28 Setembro 2017
“A mentalidade de Jesus não era nacionalista. Nada disso. Era uma mentalidade humanitária”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 26-09-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Fronteira é a linha que separa e divide uma nação de outra, um país de outro e, com frequência, também uma cultura de outra. Por isso, as fronteiras nos separam, talvez nos dividem e, com frequência, nos distanciam uns dos outros. Daí que, muitas vezes, as fronteiras nos colocam em confronto uns com outros. É inevitável.
Dirão que eu estou exagerando no negativo. É possível. Mas, ninguém pode negar que a história está repleta de peripécias e desgraças com o que acabo de apontar.
Dito isto, por formação (ou deformação) profissional, quando vejo um problema ou uma situação, como a que estamos vivendo nesse exato momento, na Espanha, na Europa e no mundo, vou ao Evangelho e me pergunto: Jesus de Nazaré me ensina algo que sirva para me orientar no que está acontecendo?
Jesus deu sinais de nacionalismo. Quando enviou seus apóstolos para anunciar a chegada do Reino de Deus, a primeira coisa que lhes disse é que não fossem aos pagãos, nem a cidades de samaritanos (Mt 10, 5). E à mulher cananeia, que lhe pedia a saúde para sua filha enferma, disse que ele tinha vindo para as ovelhas desgarradas de Israel (Mt 15, 24).
Os estudiosos destes relatos buscam explicações para estes estranhos episódios. Porque, entre outras coisas, sabemos de sobra que Jesus apreciou ao extremo os samaritanos (Lc 9, 51-56; 10, 30-35; 17, 11-19; Jo 4). É que, segundo parece, na mentalidade de Jesus, as “ovelhas desgarradas” estavam precisamente em seu povo, em Israel. Daí sua insistência em que os apóstolos atendessem, antes de tudo, àqueles que viviam extraviados e perdidos. A mentalidade de Jesus não era nacionalista. Nada disso. Era uma mentalidade humanitária.
Por isso, chama a atenção que a primeira vez que, segundo o Evangelho de Lucas, Jesus foi ao seu povoado (Nazaré), tenham lhe pedido que fizesse a leitura na sinagoga. E não lhe ocorreu outra coisa que, ao ler um texto do profeta Isaías (61, 1-2), só fizesse menção ao “ano da graça” e pulou o “dia da vingança”. O que produziu o enfrentamento (segundo a tradução mais correta. J. Jeremias) das pessoas (Lc 4, 22). E o pior foi que, ao invés de tranquilizar a seus concidadãos, disse-lhes que Deus prefere os estrangeiros (uma viúva de Sarepta e um político da Síria) (Lc 4, 24-27), antes que aos moradores de Nazaré. Isto deixou as pessoas furiosas e não o jogaram ao precipício por um fio, de verdadeiro milagre (Lc 4, 28-30). Jesus odiava as fronteiras até o ponto de arriscar a vida, para deixar claro que não suporta fronteiras que nos separam e nos dividem.
Mas não é isto o mais chamativo. Uma das coisas que mais surpreendem nos evangelhos é que os três elogios mais notáveis, que Jesus fez a respeito da fé, não foram aos seus apóstolos, nem a seus compatriotas, nem a seus amigos. Foram feitos a um centurião romano (Mt 8, 10), a uma mulher cananeia (Mt 15, 28) e a um leproso samaritano, que veio agradecer a Jesus, diferente dos nove leprosos judeus que se deram por satisfeitos com o cumprimento de “sua lei” (Lc 17, 11-19).
Jesus, ao morrer, “entregou o espírito” (Jo 19, 30). Deixou esta vida? Isso, é claro. Mas há algo muito mais profundo: “entregou” (“paradidomi”) o “Espírito”. Para o IV Evangelho, Páscoa, Ascensão, Pentecostes, tudo aconteceu naquele instante (H. U. Weidemann). E desde aquele instante, que mudou a História, acabou o mito da Torre de Babel, as muitas línguas, as divisões e incapacidades para nos entender e conviver unidos e em paz. É o cume do Evangelho. E se é que o [exemplo] de Deus serve para algo, para que nos serve, se a cada dia que passa, fica mais insuportável para nós convivermos unidos? Espanha ou Catalunha são mais importantes que o Evangelho de Jesus? Pelo que estamos vendo, para muitos cristãos e não poucos padres são. Ou essa é a impressão que deixam.
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Jesus Cristo odiava as fronteiras. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU