13 Janeiro 2017
Cinco intelectuais falam sobre os rumos e legados do Governo do PMDB.
A reportagem é de André de Oliveira, publicada por El País, 12-01-2017.
Carlos Melo: “Até agora, uma marca desse Governo é a procrastinação de medidas e a tentativa permanente de contemporização com o Congresso”
Pedro Malan disse certa vez que “no Brasil até o passado é imprevisível”. No clima em que o Brasil vive desde as eleições de 2014, fica ainda mais difícil qualquer previsão em relação ao futuro. Com os olhos de hoje, vejo pouca possibilidade de o presidente Temer sofrer um processo de impeachment: nenhum dos possíveis presidentes da Câmara teria interesse em levar adiante um pedido contra Temer, do mesmo modo, não parece razoável dizer que o Governo não conseguiria 172 votos na Câmara ou 26 no Senado para se sustentar. Desse modo, se há algum risco, é no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Só que nesse momento também faltam elementos para especulação. No mais, o aprofundamento da crise política e econômica poderia levar à renúncia? Pouco provável, mas não descartável. O que acontece no Brasil agora não é uma crise institucional, o que temos é a revelação da fragilidade de importantes atores incapazes de conduzir processos políticos com clareza, qualidade de diálogo e negociação. São vários os nomes desse contexto: Renan Calheiros, Marco Aurélio Mello, Geddel Vieira Lima – para citar apenas um exemplo isolado, mas não único, de cada poder. Dessa forma, a crise me parece mais de atores do que de instituições.
Ainda é cedo para dizer, pois, se terminar o mandato, ainda terá dois anos de administração pela frente. O que tem sido uma marca até agora é a procrastinação de medidas e tentativa permanente e insistente de contemporização com o Congresso nacional e com grupos de pressão e corporações de forma geral. Em virtude de sua discutível legitimidade, aos olhos de amplos setores da sociedade, o Governo parece temer enfrentamentos, quedas de braço com grupos de pressão, assim como possíveis indisposições com aliados, na maioria das vezes fisiológicos. O que seria necessário, era dizer um basta e comunicar a dramaticidade da situação do país, expondo interesses menores de setores da base. Mas o Governo hesita em bater na mesa. Não é do estilo do presidente. Assim como também não é de seu estilo a comunicação direta com a população ou o apelo ao apoio popular. Temer se detém ao estilo blasé, com pronunciamentos mornos, incapazes de colocar as questões em termos mais profundos e reais.
Carlos Melo é cientista político e professor da faculdade Insper
Pablo Ortellado: “Governo será lembrado por ter conseguido, no meio de tamanha instabilidade, fazer avançar uma ambiciosa agenda de reformas liberais”
As variáveis são tantas e há tantos fatores desconhecidos que é insensato fazer uma previsão. O que dá para dizer com alguma certeza é que o Governo enfrentará instabilidade. O processo de impeachment, que sempre é um trauma institucional, aconteceu quase sem sobressaltos em decorrência de uma mobilização conjunta das instituições (Legislativo, Judiciário e imprensa) que foram amparadas por uma significativa maioria da opinião pública. Agora, o que temos é um Governo com uma popularidade tão baixa quanto a da presidenta Dilma, degastado por acusações de corrupção e cercado por um legislativo também implicado na Lava Jato e, pior, em conflito com o Judiciário e o Ministério Público. Sempre que há uma crise institucional, a parte não afetada pode ser utilizada como ponto de apoio para recompor o sistema. O problema agora, contudo, é que como a crise atinge Executivo e Legislativo de uma só vez, é difícil pensar numa solução viável que não seja extra-sistêmica. Por isso, esse é o momento de ouro para aventureiros, que venham de fora do sistema político ou se apresentem como vindo de fora do sistema político – gente como um militar, uma celebridade de TV ou um juiz com reputação de honesto.
Sem dúvidas, será lembrado por ter conseguido, no meio de tamanha instabilidade, fazer avançar uma ambiciosa agenda de reformas liberais. Essa é, aliás, a característica mais marcante e intrigante do Governo Temer. Como isso foi possível? Desde a redemocratização, os diferentes Governos têm se baseado em coalizões amplas que permitem o controle da agenda do Congresso. Apesar disso, historicamente os parlamentares não aprovam as medidas do Executivo com rapidez, tendo sempre apresentado deserções na base de apoio e imposto modificações – algumas delas substanciais – aos projetos votados. O que vimos na tramitação e aprovação da PEC do Teto, por exemplo, é algo totalmente diferente: uma medida ousada, controversa e impopular, baseada em uma reforma constitucional que exige quatro votações com maioria qualificada, ser aprovada rapidamente, com uma votação folgada e sem uma única emenda. O que há por trás desse grande compromisso de forças políticas forjadas para sustentar a agenda liberal do Governo Temer? Qual a natureza desse acordo e quem participou dele? O que permitiu agora esse grau de coesão de um Congresso que sempre foi fisiológico, sem substância ideológica e totalmente fragmentado? São perguntas que devem ser feitas.
Pablo Ortellado é filósofo e professor de gestão de políticas públicas na Universidade São Paulo (USP)
Tatiana Roque: “Temer cairia se a indignação conseguisse atravessar os campos ideológicos que estão hoje polarizados”
Temer se sustenta enquanto for útil para aprovar as reformas. Aprovou com facilidade a PEC do Teto e a próxima prova será a reforma da Previdência. Mas o pacto que garante sua permanência no poder é frágil, pois depende da aliança oportunista entre peemedebismo e neoliberais. Além disso, há fatores com potencial de desestabilizar o Governo que permanecem indefinidos, como as denúncias de corrupção e a continuidade da crise econômica. Temer cairia se a indignação conseguisse atravessar os campos ideológicos que estão hoje polarizados: juntando quem está insatisfeito com a corrupção com quem é contra o desmonte dos direitos sociais (agravado pelo ataque às aposentadorias). Fora isso, só cairá se aparecer alguma denúncia bombástica.
Esse Governo está aí para aprovar as reformas que desmontam nosso tímido estado de bem-estar social. O neoliberalismo está vivendo uma nova fase, mais autoritária, que avança a passos largos para reverter os direitos sociais. Trata-se de um novo ciclo global que atinge diferentes países com ritmos e intensidades distintas. No Brasil, a garantia de educação e saúde pública está seriamente ameaçada com a revogação da vinculação constitucional desses gastos à receita [aprovação da PEC do Teto]. A principal marca deste Governo será, sem dúvidas, a dissolução dos princípios da Constituição de 1988, que foi um marco na construção de nossa democracia. Parece irônico, mas Temer é o anti-Ulysses Guimarães.
Tatiana Roque é filósofa e professora de matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Fátima P. Jordão: "O frágil equilíbrio institucional poderá, de fato, não suportar o status quo até 2018"
Se olharmos como a crise institucional está se refletindo na opinião pública veremos um quadro desastroso: política e políticos desqualificados pela população; desempenho de Governos mal avaliados, tanto no conjunto, como nas áreas mais estratégicas (saúde, educação e emprego); expectativas muito pessimistas para o futuro; Estados falidos; desdobramentos dos fatos sobre corrupção cada dia mais abrangentes; e, por fim, crise de segurança. Embora as eleições municipais tenham trazido algum alívio e esperança de novas formas de governar e de novos arranjos para provisão de serviços públicos nas cidades – caso inédito, pois poucas vezes o ambiente de opinião pública dependeu tanto de resultados de gestões municipais –, os resultados que tivemos mostram que a expectativa tem toda chance de não ser atingida. Portanto, o frágil equilíbrio institucional poderá, de fato, não suportar o status quo até 2018, a não ser através de um pacto a ser construído pelos grandes partidos e pelos poderes constituídos, com toda a transparência e clareza para permitir que a sociedade entenda o processo. Fora disso, só eleições antecipadas.
Ficará a imagem de um governo equilibrista que subestimou as forças e as reais demandas da sociedade, assim como foi míope em relação à gravidade do quadro institucional brasileiro. Um Governo que empurrou o país com a barriga.
Fátima Pacheco de Jordão é socióloga e especialista em pesquisas de opinião.
Matthew M. Taylor: “Sem uma mudança mais profunda do Judiciário, temo que os avanços do Ministério Público ao longo dos últimos anos possam se esvaziar”
Sim, mas mais por falta de opção do que por convicção política. A esquerda está exausta, o centro não tem alternativas e à direita falta representatividade. A dúvida, claro, permanece na atuação do TSE e do Judiciário a partir de agora. De todo modo, esse é um momento de baixa credibilidade institucional, mas isso parece ter mais a ver com membros das instituições do que com elas próprias. São poucos os países cujas instituições teriam resistido a uma enorme recessão, impeachment, prisão do presidente da Câmara e tentativa de remover o presidente do Senado – tudo em um único ano! – com tamanha resiliência. Agora, sem dúvidas, os momentos de crise tendem a colocar um estresse muito grande nas instituições, demonstrando mais claramente onde ficam os elos fracos. Acredito que muito se fala de reformas políticas, no processo de formação de coalizões e no do sistema eleitoral, mas pouco é dito de uma reforma do Judiciário. Com a Justiça mais célere e que providenciasse um tratamento mais igualitário aos políticos, será que o Brasil teria passado por todas as angústias de 2016? Um bom exemplo disso é o processo do Supremo Tribunal Federal contra Renan, que remonta a fatos de mais de uma década atrás. Sem uma mudança mais profunda do Judiciário, temo que os avanços do Ministério Público ao longo dos últimos anos possam se esvaziar.
Certamente será a marca do legado do impeachment e da Operação Lava Jato, ambos com altíssimos custos em termos de legitimidade da classe política. E também não há como escapar ao fato do neoliberalismo econômico ter florescido mais uma vez em um ambiente de baixa legitimidade, o que é ruim, pois a impressão que fica é que as necessárias reformas econômicas só acontecem quando o Brasil mergulha em crise. O maior problema dessa impressão é que a população pode passar a associar reforma econômica à momentos de profunda crise e baixa legitimidade – sem perceber que as alterações econômicas necessárias são, muitas vezes, inescapáveis.
Matthew M. Taylor é brasilianista e professor na School of Internacional Service, em Washington, nos Estados Unidos.
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Cinco visões sobre o futuro do Governo Temer e a crise política brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU