14 Outubro 2016
“É razoável colocar em questão que um padrão de formação da opinião que se baseie na influência de uns poucos é, no mínimo, uma Inteligência Coletiva pobre e ineficaz. Isso destrói a diversidade cognitiva, que é uma das bases para que essa Inteligência dê seus frutos”, escreve Amalio Rey, em artigo publicado por El Blog de Inteligencia Colectiva, 09-10-2016. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Escrevi, na segunda-feira, em meu blog pessoal, uma introdução contando minha experiência sobre o plebiscito pela paz na Colômbia, que me coube viver pessoalmente: “Os colombianos são estúpidos ao votar NÃO?”. Ali, dizia que apesar de minha frustração, pois minhas preferências perderam uma vez e outra, nos últimos processos plebiscitários e eleitorais, continuo acreditando nos mecanismos democráticos e em que não há outro modo mais transparente e simples de dar legitimidade às decisões políticas relevantes que a consulta coletiva.
Na postagem sustento que não se deve acusar de ignorante ou estúpido todo o coletivo que decide algo que contradiz nossas preferências. As pessoas não são estúpidas porque escolhem uma opção que nos desagrada. É algo que também aconteceu com o #Brexit. Seria necessário aprofundar, sem preconceitos, as motivações que levam um grupo de pessoas a decidir o que decidem.
Um dos fatores que influenciaram no triunfo apertado do NÃO na Colômbia foi, como expliquei em meu artigo, a luta de egos entre líderes políticos, e em especial entre o Uribismo (seguidores do ex-presidente Álvaro Uribe, que encabeçou a campanha pelo NÃO) e os partidários de Juan Manuel Santos, o atual presidente colombiano, que incentivou o SIM. Este argumento fez com que alguém me fizesse uma pergunta bastante pertinente no longo trecho de comentários que a postagem gerou, e que me trouxe até aqui, pois é um tema que interessa muito aos conteúdos presentes neste blog.
A pergunta foi esta: Onde está a inteligência coletiva de uma sociedade que caminha simplesmente para onde seus líderes apontam? É uma questão legítima que sempre está revoando os processos de consulta coletiva, quando se percebe que os focos se concentram muito em algumas poucas vozes que se tornam grandes “influenciadores” do resultado final. Já vimos isto com o carismático Boris Johnson, no #Brexit, e agora com Álvaro Uribe, no Plebiscito colombiano.
Tentarei responder essa pergunta, esboçando alguns pontos:
- É razoável colocar em questão que um padrão de formação da opinião que se baseie na influência de uns poucos é, no mínimo, uma Inteligência Coletiva pobre e ineficaz. Isso destrói a diversidade cognitiva, que é uma das bases para que essa Inteligência dê seus frutos.
- A opinião das pessoas que formam depois o “agregado coletivo” é influenciável pela opinião dos líderes. Isso é assim hoje e sempre será. Ninguém deveria acreditar que a liderança não tem impacto na Inteligência Coletiva. Tem e muito.
- Os líderes têm esse peso na opinião individual por várias razões. A mais importante é o elevado custo que implica se informar bem: quantos colombianos tiveram o trabalho de ler os textos do Acordo de Paz, que tinham quase 300 páginas? O que aconteceu na realidade é que muita gente acabou delegando a interpretação do Acordo a líderes em quem confiava, segundo esta lógica: “Se este em quem acredito, tem essa opinião, deve estar certo”. O mais complexo é o assunto sobre o qual é preciso votar, mas se acaba delegando a opinião a pessoas de referência, nas quais se confia.
- Apesar de efetivamente os líderes possuírem um peso desproporcional na formação da opinião individual, ao menos é necessário reconhecer que as pessoas guardam a última opção para decidir seu ponto de vista. No caso da Colômbia, houve Uribistas que votaram SIM (condicionados por suas próprias circunstâncias, que pesaram mais que a opinião de seu líder) e gente de Santos que votou NÃO. O voto é individual e secreto, sendo assim, o fato de se consultar as pessoas oferece uma legitimidade ao resultado do processo que é imprescindível para a tomada de decisões tão relevantes como estas.
- Mesmo que a consulta coletiva traga legitimidade, ainda temos muito a fazer para melhorar sua eficácia. Se se tornasse ineficaz (pela manipulação de líderes, por exemplo), qual seria a outra opção? Consultar especialistas, delegar a decisão a uma espécie de “painel de especialistas” ou aos próprios políticos? Qualquer uma destas soluções é bastante questionável e contribui para introduzir (grandes) desvios na decisão. A legitimidade continua sendo uma premissa inegociável na democracia.
- Muitas vezes, estes processos falham porque as pessoas não estão tão acostumadas a decidir. Plebiscitos deste tipo não deixam apenas um resultado. São também um processo de empoderamento do qual se aprende, inclusive dos resultados que falham. Por exemplo, aquele que não foi votar na Colômbia e queria o SIM deve ter aprendido algo do que significa não participar. O que eu mais gosto nestas consultas é que envolvem pessoas e geram corresponsabilidade. Estou certo que o debate ocorrido acerca da paz e dos acordos, graças ao fato que era necessário decidir o voto, contribuiu para que a sociedade colombiana conheça melhor a si mesma.
- Para melhorar a qualidade (eficácia) da Inteligência Coletiva é necessário investir em educação. Quanto mais educadas as pessoas estiverem, mais confiará em seu critério próprio e menos se deixará influenciar pelos líderes. A outra solução é redesenhar a informação que se usa nos plebiscitos para que o “custo de se informar” seja mais acessível. Um texto de 300 páginas, carregados de detalhes técnicos e jurídicos, não estava ao alcance de qualquer um. No plebiscito da Colômbia, senti falta de uma versão-resumo mais breve (mas fiel ao essencial do texto completo) que pudesse ser compreendida e estudada pelos cidadãos.
Como me dizia Gonzalo Martín, desejar que as pessoas pudessem decidir sua opção de voto com base em um texto tão carregado de tecnicismos, implica uma abordagem elitista do assunto, uma falha que muitas vezes se comete nestes processos.
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Sobre a influência dos líderes nas consultas coletivas: o caso colombiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU