27 Novembro 2016
Governo federal pressiona governadores a assinar Pacto pela Austeridade e limitar investimentos sociais, escreve João Sicsú, economista em artigo, publicado por CartaCapital, 27-11-2016.
Segundo ele, "se a PEC 241/55 já é péssima para a maioria da população será pior ainda se os Estados também aderirem a mesma regra de investimentos sociais. Tudo que pretendem desmontar no âmbito federal ocorrerá também nos Estados".
Na opinião do economista, "aqueles que a ela aderirem nos estados sofrerão consequências. Mas primeiramente quem sofrerá será a maioria da população".
Eis o artigo.
Está sendo proposto que governadores assinem um “Pacto pela Austeridade” na próxima terça-feira 29, em solenidade com Michel Temer. Assim, não contente em degradar os serviços públicos federais, o governo objetiva sufocar os estados e o Distrito Federal.
Notas da reunião preparatória realizada em 23 de novembro no Ministério da Fazenda revelam alguns detalhes. Diz a nota:
“Instituir o Novo Regime Fiscal (NRF), mediante PEC, para todos os Poderes e Órgãos dos estados e do DF, com sanções e limites individualizados por Poder, idênticas às previstas na PEC 55 e equivalentes às previstas pelo descumprimento da LRF, c/ limitador da despesa primária corrente para o exercício de 2017 ao montante realizado em 2016 (base fixa), acrescido da variação do IPCA para o ano de 2016, e assim sucessivamente para os demais anos, por 10 anos, a partir de jan/2017 até dez/2026, com revisão do indexador a partir do 7º ano, para os últimos 4 anos; (aprovada)”
Se a PEC 241/55 já é péssima para a maioria da população será pior ainda se os Estados também aderirem a mesma regra de investimentos sociais. Tudo que pretendem desmontar no âmbito federal ocorrerá também nos Estados.
Querem que nada legalmente caiba nos orçamentos estaduais: programas sociais, limites mínimos constitucionais de investimentos em saúde e educação, benefícios previdenciários etc. Assim, estados também poderão contribuir de forma mais segura com a formação do superávit que é transferido a banqueiros e rentistas via pagamento de juros da dívida pública.
A PEC 241/55 e sua aplicação nos estados não estão preocupadas com equilíbrio orçamentário.
A principal fonte de arrecadação dos Estados é o ICMS, que obviamente caiu demasiadamente pelos simples motivo que sem crescimento econômico mercadorias e serviços não circulam. O ICMS é tão importante que representa 20% de toda carga tributária do Brasil.
É reconhecido que problemas fiscais emergem como decorrência da falta de crescimento. Se estivessem objetivando equilibrar o orçamento deveriam tomar medidas que fariam a economia crescer.
Por exemplo, seria necessário um programa emergencial de obras que alcançasse todos os estados e milhares de municípios – um programa de recuperação do emprego.
Recursos existem no governo federal, a mera redução dos juros (Selic) da dívida pública daria uma enorme folga orçamentária para o financiamento de uma recuperação geral da economia brasileira. Outra possibilidade seria aumentar um pouco mais a dívida pública que logo em seguida seria diminuída em função do crescimento e do aumento de arrecadação.
Outra possibilidade ainda seria a instituição de impostos sobre os ricos e milionários, ainda que fossem emergenciais e provisórios, para o financiamento da recuperação econômica. Um exemplo emblemático é o imposto sobre grandes fortunas na França que se chama Imposto de Solidariedade.
O presidente Temer e sua equipe econômica não promovem a recuperação da economia porque lhes falta ousadia. Esse ingrediente não falta ao grupo que usurpou o governo federal da presidente Dilma - eleita com mais de 54 milhões de votos. É uma opção ideológica pelo desmonte do precário estado de bem-estar social que existe no Brasil e que foi esboçado na Constituição de 1988.
Aliás, a ousadia dos usurpadores é excessiva. São ousados contra os salários dos funcionários públicos. Nas mesmas “Notas da Reunião” também indicam que foi aprovado:
“Aumento permanente da contribuição previdenciária dos servidores dos estados e do DF no mínimo para 14%, mediante Lei estadual, a partir de 2017, de forma instantânea, respeitados os estados que já o implementaram de forma progressiva; (aprovada)”
Avançam sobre os salários do funcionalismo, mas não ousam tratar de impostos estaduais que são totalmente regressivos e injustos. Impostos sobre grandes heranças e doações são ridículos.
É atribuição do Senado Federal estabelecer a alíquota máximo que os estados podem cobrar com esse imposto. É de apenas 8%, aprovada em 1992. No Reino Unido, é 40%. No Japão, 55%. Na França, 60%. No Chile, é 35%. Mas em São Paulo e no Rio de Janeiro é 4%.
É também um imposto estadual, o IPVA, que é cobrado anualmente. Pagam os proprietários de automóveis, caminhões, ônibus e motos. Mas não pagam os proprietários de lanchas, iates, jet-skis, jatinhos e helicópteros. Embora a Constituição autorize os Estados a cobrarem IPVA de “veículos automotores”, o STF considera que esses veículos (jatinhos, lanchas...) não são “automotores”.
Os governadores não precisam e não devem assinar o Pacto pela Austeridade e pelo Crescimento Econômico que está previsto nas “Notas da Reunião” de 23 de novembro no Ministério da Fazenda. Aliás, Pacto que só contém medidas de austeridade (ou de austericídio) e nenhuma ação de promoção do crescimento econômico.
O ponto de tensão gira em torno da aplicação da “Lei de Repatriação” de ativos, que permite a repatriação de recursos mantidos no exterior que não foram declarados à Receita Federal e, portanto, não recolheram os impostos devidos. Impostos e multas são devidos aos estados. Recursos foram repatriados, mas o governo federal não repassou aos estados as multas, avaliadas em R$ 5,2 bilhões.
Os governadores, então, foram ao STF pedindo o repasse das multas também. Rosa Weber determinou que fosse feito depósito em juízo das multas. Em seguida, o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, propôs aos governadores que retirem as ações do STF.
Assim, receberiam os recursos devidos imediatamente, mas teriam que aderir ao Pacto de Austeridade (ou seja, implementar a PEC 241/55 nos seus Estados e outras medidas correlatas).
Governadores que não estão comprometidos com o projeto de desmonte do projeto de bem-estar social em seus estados não precisam assinar esse pacto. Essa PEC 241/55 seria derrotada se fosse submetida às urnas.
Aqueles que a ela aderirem nos estados sofrerão consequências. Mas primeiramente quem sofrerá será a maioria da população. Os governadores precisam é, dentro das suas possibilidades, estimular o crescimento econômico dos seus Estados.
Há mais um argumento para a não submissão ao Pacto da Austeridade: advogados e juristas afirmam que a vitória das ações dos governadores no STF relativas às multas da Lei de Repatriação é certa. O governo federal perderá.
Rejeitar a PEC 241/55 no âmbito federal ou nos estados é um compromisso daqueles que desejam o Brasil no rumo do desenvolvimento.
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O austericídio da PEC 241/55 chega aos estados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU