17 Outubro 2016
Enquanto o governo adia seus planos, a indústria pressiona o Congresso Nacional por uma série de mudanças que alteram as leis trabalhistas. Descubra quais são elas.
A reportagem é de Piero Locatelli e publicada por Repórter Brasil, 13-10-2016.
O governo anunciou que a reforma trabalhista deve ficar para o segundo semestre de 2017, mas a maior organização empresarial do país tem pressa. As reivindicações da Confederação Nacional da Indústria (CNI) já estão na mesa e podem ser aprovadas a qualquer momento no Congresso Nacional, sem o alarde de uma grande reforma.
A Repórter Brasil resumiu os principais desejos da indústria e conversou com especialistas para saber quais as consequências para os trabalhadores e para a sociedade como um todo.
A indústria quer: derrubar regras sobre o funcionamento de máquinas e equipamentos perigosos
Impacto: trabalhadores vão se acidentar e adoecer mais
As máquinas e equipamentos de empresas brasileiras devem seguir uma série de regras com um simples objetivo: diminuir doenças e acidentes dos trabalhadores. A CNI quer acabar com uma das mais importantes delas, a Norma Regulamentadora nº 12. Emitida pelo Ministério do Trabalho pela primeira vez em 1978, e atualizada desde então, a norma estabelece medidas de proteção que devem ser adotadas pelas fábricas e outras empresas que utilizem máquinas.
A CNI defende um projeto de lei que enterra essa norma sob o argumento de que é preciso “preservar o equilíbrio” entre a proteção aos trabalhadores e os impactos econômicos às empresas.
O fim da norma aumenta a chance de acidentes, segundo auditores fiscais e procuradores do trabalho ouvidos pela reportagem. Em média, 12 trabalhadores são amputados por dia em acidentes com máquinas e equipamentos no Brasil, segundo dados de 2011 a 2013 do Ministério do Trabalho. Além disso, 582 trabalhadores morreram devido a acidentes com máquinas e equipamentos entre 2009 e 2013, segundo levantamento do auditor fiscal do trabalho Vitor Filgueiras e pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia) da Unicamp.
A indústria quer: que os auditores fiscais só possam multar empresas na segunda vez em que as visitam
Impacto: queda brusca das multas e punições, e aumento dos problemas trabalhistas
As indústrias querem ter o direito assegurado a uma “segunda chance”. Com a adoção da chamada “dupla visita”, uma empresa só poderia ser penalizada caso já tenha sido avisada sobre esse mesmo problema em uma visita anterior. A colher de chá já existe, mas apenas quando a empresa foi recentemente inaugurada ou quando viola uma norma nova.
No projeto apoiado pela CNI, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) argumenta que “a função educativa é um dos principais fins da fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, senão a principal delas”.
As empresas já tem conhecimento das regras e leis trabalhistas que mais geram problemas, segundo o procurador do trabalho Renan Kalil. “Eles querem que os auditores virem consultores privados. Todo mundo sabe que tem que pagar salário, décimo terceiro, dar férias, pagar rescisão.”
Já as empresas com negócios mais complexos, cujas normas trabalhistas são mais detalhadas, deveriam embutir isso nos seus custos de produção, diz Kalil. “Desse jeito, as fábricas estão querendo dividir o risco da atividade econômica com o resto da sociedade.
A indústria quer: que os auditores não possam lacrar equipamentos e fábricas que colocam o trabalhador em perigo
Impacto: trabalhadores continuarão expostos a riscos de adoecimento e acidente
Auditores fiscais do trabalho podem, hoje, interditar fábricas ou equipamentos que ofereçam “grave e iminente risco” ao trabalhador. Uma serra que poderia causar um acidente a um trabalhador, por exemplo, deve ser lacrada até que o problema seja resolvido. Em casos mais graves, toda uma fábrica pode ser fechada.
A CNI pede que os auditores não possam mais interditar máquinas ou empresas. Para a entidade, essa atribuição deveria ser somente dos chefes dos auditores em cada região, os superintendentes. Segundo a CNI, as interdições pelos auditores acontecem “sem a observância da ampla defesa e sem a efetiva comprovação do grave e iminente risco”.
As empresas deveriam poder ser interditadas em mais casos, segundo o auditor fiscal do trabalho Magno Riga. Ele cita como exemplo empresas de telemarketing, onde muitos trabalhadores adoecem aos poucos sem que exista “grave e iminente risco” a eles. Dessa forma, não é possível lacrar o local e prevenir os problemas dos trabalhadores.
A indústria quer: permissão para que trabalhadores expostos a riscos façam horas extras
Impacto: trabalhadores devem adoecer e se acidentar mais
Profissionais que ficam expostos ao calor, barulho, substâncias tóxicas e outros fatores considerados como “agentes nocivos” não podem trabalhar mais do que oito horas. Para aumentar a jornada dessas profissões em duas horas, é necessária uma autorização prévia do Ministério do Trabalho.
A CNI argumenta que o aumento da jornada interessa ao trabalhador. Quatro horas de trabalho no sábado, por exemplo, poderiam ser transformadas em 48 minutos a mais em cada dia da semana.
O que está em jogo com isso é exclusivamente a saúde das pessoas e não o seu final de semana, argumenta o procurador do trabalho Thiago Gurjão. Segundo ele, empresas como frigoríficos já descumprem essa norma com “consequências gravíssimas” – que vão desde o adoecimento até acidentes de trabalho.
A indústria quer: subcontratar empresas para qualquer atividade
Impacto: será mais difícil responsabilizar empregadores por acidentes e outros problemas trabalhistas
A CNI propõe que empresas possam contratar livremente outras empresas para realizarem seus serviços ou sua produção, prática conhecida como “terceirização”. Hoje, somente atividades secundárias podem ser terceirizadas, como limpeza e segurança. De acordo com a CNI, liberar a prática aumentaria a produção e o número de empregos.
Um projeto de lei que libera a terceirização já foi votado pela Câmara dos Deputados, e aguarda análise do Senado Federal. O texto atual responsabiliza também a empresa contratante pelos problemas trabalhistas da subcontratada, a chamada “responsabilidade solidária”. A CNI defende uma proposta bem diferente: a “responsabilidade subsidiária”. Nesse caso, a empresa contratante só responde na Justiça quando a empresa terceirizada não consegue arcar com os problemas trabalhistas.
Com a terceirização, grandes empresas concentrariam todos os lucros e nenhum empregado. Enquanto isso uma constelação de empresas, sem qualquer ou autonomia financeira, teriam todos os empregados. Hoje, nos casos em que isso já acontece, periodicamente tais empresas fecham as portas, deixando para trás enorme passivo e gerando avalanches de reclamações trabalhistas.
Essa pulverização entre diversas empresas diminuiria, no médio prazo, salários, direitos trabalhistas e a segurança do trabalhador. Os trabalhadores terceirizados ganham 24% menos do que os outros, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E 90% dos casos de trabalho análogo ao escravo no Brasil entre 2010 e 2013 aconteceram em empresas terceirizadas, segundo levantamento de Vitor Filgueiras.
Além disso, a terceirização enfraquece os trabalhadores nas negociações com as empresas. Os terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Isolados, eles teriam mais dificuldades de negociar de forma conjunta ou de fazer ações como greves.
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A reforma trabalhista pode acontecer a qualquer momento – sem você perceber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU