30 Setembro 2016
Um em cada três argentinos é considerado pobre. A estatística, que veio após anos sem informações oficiais sobre o índice de pobreza no país, assustou e surpreendeu muitos argentinos.
O número, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), gerou forte debate entre governo, oposição e estudiosos - além de muita polêmica nas redes sociais.
A reportagem é de Marcia Carmo, publicada por BBC Brasil, 29-09-2016.
Por terem vivido um hiato sem estatísticas oficiais, os argentinos viram o índice disparar de 5,4%, segundo os últimos dados que haviam sido divulgados em 2012, para 32,2%.
"No segundo trimestre de 2016, o índice de pobreza atingiu 32,2% das pessoas. Desse total, a indigência significou 6,3% (da população)", informou o Indec.
O levantamento envolveu pouco mais de 27 milhões de pessoas, de um total de aproximadamente 40 milhões de habitantes do país.
O índice deixou de ser divulgado em 2013, quando o então governo de Cristina Kirchner anunciou "problemas ligados à mudança no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e à cesta básica de consumo".
Desde então, sob forte acusação de manipulação de dados, a gestão kirchnerista parou de divulgar os números.
No início de seu mandato, o atual governo de Mauricio Macri reformulou o Indec (equivalente ao IBGE no Brasil) para dar veracidade, segundo o governo, aos dados oficiais, questionados na gestão anterior.
"Saber que um em cada três argentinos está abaixo da linha de pobreza tem que nos doer", disse Macri na quarta-feira.
Uma das bandeiras da campanha do presidente foi o slogan "Pobreza Zero". Mas agora ele já ressalta que isso seria uma tarefa impossível para apenas quatro anos de gestão. "É uma meta que não pode ser resolvida em um só governo."
Mas se o seu governo ressalta o fato de agora ter "números reais" para combater nos próximos anos, os críticos culpam as medidas de austeridade tomadas pelo presidente pela "disparada" nas estatísticas da pobreza.
O dado suscitou uma série de análises e criticas de diferentes setores. Os críticos culpam as políticas de ajuste de Macri.
"Os mesmos dados do Indec nos mostram (em seus detalhes) que a pobreza envolve 47,4% dos que têm de zero a 14 anos de idade", afirmou o centro de estudos Cippec, com sede em Buenos Aires.
O Centro de Economia Política Argentina (Cepa), também com base na capital do país, informou que mede a pobreza desde novembro de 2015 e que "5,3 milhões de novos pobres surgiram nos nove meses do governo Macri".
"Em novembro de 2015, a cesta básica custava 1.020 pesos e em janeiro de 2016, depois das medidas do governo Macri, custava 29% mais, 1.312 pesos", disse o Cepa em comunicado.
Para o especialista em temas sociais Artemio López, simpático ao kirchnerismo, "existem 500 mil novos desempregados na Argentina", escreveu.
Em agosto deste ano, o Observatório da Dívida Social Argentina, da Universidade Católica (UCA), já alertava para o incremento da pobreza durante os primeiros meses do governo Macri. De acordo com este levantamento, o total de pobres subiu de 29% para 32% na gestão atual, com 1,4 milhão de "novos pobres".
"Os preços continuaram subindo antes, durante e depois da desvalorização do peso", disse Agustín Salvia, da UCA.
O presidente afirmou que está fazendo o que pode para melhorar a situação do país e que só agora é possível saber a realidade dos argentinos.
"Eu estou aberto a fazer todas as autocríticas que pudermos porque sempre acredito que há lugar para a melhora, mas apenas agora estamos começando a ter informação real na Argentina. Este é o verdadeiro ponto de partida."
Assim que assumiu, a administração Macri desvalorizou o peso, colocando fim ao controle cambial da era kirchnerista. Segundo especialistas, a medida provocou alta na inflação, que já era uma das mais altas da América Latina, com mais de 35% por ano.
Para o economista Matias Carugati, da consultoria Management, o Indec "colocou cifras num dado social que já vinha se deteriorando, mas com a inflação do primeiro semestre (deste ano), piorou".
O governo também aplicou aumentos nas tarifas dos serviços públicos, que foram congeladas durante o kirchnerismo.
Nos primeiros meses de Macri, os preços do transporte público, do gás, da luz e da água tiveram ajustes de até 700%. Muitos argentinos chegaram a apelar na Justiça por conta disso, e a Suprema Corte chegou a suspender o aumento da tarifa de gás em agosto.
Carugati, porém, ressalta que as medidas eram necessárias e que em 2017 será possível sentir o efeito positivo delas no crescimento do país. Segundo ele, a pobreza deverá recuar nos próximos meses, como efeito de medidas do governo, como desconto de impostos para a cesta básica e a retomada da geração de empregos.
"No setor estatal, o emprego quase não foi afetado, mas o desemprego subiu no setor privado e o emprego informal caiu", avaliou.
O governo Macri também reforça que a inflação já começou a cair e que a reativação da economia seria observada a partir do fim deste ano. "Em 2017, a economia crescerá 5%, e o pior terá passado", diz Carugati.
O economista Miguel Bein, que fez parte da campanha eleitoral para o adversário de Macri, Daniel Scioli, afirma que "qualquer que fosse eleito presidente teria feito o mesmo (ajuste que Macri aplicou)".
Em meio ao debate, a polêmica sobre o novo índice de pobreza dominou as redes sociais argentinas na quarta-feira.
A hashtag #LaFabricaDePobres dominou os assuntos mais comentados e foi usada tanto por críticos quanto apoiadores de Macri.
Um usuário ironizou falas de Macri sobre 'pobreza zero' e 'segundo semestre' - quando a economia cresceria, segundo o governo. "Dos mesmos criadores de #Pobrezazero e #segundo semestre, 32% de pobreza", escreveu @rodriguezale66.
Já o usuário 'Anti K' (anti-kirchnerista) escreveu na rede social: "Para os que têm memória curta: 12 anos de governo K, 10 milhões de pobres e 3 milhões de desnutridos".
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Disparada no número de pobres gera debate acalorado na Argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU