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06 Dezembro 2016

"O que decepciona na análise de Bernanke é que, depois de ter torturado os números e visto que o sistema não funciona, simplesmente sugere ajustar as estimativas e torná-las coerentes com as leis conhecidas. Não explora a possibilidade de que é o modelo que não funciona", escreve Delfim Netto, economista e ex-Ministro da Fazenda, em artigo publicado por CartaCapital, 05-12-2016.

Eis o artigo.

Foi surpreendente a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos no quadriênio de 2017 a 2020. O seu programa, do ponto de vista econômico, remete ao pernicioso voluntarismo vulgar que tem desgraçado países da América Latina. Do ponto de vista social, é de uma brutalidade só imaginada em ditaduras da “direita” ou da “esquerda”.

Ninguém sabe, muito menos o próprio Trump, qual a dimensão das consequências, não intencionais, da simples ameaça de sua execução sobre as economias dos EUA e do resto do mundo. O que se sabe é que aumentaram, e muito, as incertezas que já vinham inibindo os investimentos e reduzindo o nível de comércio internacional, as duas fontes do desenvolvimento econômico que até agora a política monetária dos bancos centrais tem se mostrado incapaz de estimular.

Em 27 de julho, a arguta analista financeira Ylan Q. Mui publicou no Washington Post um artigo muito interessante com o título “Por que o Federal Reserve está repensando tudo”. Tão interessante que mereceu do grande economista e professor Ben Bernanke, chairman do Fed de 2006 a 2014, um longo complemento em seu blog no Brookings, “A perspectiva em mutação do Fed sobre a economia e suas implicações para a política monetária”, publicado em 8 de agosto.

O que disse Ylan? Em resumo, o seguinte:

1. O Fed está sendo forçado a reavaliar suas hipóteses básicas acerca da economia, depois que trilhões de dólares de estímulos e anos de juros muito baixos não conseguiram gerar uma recuperação robusta.

2. Nos primeiros anos, ele declarou que isso se devia a um “persistente vento de proa” produzido pela recessão. Ela diminuiu os gastos do governo, fez as famílias reduzirem seus débitos aumentando a poupança e reduziu a expansão do crédito. Superado esse momento, o crescimento voltaria.

3. Sete anos depois de terminada a recessão, muitos daqueles eventos se dissiparam e a normalidade não voltou.

4. Ao contrário, em seu lugar instalou-se a preocupação de que poderíamos ter entrado num regime de baixo crescimento que a política econômica parece ter pouco poder para reverter. O artigo termina mostrando a enorme incerteza dos membros do Fed sobre o nível e a evolução dos parâmetros básicos que informam a sua política monetária.

É disso que parte o professor Bernanke. Analisemos os três parâmetros básicos usados pelos membros do comitê do Fed que determina a política monetária (Fomc): os valores estimados de longo prazo do PIB “potencial” (Ȳ), a taxa “natural” do desemprego (n̅) e a taxa de juro real “neutra” (r̅) que, quando nos níveis certos, garantiriam o pleno emprego sem pressão inflacionária ou deflacionária, isto é, uma taxa de inflação (p̅) estável e adequada.

Mergulhamos no mundo de ideias platônicas. Se existirem, o modelo diz que guardarão relações entre eles: em particular, entre Ȳ e n̅ (Lei de Okun) e entre (n̅) e (p̅) (curva de Phillips), para as quais há algum suporte empírico, sendo a primeira menos instável do que a segunda.

O artigo do professor Bernanke parte da “estimativa” dos três parâmetros manifestados pelos membros do Fomc de 2012 a 2016. Em 2012, por exemplo, elas variavam de 2,3% a 2,5% para o crescimento do PIB “potencial”; de 5,2% a 6,0% para a taxa “natural” de desemprego e a estimativa mediana da taxa de juro real “neutra” era de 4,25%.

Para 2016, as estimativas estão entre 1,8% e 2,0% para o PIB “potencial” (caiu, portanto, 0,5%). A taxa “natural” de desemprego caiu de 5,6% para 4,9% (violando a Lei de Okun). A taxa de juro “neutra” caiu de 4,25% para 3,0%, com a redução da taxa de crescimento do PIB (violando as condições que explicam a demanda efetiva). É claro que tudo isso pode ser mal explicado ad hoc.

Elas esclarecem efetivamente, por outro lado, por que o Fed tem adiado suas decisões e aumentado a angústia dos bancos centrais sobre os quais influi. E justificam a tese de Ylan Mui, que o Fed tem de repensar tudo, inclusive seus modelos e não apenas coordenar melhor as estimativas de seus parâmetros.

O que decepciona na análise de Bernanke é que, depois de ter torturado os números e visto que o sistema não funciona, simplesmente sugere ajustar as estimativas e torná-las coerentes com as leis conhecidas. Não explora a possibilidade de que é o modelo que não funciona.

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