20 Abril 2017
"Tudo precisa ser reinventado fora daqui, além da pedra. Há coisas para acreditar, olhar, correr, recordar, anunciar, espalhar as 'boas notícias' para o amanhã", escreve a a teóloga e biblista italiana Rosanna Virgili, professora do Instituto Teológico Marchigiano, vinculado à Pontifícia Universidade Lateranense, em artigo publicado por Avvenire, 18-04-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
"É a cotovia, o arauto da aurora", fala Romeu, preocupado, a uma Julieta ainda docemente adormecida. Uma manhã que virá para interromper a noite do seu suspenso amor. Talvez também as diaconisas de Jesus não estivessem prontas para o canto da cotovia. Talvez quisessem manter a calidez daquele Sábado infinito, conjugar o circuito da vida com o sagrado torpor da morte, oficiada por suas próprias mãos, nas caricias rituais dos perfumes. Em seus gestos devotos, as miróforas teriam celebrado o silêncio de uma rendição obediente, repleta de dignidade, mas dócil contra a violência que aquela morte havia realizado, sem protestos, sem queixas. Enquanto os Doze já tinham todos partido, as mulheres, somente elas, permaneceram com o Mestre. Ele, que havia chamado os apóstolos "para ficar com ele", encontrou-se no final com um ‘corpo’ solidário de irmãs. Apenas elas não tiveram medo de segui-lo nos subúrbios do ódio, da lei corrompida, das mentiras, da crueldade, da vergonha e da maldição em que havia sido jogado. Sem dizer uma palavra, galgaram o monte da Cruz junto com ele. As pérolas de suas lágrimas marcaram o caminho de barro, misturando-se com as gotas de sangue que caiam da testa coroada do Messias.
Na piedade para com o cadáver, elas mostraram um sinal de simples humanidade e, ao mesmo tempo, de uma sublime tradição. Agora, a história tinha acabado. O papa Francisco também disse isso: elas dirigiram-se ao sepulcro com a tristeza de "quem vai ao cemitério", como haviam feito desde o início dos tempos, todas as suas antepassadas. Nenhum som de novo, mas apenas o vazio da dor e da remissão no triste desfecho daquele Sábado.
Elas não imaginavam certamente que a cotovia teria cantado. Sacudido seu ritual com um canto de despertar, com uma agitação fora do roteiro.
Um canto que chamava à urgência, à busca, à desobediência. Um desabrochar de flores, sobre a rocha do óbvio. A vida inesperada é um milagre desconfortável, quase uma incomodação, uma beleza urgente demais. Um sinal de contradição que exige mais coragem do que a necessária para lançar uma bomba a partir de uma mesa. Não, não há nenhum cadáver para untar! Não há mais tempo para concluir o curso das coisas. Não há mais espaço para os ritos. A vida grita e é preciso abandonar o sepulcro.
Tudo precisa ser reinventado fora daqui, além da pedra. Há coisas para acreditar, olhar, correr, recordar, anunciar, espalhar as 'boas notícias' para o amanhã.
Assim foi naquela manhã de Páscoa e na segunda-feira que a Igreja ainda está comemorando. A viagem ordinária das mulheres teve de mudar sua programação. Eles tinham vindo para ficar 'aqui' e tiveram que seguir para ‘além’. Estavam em Jerusalém, mas foram enviadas para a Galileia. A Vida é Evento e quando se põe em movimento atropela, perturba, subverte, inverte. Ninguém pode pará-la. O acontecimento da esperança é a única verdadeira revolução. Enquanto a morte é previsível, a Vida é fantasia, gênio, extravaso. Voz do Anjo 'navegador' do Sonho. De um primeiro Amor que as mulheres não permitiram que fosse roubado.
Na segunda-feira da Oitava de Páscoa, encontrei uma freira em Aleppo. "Por que você está aí?", perguntei a ela.
"Eu vim para a Sexta-Feira Santa, para estar com o Deus crucificado. Eu chorei em Seus membros dilacerados os membros de 68 crianças que foram despedaçadas por bombas na Síria. Porque na minha voz o seu silêncio se transformasse em profecia, denúncia, pulsar de ressurreição". Lembrei-me de um verso da sabedoria judaica: "O Senhor criou as mães, pois Ele não podia estar em todas as partes". Mães, portanto, para chorar e socorrer, mas também para acolher e abrigar no colo a oficina da vida. Prontas para abandonar o ministério da dor para se consagrar ao da Alegria.
Mulheres diferentes e realmente fortes, mulheres matrizes da fé cristã, midiaticamente ocultas, talvez as verdadeiras ‘governadoras’ do mundo. Mulheres que estão lá onde a vida acontece. Mulheres diferentes de uma Marine Le Pen, que acusa o Papa de "intrometer-se em coisas que não lhe dizem respeito" quando fala dos pobres imigrantes na Europa. Ela não sabe o que diz. E não conhece o canto da cotovia que convida a ser rápido, porque a aurora, esta sim, não pode nem esperar, nem atrasar.
Aquela mesma aurora que até mesmo Shakespeare gostaria de ter tido como início de um dia diferente.
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O canto da cotovia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU