, relações interpessoais, religião, movimentos sociais e organizações em geral. Curioso, entretanto, é constatar que tais “ismos” se revelam mais fortes, inflexíveis e intransigentes entre as camadas jovens da população. Jovens filhos órfãos de pais ausentes, embora convivendo sob o mesmo teto. Ou melhor, pais desprovidos de referências, impreparados para orientar as gerações que lhes seguem numa rota de evolução progressista. Símbolos de outros milhares e milhões de genitores, os quais, em meio ao oceano “líquido” da pós-modernidade, perderam a bússola. Em plena crise, melhor agarrar-se ao passado, ao status quo, ao que é conhecido; melhor evitar “aventuras” imprevistas, passos em falso e sobretudo pessoas estranhas.
Comecemos, por exemplo, com o autoritarismo de jovens políticos. Os nomes mais à mão são os de Emmanuel Macron, na França, e Sebastian Kurz, na Áustria. Mas a lista poderia prolongar-se a outros países e continentes. Em lugar de políticos promissores, mais parecem aventureiros sem raízes profundas e, não raro, sem um partido consistente, e sem um programa igualmente consistente. Ao invés de avançar propostas novas e criativas, de abrir horizontes desconhecidos, tendem a retroagir, nos moldes de quem busca segurança no “déjà vu” da política tradicional. Um retorno à posição de Direita e ao conservadorismo, onde é indisfarçável o receio de assumir iniciativas incertas, com suas respectivas responsabilidades. Ao clamor dos injustiçados e dos imigrantes que batem à porta, sobrepõe-se o medo e a segurança nacional.
Não é diferente com o formalismo, o fundamentalismo e o liturgismo. Neste caso, podemos abrir a porta dos ambientes religiosos. Bispos e sacerdotes rígidos e legalistas com a doutrina, o direito canônico, a liturgia e suas regras detalhistas ao extremo. Seminaristas, noviços e noviças que desde cedo se protegem no interior de uma indumentária que os mantém distantes do mundo infestado pela lama do pecado e da luxúria. Na ausência de uma opção pastoral e no vazio de referenciais, melhor a segurança de um uniforme que separa e identifica. No fim da linha, chega-se à intolerância, às fogueiras e ao risco da guerra santa. Nas vias intermediárias, a hierarquia, a pompa, o luxo, a tradição e a solenidade exacerbada – para não falar da ligação com o poder e o dinheiro – servem de escudo contra os males mundanos.
Quanto ao paroquialismo (deixemos de lado o termo tribalismo), convém lembrar que não estamos falando do conceito católico de paróquia. Trata-se, em lugar disso, de uma visão de mundo que gira em torna de uma determinada localidade: centrada no território, na língua, nos costumes e na cultura dessa região local e localizada. Como temos acompanhado recentemente, são inúmeros hoje os projetos separatistas espalhados por todo o mundo. Balcãs, Catalunha, norte de Itália, Escócia, Brexit, para citar alguns. Duas tendências se entrelaçam: se, de um lado, o paroquialismo pode revelar uma dimensão positiva de afirmação identitária, na contramão de uma globalização política e economicamente avassaladora, de outro, exibe uma dimensão negativa, que se fecha sobre si mesmo, numa espécie de gueto isolacionista, cerrando as fronteiras a tora e qualquer influências estranha e estrangeira. Outra coisa, evidentemente, é a luta justa e legítima dos curdos e dos palestinos pelo direito a um Estado territorial!
Conclui-se que semelhantes atitudes, em maior ou menor grau, buscam um ponto de apoio numa sociedade que rompeu com o “contrato social”, para voltar a Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques-Rosseau, filósofos do contratualismo. Nesse mar liquefato, como náufragos em meio à tormenta e batidos de todos os lados pelas ondas bravias, os representantes de tais “ismos” tentam desesperadamente encontrar uma pedra onde apoiar os pés. Na falta disso, vale qualquer tábua de salvação.