12 Mai 2017
Dois doutores em Ciência Política analisam os primeiros 12 meses de Michel Temer (PMDB) na presidência da República em quatro perguntas. Leia a seguir as respostas de Humberto Dantas, coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e Guilherme Simões Reis, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
A entrevista é de Afonso Benites, publicada por El País, 11-05-2017.
Eis a entrevista.
Qual a sua avaliação sobre o primeiro ano de Governo de Michel Temer?
Humberto Dantas. (Foto: Acervo pessoal)
Humberto Dantas. Um Governo que assume o país em meio a uma tempestade perfeita. Problemas econômicos, políticos, jurídicos e de legitimidade perante parcelas da sociedade. Para completar, um governo que dialoga com setores mais tradicionais da sociedade, com semblante mais conservador. Assim, se distancia de movimentos mais jovens e progressistas. Isso poderia ser visto como característica, e não como defeito, se ele não parecesse tão distante do centro. É um Governo que se comunica mal e manda sinais ruins para a sociedade em matéria de alguns valores. Assim, entendo que seja um Governo difícil, que colhe o preço de ter contribuído para a saída de uma presidente de um partido grande, pesado, que tem apoio de parcelas aguerridas da sociedade, a despeito dos pontos do qual é acusado.
Guilherme Simões Reis. Ele está realizando algo que apenas um governo ilegítimo, que ascendeu por meio de golpe de Estado e que não tem comprometimento com o voto popular, poderia. A Constituição cidadã de 1988 foi atropelada no impeachment sem crime de responsabilidade e seus preceitos vêm sendo desmantelados aceleradamente por meio do corte de direitos. A reforma trabalhista, a reforma previdenciária, as políticas para a população indígena e a entrega do pré-sal são medidas contrárias ao sentido geral da candidatura da qual foi vice, ou que agravam seus erros, e mais próximas do projeto que foi derrotado nas urnas, do PSDB.
A taxa de aprovação de Temer é inferior à de Dilma Rousseff na véspera do impeachment. Um dos vários argumentos pelo impeachment dela foi a impopularidade. Por que ele se sustenta no cargo?
Dantas. Dilma tinha isso como um dos elementos de seu governo. Mas também tinha sérios problemas com a articulação política. A passagem de Dilma Rousseff pela presidência é o mais emblemático caso de inabilidade política da história recente do Brasil. Ela desacreditou durante diversas ocasiões o papel do Parlamento, distanciou-se, tentou dialogar diretamente com a sociedade e não tinha o carisma de Lula - que por vezes também parecia distante. Assim, mais do que a popularidade, Dilma teve ausência absoluta de ação política articulada, sobretudo com o Parlamento. E isso no Brasil, por mais que possa ser feito de forma questionável e assombrosa, é essencial para a sobrevivência. O impeachment é um processo político! Dilma pagou o preço da não política.
Reis. Assim como a queda de Dilma não foi motivada por sua baixa popularidade, a impopularidade do Temer não assegura sua saída. É uma questão de cúpula, não de vontade popular. Ele se sustenta no cargo porque temos a legislatura mais reacionária das últimas décadas, que foi o ator mais direto na realização do golpe de Estado, e um Judiciário não preocupado realmente com legitimidade democrática ou combate à corrupção em geral. As políticas profundamente antipopulares estão de acordo não apenas com as preferências políticas de Temer como da maioria no Congresso, e ao que tudo indica também do Supremo Tribunal Federal. Os parlamentares, diferentemente de Michel Temer, têm a preocupação de se elegerem, mas na maioria dos casos será fácil atribuir a culpa a quem ocupava a Presidência, ou mesmo à antecessora derrubada. Quando a reação popular fica mais forte, como é o caso da reforma da Previdência, em que a população percebe mais claramente quais seriam seus efeitos, a tendência é a de aumentarem as defecções, pois os parlamentares não querem estar marcados como inimigos dos direitos de seus próprios eleitores. Mas na maior parte desta agenda regressiva a maioria parlamentar não vai se opor e é conveniente para ela que haja uma figura como Temer para concentrar a culpa.
De que maneira o fato de ter oito ministros investigados na Lava Jato, além de dezenas de aliados no Legislativo, interfere em seu Governo?
Dantas. Oferece munição para todo tipo de críticas vindas de parcelas da sociedade. E num cenário de baixa legitimidade, é o que coloca o país diante de uma profunda instabilidade política. Isso é muito ruim para o país, mas acho que Temer vive um instante de tamanho distanciamento com a sociedade que demitir esses ministros não traria sintoma expressivo de alívio. Isso porque as investigações em curso não atingirão apenas seu Governo, mas também seu partido e seus aliados. A situação, nesse sentido é muito delicada. Claro que por questões mais amplas o ideal era retirar tais ministros, mas entendo que o presidente vai aguardar passos mais avançados da Justiça.
Guilherme Simões Reis. (Foto: Acervo Pessoal)
Reis. Contribui para o desgaste de sua imagem pública, sem dúvida. Boa parte da narrativa pró-golpe, mesmo que destituída de bases sólidas e evidências concretas, foi construída em torno do combate à corrupção. O fato de inúmeras denúncias e suspeitas recaírem sobre o alto escalão do Executivo, incluindo seu chefe, leva mesmo os setores reacionários da população, que nutriam relação de ódio pelo governo anterior e apoiaram o golpe, a também repudiarem este Governo. Entretanto, como não se trata de Governo preocupado com as urnas, como ocorre nas democracias, essa impopularidade não tem efeito significativo sobre suas ações. No máximo há maior risco de não se aprovarem as medidas com maior rejeição, como o ataque às aposentadorias. Para que a impopularidade realmente fizesse despencar a taxa de sucesso do Governo, e mesmo para que houvesse a deposição de Temer, seria preciso que tal impopularidade se convertesse em calamidade social nas ruas, com reação muito mais ativa por parte de um contingente bem mais significativo da população. A reação à reforma da Previdência incrementou isso, mas ainda em nível insuficiente.
Por qual razão a gestão Temer tem pressa em aprovar no Congresso Nacional as reformas da Previdência e trabalhista?
Dantas. Existe um sentimento da equipe econômica de que o destravamento dessa pauta coloca o país nos trilhos novamente. Seria o mais emblemático sinal de que o país promoveu reformas que atraem investimentos. O desafio é ter a certeza disso. Será mesmo que isso tudo coloca a roda para girar novamente? O segundo ponto é: a PEC do Teto era o pino de uma granada. O Governo o puxou, ou seja, aprovou. Mas ficou com a granada nas mãos. Lançá-la tem relação direta com a aprovação de tais medidas, sobretudo a reforma da Previdência.
Reis. O mandato dele, a princípio – hoje em dia no Brasil tudo é a princípio e as regras são todas flexíveis –, vai apenas até 2018. É um período para se passar toda uma agenda que jamais teria o crivo das urnas. O período é, na verdade, mais curto do que isso, pois os parlamentares tenderão cada vez menos a apoiar tal agenda conforme se aproxima o período eleitoral. Ao mesmo tempo, a correlação de forças no Congresso nunca foi tão favorável a reformas com esse perfil como é hoje, nem mesmo durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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Um ano de Temer, guinada conservadora que se apoia no alinhamento do Congresso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU