17 Outubro 2017
"As pessoas perguntam- se o que Lídia, "temente a Deus", e suas companheiras, estavam fazendo quando Paulo as encontra no "lugar de oração" junto ao rio. Os temerosos a Deus não eram judeus, mas estavam interessados no judaísmo e passavam muito tempo na sinagoga. Mas não havia sinagoga em Filipos; senão Paulo, Timóteo e Silas teriam ido ao culto sabático, como era de costume", escreve Christine Schenk, parteira por 18 anos, trabalhando com famílias nas cidades, antes de co-fundar a FutureChurch, onde atuou por 23 anos. Ela é mestre em enfermagem e teologia, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 14-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Nos últimos dias, estive estudando a fundo o ministério de São Paulo na Grécia, enquanto me preparo para liderar uma peregrinação da FutureChurch para os antigos locais cristãos onde as mulheres tinham importantes funções de liderança.
Polly Seitz, à esquerda, e Karen Murphy trocam bênçãos no rio em Filipos onde Santa Lídia conheceu São Paulo. (FutureChurch)
A maioria dos cristãos desconhece completamente que as mulheres ajudaram a estabelecer muitas das primeiras igrejas na Grécia, na Turquia e em Roma. Isso porque a tradição da Igreja sempre atribui sua fundação a Paulo.
Os primeiros seguidores de Cristo circularam e preservaram as cartas incontestadas de Paulo (circa 51-62 d.C.) e, mais tarde, os Atos dos Apóstolos de Lucas (circa 80-90 d.C.), que relatam as jornadas missionárias de Paulo em detalhes - embora às vezes divergentes.
Portanto, é compreensível que os seguidores de Cristo que vieram a seguir pensem que Paulo fez tudo. Mas não fez. Na verdade, o próprio Paulo dá crédito a Prisca como "colega em Cristo Jesus" (Romanos 16: 3-5) e descreve Evódia e Síntique de Filipos como colegas que "lutaram ao meu lado na obra do evangelho" (Filipenses 4:3).
Paradoxalmente, ninguém saberia sobre essas líderes mulheres, a não ser pelo trabalho de meticulosos estudiosos bíblicos que pacientemente reuniram fatos dispersos no trabalho com os próprios textos que retratam (e às vezes exaltam) Paulo e outros líderes masculinos na Igreja primitiva.
Os Atos dos Apóstolos identificam Lídia de Filipos como a precursora da primeira igreja da cidade (Atos 16: 6-40), e a carta de Paulo aos Filipenses sugere que um conflito entre duas mulheres - Evódia e Síntique -ameaçava a unidade daquela igreja (Filipenses 4:2-3). Segundo uma conhecida estudiosa do Novo Testamento, a Irmã do Sagrado Coração Carolyn Osiek, é provável que Evódia e Síntique estivessem entre os episkopoi e diakonoi a quem Paulo endereça sua carta. (Uma referência, por sinal, que não é usada por Paulo em nenhuma outra saudação.)
Em Tessalônica e Bereia, as "principais mulheres" gregas apoiaram a missão de Paulo, mesmo quando os membros homens da sinagoga o expulsaram da cidade (ver Atos 17:1-15).
O cristianismo parece ter uma atração especial às mulheres gentias. As mulheres com status — seja por negócios (Lídia era uma comerciante rica de tintas roxas) ou destaque social ("mulheres líderes" gregas) — ficavam muito atraídas pela mensagem de Jesus.
Mas por quê?
Uma pesquisa recente sobre gravuras antigas em Filipos pode esclarecer essa interessante questão. No livro Ritual, Women and Philippi (Cascade Books, 2013), Jason T. Lamoreaux analisou 140 gravuras na acrópole de Filipos. Noventa dedicavam-se à deusa grega Artemis (deusa romana Diana). Lamoreaux sugere que, como poucas outras deusas estavam em evidência em Filipos, o culto a Artemis era um foco primário da vida religiosa das mulheres naquela cidade. Ele levantou a hipótese de que o culto feminino a Artemis influenciaria, assim, o modo como as mulheres receberam a carta de Paulo para a igreja de Filipos.
Conhecida na cultura helenista como a deusa da caça, Artemis era filha de Zeus e Leto e irmã gêmea de Apollo. Ela permaneceu virgem, e as mulheres invocavam sua proteção no trabalho, no parto e em ritos femininos de passagem, como puberdade, casamento e gravidez.
Nos 90 relevos arqueológicos criados por devotas em Filipos, Artemis foi retratada como caçadora, com arco e flecha, 51 vezes. Na imaginação androcêntrica da medicina grega antiga, o útero era visto como um animal errante. A flecha de Artemis significava ancorá-lo e torná-lo fértil. (Seria o auge de Freud. Mesmo!) Nos relevos de Filipos, a deusa é retratada por sete vezes com uma espada matando um veado, indicando o lado mais sombrio de Artemis - ou seja, seu poder de trazer a morte.
As astronômicas taxas de mortalidade materno-infantil significavam que as mulheres antigamente tinham uma relação íntima com a perspectiva da morte. O ritual religioso as ajudou a lidar com isso. Os relevos da acrópole contêm imagens de presentes oferecidos a Artemis em ação de graças para ter um parto seguro e bem-sucedido: sandálias, um espelho, um pente, um cesto de lã e um fuso de fiar.
Se uma criança ou uma mulher morresse durante o parto, pensava-se que era castigo de Artemis. Os relevos que descrevem-na matando um veado podem ser homenagens à morte de uma mãe ou de um recém nascido. Artemis era temida até que a mulher sobrevivesse ao parto.
Lamoureaux sugere que as mulheres filipenses ouviam a mensagem cristã de maneira diferente dos homens, porque Paulo pinta a morte como algo positivo, e não como um castigo: "Segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho." (Filipenses 1:19-22).
As pessoas perguntam- se o que Lídia, "temente a Deus", e suas companheiras, estavam fazendo quando Paulo as encontra no "lugar de oração" junto ao rio. Os temerosos a Deus não eram judeus, mas estavam interessados no judaísmo e passavam muito tempo na sinagoga. Mas não havia sinagoga em Filipos; senão Paulo, Timóteo e Silas teriam ido ao culto sabático, como era de costume. Alguns estudiosos acreditam que o autor do Evangelho segundo Lucas e dos Atos dos Apóstolos retrata Lídia como "temente a Deus" para amenizar a gafe religiosa dos discípulos.
Colaboradora do Young Voices, da NCR, Jenny Mertens, à esquerda, e a diretora do conselho da FutureChurch, Jocelyn Collen, com um ícone de Lídia de Filipos no porto de Cencréia, cidade natal de Febe, os "diakonos" em Romanos 16:1-2. (FutureChurch)
Afinal, o que Paulo estava fazendo no culto de uma mulher?
O que sabemos é que Lídia "abriu seu coração" ao Evangelho, foi batizada, fez toda a família ser batizada e convidou Paulo e seus companheiros para ficarem em sua casa. Várias semanas depois, antes de sair da cidade, Paulo "confortou os irmãos e irmãs" que agora se encontravam em sua casa (Atos 16:40).
Lídia iniciou uma igreja de seguidores de Jesus que acreditam que a morte não é negativa.
É um conceito de esperança - embora desafiador - para todos nós.
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O que Paulo estava fazendo no culto de uma mulher? Visitar lugares cristãos primitivos pode ser esclarecedor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU