30 Abril 2017
As principais capitais do Brasil amanheceram na sexta-feira 28 com as ruas esvaziadas, o comércio às moscas, boa parte dos ônibus nas garagens, diversas estações de trem e metrô a portas fechadas. Os pontos de congestionamento se concentraram em torno dos bloqueios de grandes avenidas e rodovias. Parcela significativa da população optou por permanecer em casa após a convocação das centrais sindicais para greve geral. O movimento nas vias públicas só aumentou à tarde, quando começaram os atos contra as reformas trabalhista e da Previdência, também convocados pelos movimentos sociais que integram as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
A reportagem é de Ingrid Matuoka e Rodrigo Martins e publicada por CartaCapital, 29-04-2017.
As pesquisas de opinião já captavam uma forte rejeição popular às reformas propostas pelo governo de Michel Temer. Agora, a insatisfação refluiu para as ruas. De acordo com estimativas das centrais sindicais, cerca de 40 milhões de brasileiros cruzaram os braços e não saíram de casa pela manhã, o que explica o clima de feriado que contagiou diversas capitais. Além dos trabalhadores do transporte e da educação, ausência mais sentida pela população na sexta 28, houve forte adesão de bancários, petroleiros e metalúrgicos. No período da tarde, dezenas de milhares participaram dos protestos realizados em mais de uma centena de municípios, sobretudo nos maiores centros urbanos.
Em Belo Horizonte, uma passeata reuniu 50 mil manifestantes, segundo os organizadores. Na capital gaúcha, o dia começou com bloqueios em garagens de ônibus e terminou com volumosas marchas pelo centro. Em Curitiba, uma multidão se dirigiu à porta de Federação das Indústrias do Paraná para fazer a devolução simbólica de patos de borracha, símbolo do apoio dos empresários ao impeachment de Dilma Rousseff.
Em São Paulo, 70 mil manifestantes marcharam do Largo da Batata, na zona oeste da cidade, até a residência do presidente da República, localizada em Alto de Pinheiros. Ao avançar sobre o bloqueio montado pela Polícia Militar, os participantes foram repelidos com bombas de efeito moral e balas de borracha. No Rio de Janeiro, os 40 mil cidadãos reunidos na Cinelândia viveram momentos de terror, após policiais iniciarem uma violenta dispersão do ato, que até então transcorria de forma pacífica, com incidentes isolados. Também houve confrontos em frente à Assembleia Legislativa. Nas imediações do Passeio Público, adeptos da tática Black Bloc atearam fogo em ao menos nove ônibus.
A despeito do alcance da mobilização, o governo Temer fez o que pôde para minimizar o próprio desgaste. Primeiro, escalou o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, para vender a ideia de um “fracasso” da greve geral, antes de começarem os grandes atos, programados para o período vespertino. “Estamos iniciando o dia, mas aparentemente é uma greve que inexiste, uma greve dos sindicatos e centrais sindicais perturbados com a decisão do Congresso”, afirmou à Rádio CBN. A avaliação apressada foi reproduzida acriticamente pelos principais veículos de mídia, mas não resistiu ao desenrolar dos acontecimentos.
No fim da tarde, o presidente enfim se pronunciou por meio de nota. Alçado ao poder com a destituição de Dilma, Temer fez questão de enfatizar que as manifestações “ocorreram livremente em todo País”, não sem criticar os grupos que bloquearam avenidas e rodovias "para impedir o direito de ir e vir do cidadão" e destacar os “fatos isolados de violência”, sem uma única e escassa linha sobre a violenta e desproporcional repressão policial vista no Rio de Janeiro (os confrontos em São Paulo ocorreram após a divulgação da nota).
Por fim, ignorou solenemente os apelos das ruas. “O trabalho em prol da modernização da legislação nacional continuará, com debate amplo e franco, realizado na arena adequada para essa discussão, que é o Congresso Nacional”. A despeito dos fartos recursos destinados às campanhas publicitárias em prol das reformas, o peemedebista sabe que o seu projeto político jamais passaria pelo crivo popular.
Uma pesquisa do instituto Vox Populi, encomendada pela Central Única dos Trabalhadores e divulgada há duas semanas, mostra que a rejeição às propostas do governo beira a unanimidade. O aumento da idade mínima da aposentadoria e do tempo de contribuição (mínimo de 25 anos), base da reforma da Previdência, é rejeitado por 93% da população. Oito em cada dez brasileiros também se manifestaram contra lei que autoriza a terceirização da mão-de-obra para toda e qualquer atividade de uma empresa, proposta já aprovada pela Câmara e sancionada por Temer.
Os pesquisadores consultaram, entre 6 e 10 de abril, 2 mil brasileiros com mais de 16 anos, de todos os estados e do Distrito Federal, residentes em 118 municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Não por acaso, o presidente da CUT, Vagner Freitas, tem repetido que é o próprio presidente que mobiliza as greves. “Cada vez que ele se manifesta pelas reformas que retiram direitos dos trabalhadores, mais pessoas saem às ruas”, afirmou, em recente entrevista a CartaCapital. “Essa é uma pauta que mobiliza toda a sociedade civil, e temos fortes manifestações de oposição da CNBB, da OAB”, enumera.
Por conveniência, o peemedebista faz pouco caso da greve. A prudência recomenda outra atitude. O mesmo levantamento citado anteriormente revela que apenas 5% da população considera o desempenho de Temer bom ou ótimo. Segundo a pesquisa Barômetro Político, realizada pela consultoria Ipsos, a avaliação positiva é ainda menor, de 4%, e 92% dos brasileiros acreditam que o País está no rumo errado.
Não é tudo. A sondagem do Vox Populi também revela que 78% da população deseja a cassação de Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, no processo que investiga ilegalidades nas contas da chapa Dilma-Temer. E 90% gostaria de poder substituí-lo em eleições diretas, e não pelo Parlamento, como prevê a norma constitucional. Essa é a razão da proliferação de faixas por “Diretas Já” vista nos atos contra as reformas.
O cenário é especialmente delicado porque não há sinais claros de retomada da atividade econômica, a despeito dos malabarismos retóricos da equipe de Temer. O desemprego não para de crescer, e fechou o primeiro trimestre de 2017 em 13,7%, o maior da série histórica iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Na prática, esse dado do IBGE, divulgado no mesmo dia da greve geral, representa um contingente de 14,2 milhões de desocupados no Brasil. É o caso do hoje ambulante André Santana, de 37 anos, que abriu espaço em meio a rodas de capoeira e intervenções artísticas do protesto no Largo da Batata, em São Paulo, para apoiar seu isopor e vender salgadinhos aos manifestantes. “Vim dar apoio ao pessoal e aproveitar para ganhar um dinheirinho, porque estou desempregado. Se antes já estava ruim, agora está muito pior”, diz Santana, que até pouco tempo era garçom.
Nem a garoa paulistana nem a baixa temperatura, que chegou a 14ºC, desanimou os manifestantes, entre eles crianças e idosos. A farmacêutica Luciane Kopittke, de 48 anos, compareceu ao ato com a família. “Estou aqui por eles”, diz, ao apontar o indicador para seus filhos, de 11 e 18 anos. “Todo mundo perde com essas reformas, mas eles são o futuro. É por eles que temos que lutar para preservar direitos”.
A professora Renata Mendes, de 39 anos, acredita que a greve é única forma de pressionar o governo e demonstrar a indignação da sociedade às reformas de Temer. “É a voz do povo vindo para a rua mostrar que somos maioria e que a nossa vontade importa”. O publicitário Chico Malfitani, de 66 anos, faz avaliação semelhante. “Mais do que o combate à corrupção, o que a gente quer é decidir sobre o nosso próprio destino”.
Ao desmerecer a greve, Temer buscava sinalizar para o Congresso que não há motivo para preocupar-se com a pressão popular. Resta saber se o discurso vai colar. “Se insistir nessa agenda, Temer só aumentará a sua impopularidade. Os deputados e senadores que quiserem morrer abraçados com ele vão votar com o governo”, diz Freitas, da CUT.
Para o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, a grande adesão da greve geral dará segurança para os deputados dissidentes da base aliada se posicionarem contra a reforma da Previdência nas próximas semanas.
“Nós temos conseguido reunir até 180 votos: 100 da oposição e o restante dos dissidentes do governo, nem sempre os mesmos. Estamos com nível de traições bastante elevado. E vamos fazer ele crescer mais”, aposta Zarattini. “Acreditamos que uns 30 ou 40 deputados se juntem a nós contra a reforma da Previdência. E essa manifestação dá segurança aos deputados dissidentes para se opor a essas mentiras do governo”.
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O indigesto e ruidoso recado das ruas para Temer e o Congresso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU