21 Setembro 2017
À exceção de deputados de oposição, os parlamentares da Câmara têm preferido não repercutir as polêmicas declarações do general Antônio Hamilton Mourão. Enquanto a maioria dos congressistas da base aliada prefere manter-se em silêncio sobre o tema, o militar tem recebido apoio de colegas após garantir haver "planejamentos muito bem feitos" para uma possível solução do "problema político" em uma palestra na maçonaria, em Brasília.
A reportagem é de José Antonio Lima e Miguel Martins, publicada por CartaCapital, 21-09-2017.
Alguns deputados não enxergam em Mourão uma ameaça por considerarem o militar pouco influente no comando do Exército, chefiado pelo general Eduardo Villas Bôas.
Em entrevista à TV Globo na noite de terça-feira 19, o comandante da Força descartou uma punição a Mourão, a quem chamou de "um grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão". Segundo ele, a questão foi "resolvida internamente". Em 2015, no governo de Dilma Rousseff, Villas Bôas exonerou Mourão do Comando Militar do Sul após críticas do general à ex-presidenta.
A CartaCapital, o deputado Arnaldo Jordy, do PPS, partido do ministro da Defesa, Raul Jungmann, chamou de "absurdas e atabalhoadas" as declarações de Mourão, mas o considera "uma voz isolada". "Não é de hoje que de dentro das Forças Armadas, em momentos delicados, de crise maior, surge uma uma manifestação desse tipo. Já vimos isso desse mesmo Mourão e de outros. Mas é um ponto fora da curva", afirma o parlamentar.
Na mesma linha, o deputado Otavio Leite, do PSDB, afirma não ver "qualquer crise institucional no seio do Exército". "Foi uma manifestação isolada, com baixa repercussão, longe de criar uma atmosfera de conspiração contra a democracia", comenta. O deputado afirmou não ser necessária uma punição, mas uma "chamada de atenção". "É como se fala nas esquinas do País: é preciso dar um toque no general. Ele está completamente fora dos tempos em que crises e caminhos são superados pelas regras democráticas, pelas instituições republicanas."
Jordy também não prevê repercussões graves das declarações de Mourão. “Não tem que minimizar, mas não podemos superestimar algo que não é tão importante. Esse general não tem nenhuma representação institucional expressiva.”
Já os deputados da oposição querem esclarecimentos sobre quais seriam "os planejamentos" de que fala Mourão. O PSOL entrou com um requerimento para que Jungmann esclareça qual seria o suposto plano do Exército mencionado pelo general. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou também requerimento de convite para o ministro da Defesa esclarecer as declarações de Mourão.
Liderança do PSOL na Câmara, o deputado Glauber Braga considera as declarações "gravíssimas". "Ele diz que já existe um planejamento e uma ameaça de intervenção", diz. "As Forças Armadas têm um papel fundamental na garantia da democracia e da soberania. Agora, a defesa de uma intervenção a partir de planejamentos já existentes é muito preocupante."
Ao tentar justificar as declarações de Mourão em entrevista, Villas Bôas fez um polêmico comentário sobre a possibilidade de intervenção das Forças Armadas em situações de "iminência de caos", o que não está previsto na Constituição.
Em nota enviada a CartaCapital, o Exército afirmou que as situações de "caos" seriam soluções emergenciais como "o emprego das Forças Armadas como resposta do Estado ao descontrole da ordem pública". A Força cita as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que regulamenta a atuação de tropas no Rio de Janeiro, por exemplo.
Na quarta-feira 20, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, lançou uma nota pública para apontar o papel e os limites constitucionais da atuação das Forças Armadas. O MP afirma que elas são plenamente subordinadas ao poder civil e seu emprego depende sempre de decisão do presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado ou da Câmara.
Na entrevista, Villas Bôas foi questionado também sobre os anos de ditadura. Ele afirmou que é "necessário entender aquele momento", no qual a polarização teria levado "a uma exigência da própria sociedade para que se fizesse uma intervenção". O comandante do Exército elogiou o desempenho econômico no período. "Durante o governo militar o Brasil passou da 47ª para a 8ª maior economia do mundo."
Em sua palestra na maçonaria, Mourão afirmou que há um incômodo de "sua geração" com os "sucessivos ataques" ao Exército, feitos, segundo ele, de "forma covarde" e "não coerente com os fatos que ocorreram no período de 1964 a 1985"
Também na terça 19, o general quatro-estrelas da reserva Augusto Heleno, ex-comandante de tropas no Haiti, declarou "apoio irrestrito a Mourão" em seu perfil no Facebook. O militar afirma que seu colega "limitou-se a a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional". "A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar. Ridículo”, escreveu.
O deputado Glauber Braga afirma que o desembaraço de Mourão ao defender uma saída autoritária tem relação direta com o governo de Michel Temer. "Alguns estão se sentido à vontade, e é claro que a questão é multifatorial, mas isso ocorre por haver um presidente da República sem qualquer autoridade pra comandar as Forças Armadas."
Questionado se a Comissão da Verdade produziu rancores entre setores mais autoritários no Exército, Braga afirma que a falta de uma autocrítica formal das Forças Armadas ao período obriga a se "manter a atenção". "É inadmissível que se venha a justificar de maneira pública os arbítrios que ocorreram de 64 a 85."
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Ameaça ou "voz isolada"? Deputados dividem-se sobre general Mourão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU