09 Junho 2017
Dois jovens jornalistas maleses publicaram recentemente uma investigação sobre as contas bancárias na ordem de 7 bilhões de FCFA [cerca de 12 milhões de euros] que estariam escondidas na Suíça pelos líderes católicos maleses. Entre as personalidades questionadas figura dom Jean Zerbo, arcebispo de Bamako promovido a cardeal pelo Papa Francisco.
Essas revelações, baseadas nos Swissleaks, provocaram intensas reações no país. A Conferência Episcopal do Mali, por sua vez, rejeitou a hipótese de um “desvio de recursos financeiros dos fiéis católicos”. Mas para Aboubacar Dicko, co-autor da pesquisa, a Conferência “não desmentiu” a existência de contas offshores.
A entrevista é de Aliou Hasseye, publicada por Mali Actu, 03-06-2017. A tradução é de André Langer.
O que motivou esta pesquisa?
Meu colega David trabalha há muito tempo com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. O mesmo consórcio que descobriu os Panama Papers ou ainda o Swissleaks. O nome e as contas dos dignitários da Igreja católica malesa aparecem nesses documentos Swissleaks. É muito surpreendente da parte dos religiosos. O David trabalhou neles durante um longo tempo antes de me associar à pesquisa.
Nós nos perguntamos sobre as motivações desses líderes do episcopado malês para esconder o dinheiro em paraísos fiscais. Nós começamos pelos fatos para nos aproximar, em seguida, das pessoas envolvidas. Nós perguntamos ao nosso entorno, incluindo líderes da Igreja católica, que não ficaram surpresos em nos ouvir e que inclusive testemunharam, mas que nos pediram para não divulgar seus nomes.
A Conferência Episcopal reagiu ao artigo de vocês por meio de um comunicado. Que leitura vocês fazem?
A reação da Conferência é lacônica, do meu ponto de vista. Ela não desmente as nossas informações, não dá maiores explicações aos maleses sobre a existência dessas contas, sobre o montante que elas contêm. Em vez disso, eles tentam nos explicar como funciona a Igreja, que ela tem um manual de procedimento. Um manual que nós tentamos consultar com o atual encarregado das Finanças, o abade Noël Somboro, mas que ele nos enviou do seu escritório apenas no momento da pesquisa.
Os maleses estão diversa, mas amplamente interessados nas suas revelações. Vocês esperavam essa amplitude?
Nós sabíamos que o caso provocaria muitas reações. Não se trata de políticos ou de pessoas “comuns”; trata-se de responsáveis religiosos. Nós sabíamos o quanto a opinião pública malesa é sensível a tudo o que toca a religião. Uma opinião que tem a tendência de qualificar esses religiosos, quer sejam muçulmanos ou cristãos, como intocáveis na sociedade. Em relação aos quais nem mesmo se questionam mais fortemente para revelar sua implicação em fatos tão graves. Portanto, sim, esperávamos semelhante tempestade.
A pesquisa de vocês é publicada uma semana depois da nomeação do arcebispo para cardeal no Vaticano, a primeira vez que isso acontece na história do Mali. O que você responde aos partidários da tese da conspiração que acreditam haver um complô contra os interesses do país?
Todos nós estamos orgulhosos com o fato de que o Mali tenha um cardeal. Contudo, nós não somos apátridas que entrariam em conspirações contra quem quer que seja. O que é preciso saber é que esta pesquisa começou bem antes de dom Zerbo ser nomeado cardeal.
Eu posso dizer com toda a certeza que nem mesmo ele sabia que seria criado cardeal, porque, no contexto da nossa pesquisa, quando fomos vê-lo na sede da arquidiocese, nós lhe perguntamos se o Mali tinha uma chance de ter tamanha honra junto ao Vaticano. Ele nos disse claramente que isso não era possível, dado o fato de que a comunidade católica era muito pequena no Mali.
Portanto, não, nós começamos bem antes. Mas aqueles que falam de conspiração, a partir de que momento era oportuno publicar esta pesquisa? No dia 28 de junho, quando será criado cardeal? Depois do dia 28? Pouco importa, as pessoas sempre dirão que há um propósito conspiracionista. As pessoas, talvez, gostariam que nós guardássemos essas informações sem jamais publicá-las? Se nós não o tivéssemos feito, então sim seríamos culpados, porque nós não teríamos feito o que todo jornalista normalmente deve fazer.
Entre os defensores desta tese [da conspiração] encontram-se muitos dos seus colegas nacionais. Qual é o seu sentimento em relação a essas críticas que provêm dos seus próprios pares?
Eu reconheço que estou muito surpreso. Pessoalmente, me fez muito mal que, pessoas com as quais normalmente ria sobre tudo e nada, acreditam que eu esteja envolvido em uma conspiração. Eu vi reações surpreendentes (da parte de jornalistas) dizendo que nós procuramos cultivar o ódio contra os cristãos. É incrível! Ou que nós estamos em missão guiados pelo Ocidente que, segundo eles, criou a rebelião que colocou o problema fula no centro. E que agora quer criar um problema entre muçulmanos e cristãos. Isso significa que deslocamos completamente o problema.
Nós falamos de corrupção, de bilhões escondidos em bancos suíços. Nós fazemos perguntas sobre o desvio de recursos financeiros. Os jornalistas deveriam se aproveitar desta ocasião, para aprofundar, questionar, etc. Em vez de colocar a foto de Zerbo em seus perfis do Facebook ou do Twitter.
Finalmente, os acalorados debates em torno da oportunidade desta pesquisa ocultaram seu principal objetivo?
Eu penso que não. Todos dizem o que querem, mas ninguém prova o contrário dos resultados da nossa investigação. Para mim, são debates muito subjetivos em que se coloca o coração acima da razão, mas isso não muda em nada o fato de que três líderes religiosos maleses esconderam bilhões em paraísos fiscais. É disso que se trata e nada mais.
Você sofre pressões neste momento?
Pessoalmente, não. Pelo menos não diretamente. O David me disse que recebeu telefonemas que vão nessa direção. Isso é compreensível, uma vez que ele é católico. Mas se ele recebeu ameaças, todos nós devemos ser prudentes.
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A Conferência Episcopal do Mali “não desmentiu as nossas informações”. Entrevista com Aboubacar Dicko - Instituto Humanitas Unisinos - IHU