18 Outubro 2016
Exatamente há três anos. No dia 15 de outubro de 2013. Pela primeira vez, uma mulher é arcebispa e chefe de uma Igreja nacional. Isso aconteceu na Suécia, onde Antje Jackelén, bispa de Lund, no sul do país, ganhou as eleições com 59% dos votos. A protagonista da reviravolta é a Igreja Luterana da Suécia, a poucos anos do aniversário da afixação das 95 teses de Wittenberg, das quais surgiu a Reforma.
A reportagem é de Marco Ventura, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 16-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Hoje, três anos depois, o aniversário está logo ali. Preparam-se na Escandinávia e no mundo as celebrações dos cinco séculos passados desde aquele 1517 que mudou a história. A eleição de Antje Jackelén simboliza o anseio reformador de que os protestantes se sentem guardiões e intérpretes. Uma mulher à frente de uma Igreja. Uma líder religiosa eleita e não nomeada, como aconteceu na Suécia, ao contrário, durante séculos, até a separação entre Igreja e Estado no ano 2000, quando o governo renunciou ao poder de nomeação.
Novamente Reforma e reforma, com maiúscula e minúscula; hoje, assim como há 500 anos. A partir do gesto de Lutero que estamos prestes a celebrar, nasceram teologias, instituições, espiritualidades e comunidades muito diferentes entre si.
Podem ser identificadas, simplificando, três famílias de Igrejas. Acima de tudo, as Igrejas tradicionais, ou a eles ligadas, luteranas e reformadas calvinistas em particular, mas também presbiterianas, batistas, metodistas e a própria Igreja Valdense, nascida bem antes de 1517, mas que confluiu posteriormente no movimento protestante.
Em segundo lugar, as Igrejas nascidas da ruptura de Henrique VIII com Roma, a Igreja da Inglaterra e as outras 43 Igrejas que hoje compõem a Comunhão Anglicana: do Paquistão ao Japão, do México ao Burundi.
Por fim, aquelas que remontam ao patrimônio protestante, mas se destacam das Igrejas históricas, ou seja, as Igrejas e comunidades evangélicas e pentecostais, dos cristãos born again, "renascidos".
Se observados no mapa do mundo, os 800 milhões de protestantes globais revelam-se decisivos para o presente e o futuro de Deus no planeta Terra. Os estadunidenses mantêm um vínculo especial com as Igrejas protestantes, não mais amplamente majoritários como no século XIX, mas ainda preferidas por pouco mais da metade da população. O mundo protestante reflete a variedade do mercado religioso nos Estados Unidos. Um recente estudo do Pew Research Center atesta uma renda das famílias aderentes às Igrejas tradicionais protestantes, em média, mais alta do que a média nacional e muito mais alta em comparação com as famílias católicas. De acordo com a pesquisa, os presbiterianos e os anglicanos, que, nos EUA, são chamados de episcopalianos, são mais ricos do que os luteranos. Em vez disso, colocam-se no segmento de menor renda os aderentes da Southern Baptist Convention, que passou os metodistas como Igreja protestante individual com o maior número de membros no país, e os evangélicos, que já são quase o dobro dos outros protestantes, cerca de um em quatro estadunidenses. Os 160 milhões de fiéis estadunidenses valem 20% da população protestante mundial.
Também são de maioria protestante os países escandinavos, a Grã-Bretanha e os países da África subsariana como o Quênia, a Namíbia e a África do Sul. Portanto, caracterizam-se por uma forte presença protestante forte, por um lado, países líderes do Norte desenvolvido, expressão do capitalismo liberal anglo-saxão, mas também do welfare estatalista nórdico, e, por outro, países-chave do Sul em desenvolvimento.
O papel crucial do protestantismo no mapa planetário fica ainda mais evidente quando consideramos a presença dos herdeiros de Lutero e de Calvino na Nigéria, cerca de 40% da população iguais a 7,5% dos protestantes globais; no Brasil, 20% da população iguais a 5% do total mundial; e especialmente na Ásia. Os quase 60 milhões de protestantes chineses, 4% da população, representam a terceira comunidade nacional protestante no mundo, quase o dobro dos protestantes do Reino Unido e mais do que o dobro dos protestantes alemães.
A força geopolítica do protestantismo global se encontra na capacidade de resistência e de renovação de que dão prova as históricas comunidades ocidentais e, ao mesmo tempo, no vigor e na expansão nos territórios de missão na Europa oriental, na América Latina, na África e na Ásia.
Em ambos os universos e no seu intercâmbio, intensificado pela economia global e pelos fluxos migratórios, a energia dos protestantes coincide com as contradições da sua experiência religiosa. De fato, eles testemunham uma fé profunda e madura e, ao mesmo tempo, exaltam o poder do grupo; aliviam as feridas morais e materiais das massas do Sul e sustentam o cristianismo capitalista do Norte; ensinam que todos são ministros do Cristo e produzem líderes prepotentes; pregam a independência do poder político e sucumbem à nacionalização das Igrejas; abraçam o projeto liberal-democrático e se adaptam a sociedades despóticas; promovem os direitos de mulheres e de gays e prosperam em regiões misóginas e homofóbicas.
Está precisamente aqui, no cristianismo plural nascido da Reforma, a prova mais temível e exaltante para os protestantes na iminência do quinto centenário. Reapresenta-se hoje, de modo particularmente agudo, o desafio de uma pluralidade transbordante, já enfrentado tantas vezes na história. As duas dimensões da experiência protestante contemporânea precisam uma da outra. A densidade intelectual dos metodistas liberais californianos precisa da vitalidade dos evangélicos eleitores de Trump, e vice-versa. O pastor valdense que cresceu em Turim precisa do imigrante nigeriano chefe de uma comunidade evangélica rural, e vice-versa. São indispensáveis os teólogos para os quais a doutrina da Graça e o primado da Escritura têm vocação para se impor como valores ecumênicos a serem compartilhados com católicos e ortodoxos. E também são indispensáveis os missionários protestantes que fazem desaparecer o álcool das casas dos chineses convertidos e o som do gongo idólatra dos vilarejos dos altiplanos vietnamitas.
Deve ser compartilhado, e não contestado, o adjetivo "evangélico", usado pelos sóbrios luteranos letões e pelos televangelistas brasileiros. Devem ser denunciados o calvinismo xenófobo pró-governo de Budapeste e a perseguição dos pentecostais autorizada pelo governo de Moscou.
Merecem atenção os evangélicos otimistas do Sul do mundo, convencidos em 70% de que o mundo de amanhã será mais favorável a eles, e os pessimistas do Norte, persuadidos, ao contrário, de que a sociedade do futuro será mais hostil. Devem ser levados a sério aqueles que denunciam o neocolonialismo de evangelizadores sem escrúpulos e aqueles que profetizam o declínio inevitável do protestantismo tradicional, a hemorragia dos fiéis, a desintegração em uma vaga espiritualidade secularizada, sem Deus e sem Igreja.
Quando o Papa Francisco viajar para Lund, no fim deste mês, para celebrar os 500 anos da Reforma, junto com a Federação Luterana Mundial, ele também ser acolhido por Antje Jackelén, ex-bispa daquela cidade, hoje primaz da Igreja Luterana da Suécia. No momento da eleição, os adversários repreenderam-na por uma doutrina não clara. Eu desconfio da clareza que divide as almas e está longe da vida real, respondeu ela: eu quero ser clara, mas também intuitiva e empática, líder feminina capaz de estar na cena internacional.
O cristianismo plural da Reforma precisa de homens e mulheres lúcidos, apaixonados e globais.
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Reforma: substantivo plural. Artigo de Marco Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU