11 Novembro 2016
A cinco meses da eleição presidencial, franceses temem que populistas possam capitalizar descontentamento e fazer com que país seja a bola da vez, após a saída do Reino Unido da UE e a surpreendente vitória de Trump.
A reportagem é de Elizabeth Bryant e publicada por Deustche Welle, 10-11-2016.
Marine Le Pen, líder do partido populista de direita francês Frente Nacional, postou no Twitter uma avalanche de felicitações a Donald Trump, mesmo antes de os resultados das eleições americanas, para alfinetar seus rivais franceses.
Após o referendo do Brexit, em que o Reino Unido decidiu sair da União Europeia, e a vitória do republicano Donald Trump, muitos se perguntam se a próxima grande decepção pode atingir a França, onde a eleição presidencial está a apenas cinco meses de distância e a popularidade de Le Pen vem crescendo fortemente há meses.
Ela não é a única que pode potencialmente ganhar terreno. Políticos como Jean-Luc Mélenchon, de extrema esquerda, e o ex-presidente Nicolas Sarkozy, de centro-direita, estão tentando adaptar sua mensagem política ao resultado da campanha americana. "É interessante ver como os políticos daqui estão transformando a vitória de Donald Trump em argumentos favoráveis a si", observa o analista Bruno Cautrès, do instituto Sciences Po, de Paris.
O impopular François Hollande não teve escrúpulos para traçar paralelos entre o humor do eleitorado nos Estados Unidos e na França. "Os franceses devem saber que Trump é o que a extrema direita poderia vir a fazer amanhã na França", disse Hollande no mês passado, segundo o livro de confissões do chefe de Estado francês escrito por dois jornalistas do Le Monde e lançado mês passado Un président ne devrait pas dire ça (Um presidente não deveria dizer isso, em tradução livre).
Mas o que Hollande vê como um sinal de alerta foi abraçado como uma oportunidade pela líder da Frente Nacional. "A eleição de Trump é uma boa notícia para o nosso país", disse Le Pen em uma entrevista coletiva na quarta-feira (09/11), acrescentando ter esperança de que isso seja a sentença de morte para um acordo de livre-comércio entre os Estados Unidos e a Europa e contribua para melhorar as relações com a Rússia.
Em alguns aspectos, o cenário parece uma volta ao passado, quando o pai de Le Pen, Jean-Marie, obteve segundo lugar no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002. Os ingredientes, então e agora, são semelhantes: descontentamento dos eleitores e uma ampla rejeição ao status quo.
O velho Le Pen foi derrotado de forma retumbante no segundo turno. No que mais parecia um referendo contra o extremismo, os eleitores de direita e de esquerda votaram maciçamente em Chirac. Hoje, as declarações da filha dele são muito menos contundentes – e a retórica anti-imigração e antieuropeia da Frente Nacional repercute fortemente entre os eleitores enraivecidos.
Outros candidatos presidenciais estão lançando sua própria isca para um eleitorado descontente. Candidato do Partido Socialista, Arnaud Montebourg, ex-ministro da Economia, é um ardente defensor de uma indústria "made in France" e quer reestruturar a União Europeia, que ele compara a uma "empresa falida".
O líder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, que também quer balançar a eleição de abril, é ainda mais virulentamente anti-UE e promove manifestações contra a "globalização neoliberal". O senador de Vermont Bernie Sanders, que perdeu as primárias democratas para Hillary Clinton, "teria vencido contra Trump", disse Mélenchon, que tem sido comparado ao democrata americano.
Há também Emmanuel Macron, outro ex-ministro da Economia, que goza de seu status como um "quase forasteiro" do meio político, apesar de ter ainda de declarar sua candidatura.
O revés vindo dos Estados Unidos talvez possa ser sentido mais imediatamente pela centro-direita, que realiza primárias neste mês. Sarkozy, que está atrás nas pesquisas, aposta em uma virada no estilo Trump e alerta para os perigos de se acreditar nas pesquisas. Ele, que apoiou Hillary durante a campanha americana – apesar de sua retórica contra imigração e o islã ser cada vez mais de direita –, disse que, como o Brexit, a vitória de Trump "expressa um desejo de mudança".
Ainda assim, Cautrès diz que "será difícil" para Sarkozy vender a sua mensagem de mudança, dada sua condição de membro da classe política e às críticas às reformas fracassadas em sua gestão como presidente.
Por sua parte, o principal candidato conservador, Alain Juppé, está traçando conclusões muito diferentes sobre os resultados dos Estados Unidos, apesar de sua posição amplamente reconhecida como candidato do establishment.
Reconhecendo haver "duas Franças", de vencedores e perdedores, o ex-primeiro-ministro aperfeiçoou suas mensagens de campanha de moderação e reconciliação. "Digo 'não' para divisões e demagogia que colocam os franceses uns contra os outros", afirmou Juppé diante de seus adeptos, em uma referência não tão velada a Trump.
O cientista político Etienne Schweisguth, do Sciences Po, diz que a vitória de Trump precisa ser colocada em um contexto mais amplo. "Ela se encaixa na ampla rejeição no Ocidente à globalização e suas consequências", acredita. "Vimos isso nos Estados Unidos e estamos vendo na França com Marine Le Pen." Mas Cautrès avalia que os paralelos entre eleitores franceses e americanos só vão até aí. O também analista do Sciences Po diz que muitos eleitores franceses estão ansiosos por uma mudança e que a insatisfação com o sistema democrático é profunda. Porém, afirma, não necessariamente a insatisfação dos eleitores será traduzida numa vitória de Le Pen.
Por um lado, ele crê que a centro-direita vai se unir em torno do vencedor das primárias e rejeitar qualquer aliança com a extrema direita. "Uma vitória Le Pen parece descartada nesta eleição", concorda Schweisguth. "Para uma grande parte do eleitorado, o voto nela está fora de questão."
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Após os EUA, é a vez da França? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU