21 Outubro 2016
A proposta apresentada há três semanas, em Brasília, cria um novo conselho de administração com a participação de empresários e sugere a venda de projetos para ganho de "recursos públicos e privados".
Hoje, a fundação é financiada pelo governo federal. O Ipea está ligado ao ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e foi criado para fornecer dados e análises técnicas, para iniciativas do governo e formulação de políticas públicas, de forma independente.
A reportagem foi publicada por BBC Brasil, 20-10-2016.
Com a mudança, o Ipea poderia contratar novos pesquisadores sem concurso público - em regime temporário ou seguindo as regras da CLT. Também libera funcionários para assumirem trabalhos fora do instituto.
A proposta gera críticas, já que poderia afetar a autonomia do instituto federal e trazer conflitos de interesse entre planos de investimentos do governo e projetos de setores econômicos e grandes empresas.
Também é vista com preocupação com servidores, que temem cortes e perda de benefícios conquistados com a transformação do instituto em uma espécie de consultoria que segue moldes de instituições privadas, como é o caso da FGV (Fundação Getúlio Vargas)
A reformulação prevê a divisão do atual instituto em dois ramos: Ipea Pesquisas e Ipea Projetos, ambos geridos por um conselho de administração formado por "líderes empresariais", acadêmicos e ministros.
Este último teria "personalidade jurídica diferente", para permitir a flexibilização de contratos e a venda de projetos ou pesquisas.
Responsável pela proposta, a diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura argumenta que o modelo atual é "incapaz de captar recursos" e que a produção técnica "nem sempre está voltada para questões relevantes ao desenvolvimento do país".
O texto em debate classifica algumas áreas como superdimensionadas e ineficazes, e promete salários "compatíveis com o setor privado", além de "reforço da meritocracia" com rendimentos variáveis pelo desempenho no novo Ipea Projetos.
Discutida em meio ao ajuste fiscal do governo Temer, que cortou orçamentos em toda a Esplanada dos Ministérios, a reforma representaria a possibilidade do Ipea de ter outras formas de financiamento fora o orçamento público, além de ser a primeira incorporação formal de empresários à sua estrutura administrativa.
O plano passa por avaliação de dirigentes. A expectativa, de acordo com servidores, é que seja aprovado pela presidência, após receber comentários e sugestões de autoridades e técnicos.
Segundo a BBC Brasil apurou, dirigentes de alto escalão do Ipea avaliam que a produção atual do instituto é vista como dispersa e lenta por concorrentes e outros órgãos públicos.
"Hoje, quem presta consultoria para o Estado brasileiro é a FGV, e não o Ipea. Por quê?"
Quem pergunta é a diretora de inovação do instituto e autora do projeto de reformulação, Fernanda De Negri, em entrevista à BBC Brasil.
"Estamos fazendo pesquisa da mesma forma que fazíamos 52 anos atrás. A gente precisa se repensar. O Ipea perdeu muito espaço no debate econômico brasileiro", argumenta.
Ela afirma que o orçamento do Ipea foi reduzido, "como em todas as instituições". "Mas a motivação essencial da reformulação nunca foi orçamentária. A motivação é dar flexibilidade e agilidade."
Ela reconhece que a proposta que está sendo discutida com dirigentes é resultado de um ano de visitas a think tanks e instituições renomadas no exterior. O texto de apresentação começou a ser desenhado "no fim do ano passado".
Mas, quando questionada sobre pontos polêmicos associados à reestruturação, como a "venda de projetos" para empresas e a inclusão de CEOs no Conselho, De Negri repete que o material é "superpreliminar" e "não deveria virar reportagem".
A diretora argumenta que o nível de interferência do grupo na instituição seria "muito pequeno". "É um conselho para pensar grandes diretrizes de atuação, mais do que agendas específicas de pesquisa", diz.
Para a diretora do Ipea, a inclusão de CEOs poderia "ajudar a pensar" o Brasil.
"As questões relevantes para o país têm que ser levantadas para o Ipea pelo governo, mas não só. Também por agentes importantes da sociedade, pela academia, e aí tem empresários também, por que não?", diz.
Apesar de o texto apresentado pela diretoria se referir a "clientes" e afirmar que a produção do Ipea Projetos "irá captar e operar recursos externos (públicos e privados)", De Negri afirma que o órgão "não venderá projetos para empresas".
"(O texto de apresentação) Está mal escrito", diz a autora. "O único cliente do Ipea é o governo brasileiro."
Para funcionários, no entanto, o texto que circula entre as sete diretorias do instituto "é claro".
"Está especificado que serão projetos orientados pela demanda, com perspectiva de captar recursos no setor privado. Isso está inclusive na modalidade de remuneração anunciada, que é a possibilidade de os pesquisadores fazerem consultorias a partir de seus portfólios de pesquisa."
Questionada, Di Negri afirma que "não faz ideia" de qual será a "personalidade jurídica" do que proporá ao novo Ipea Projetos, mas elogia o modelo de parceria público privada das OS (Organizações Sociais) - associações percebidas por muitos como uma espécie de "terceirização do serviço publico", já que recebem recursos públicos para prestar serviços como saúde, por exemplo.
Ela ressalta, no entanto, que "não tem planos" de transformar o IPEA em OS.
A reestruturação atende a expectativas do atual presidente Ernesto Lozardo, nomeado em junho. Ele defende novas fontes de financiamento para o instituto e apoia a limitação de gastos públicos proposta pela polêmica PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, em discussão no Congresso.
Na época da posse, Lozardo foi alvo de criticas por não se apresentar oficialmente aos funcionários e não possuir doutorado nem currículo acadêmico publicado na plataforma Lattes de pesquisadores. Foi ele o autor do texto resposta a um artigo critico a PEC 214, que resultou no pedido de exoneração de uma coordenadora do Ipea.
A Afipea (Associação dos Funcionários do Ipea) convocará uma assembleia na semana que vem para discutir efeitos das mudanças na carreira dos servidores e seus possíveis impactos na liberdade de pesquisa.
Para um funcionário que não quis se identificar, "a tendência é que a nova área de projetos negociados com clientes cresça com apoio dos empresários no conselho e passe a determinar os objetos de análise dos pesquisadores" - o que o órgão nega oficialmente.
As propostas do 'novo Ipea' são vistas com cautela por especialistas consultados pela reportagem.
"É um pouco esquisito. Pode haver a influência do setor privado para desenhar uma política pública, por exemplo", avalia o professor da economia da FGV e da PUC-SP Nelson Marconi, questiona a forma como a proposta pode ser posta em prática.
A possibilidade de favorecimento também é mencionada pela coordenadora de pesquisa do Transparência Brasil, Juliana Sakai. Ela diz que a presença de empresários no Conselho de Administração poderia direcionar a pesquisa para privilegiar seus segmentos de atuação.
"Podem incrementar uma política que tem como consequência a produção ou a compra em massa de um determinado produto, por exemplo."
Para Sakai, é "curiosa" a presença de CEOs no Conselho de Administração, uma vez que o novo modelo seria implementado para garantir mais recursos ao trabalho de pesquisa. "Para mim não faz sentido", afirma.
Já para o professor da Fundação Getulio Vargas Alexandre Motonaga, que também participou de projetos de consultoria da FGV, a proposta em discussão pode ser positiva.
Motonaga diz que a participação de empresários em searas públicas já aconteceu no país e cita a presença do empresário Jorge Gerdau no Conselho de Administração da Petrobras. Além disso, diz que nos Estados Unidos é normal que líderes empresariais se dediquem ao setor público após a aposentadoria.
"Um empresário pode efetivamente estar oxigenando o Estado. Ele traz um outro olhar. Por mais que os técnicos sejam capacitados, eles não conseguem dominar todos os assuntos. Permitir que um empresário participe permite uma oxigenação, porque às vezes ele é um especialista no assunto."
Para servidores, no entanto, o instituto de pesquisa é diferente de empresas de capital misto, como a Petrobras, e precisaria de total autonomia para seus estudos.
Motonoga pondera ainda que o risco de conflito de interesses não advém apenas da participação de CEOs na instituição. "Pode entrar um pilantra que pode querer beneficiar só o segmento dele, mas pode acontecer que um ministro também queira atender a seus interesses."
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Ipea gera polêmica com proposta de conselho de empresários e venda de projetos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU