30 Setembro 2016
Em um país em que 90% têm alguma religião, ela pode fazer a diferença na urna
No Brasil de impeachments, cassações e protestos, Deus mantém alto índice de popularidade. Segundo o último Censo do IBGE, de 2010, mais de 90% da população declara ter alguma religião.
A reportagem é de Bernardo Barbosa, publicada por UOL, 30-09-2016.
Não por acaso, quando chega a época de campanha eleitoral, candidatos batem nas portas de templos para buscar a bênção de líderes não só religiosos, mas comunitários. Ecumênica, esta peregrinação é movida pela fé no voto.
Por precisarem da maioria dos votos de uma cidade para vencer, políticos que disputam prefeituras se reúnem com padres, pastores, rabinos, imãs.
Já candidatos a vereador costumam buscar alianças e influência junto a uma comunidade religiosa específica, o que em alguns casos pode ser suficiente para garantir sua eleição.
Nas eleições de 2016, 774 candidatos se declaram sacerdotes ou membros de seita ou ordem religiosa --entre eles, 94% concorrem a uma vaga de vereador.
“Por trás das lideranças religiosas tem apoio, seguidores. Ao menos parte desses seguidores acaba aderindo à indicação delas”, afirma André Ricardo de Souza, coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
"A religiosidade de um político pode alavancar sua candidatura", completa Andrey Mendonça, do Prece (Programa de Religião e Espiritualidade no Consumo e nas Empresas da ESPM-SP) --especialmente se o candidato “demonstrar certa simpatia por certa moral que tenha a ver com aquele grupo religioso".
Os religiosos só podem fazer campanha fora do local de trabalho. Segundo a lei eleitoral, é proibido fazer propaganda em "bens de uso comum", ou seja, locais aos quais a população em geral tem acesso. Templos se encaixam nessa categoria, assim como clubes, shopping centers e estádios. Se a regra for quebrada, a multa pode sair de R$ 2 mil a R$ 8 mil.
A seguir, especialistas e líderes religiosos contam para que lado pesa mais essa balança.
Se a estratégia dos candidatos costuma ser a mesma --ter contato com líderes religiosos em busca de apoio ou influência em uma comunidade--, a atitude dos sacerdotes durante o período eleitoral varia segundo seu nível de engajamento, a receptividade dos postulantes àquela crença e, em alguns casos, sua própria fé.
Promover encontros de suas comunidades com candidatos é prática comum, contam líderes religiosos, como o padre Ticão (Antônio Marchioni), o rabino Michel Schlesinger, da CIP (Congregação Israelita Paulista), e o imã da Mesquita Brasil, Abdel Hamid Metwally.
Na ADSA (Assembleia de Deus Santo Amaro), o pastor Marcos Galdino Jr. conversa diretamente com o político para verificar se os valores estão alinhados com suas crenças. “Uma coisa que eu não abro mão porque está na Bíblia: a questão da ideologia de gênero. Eu sou contrário", exemplifica.
As eleições passam longe da rotina da Aliança Espírita Evangélica, conta o diretor-secretário, Kauê Lima: “O [nosso] foco são os programas de evangelização do ser”. De forma semelhante, o monge budista Francisco Handa, do templo Busshinji, explica que a tradição soto-zen “não se mete muito em política”.
Pai Salun, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo, afirma que a maioria dos candidatos tem medo de buscar apoio nos terreiros das religiões afro-brasileiras. “Nos procura aquele que já veio da umbanda, do candomblé. Porque [quem é] de fora tem preconceito, acha que se misturar com os macumbeiros não vai ganhar eleição”, diz.
Todas as lideranças ouvidas pelo UOL disseram não pedir votos para candidatos. Quase todos também evitam revelar suas preferências políticas.
Pesquisadores ouvidos pelo UOL afirmam que a redemocratização do Brasil, nos anos 1980, aliada ao crescimento de igrejas evangélicas, mudou a relação entre política e religião no país.
Segundo Marcelo Camurça, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), os evangélicos não definem uma eleição, mas “pesam na balança”.
“As grandes campanhas majoritárias, pelo menos desde o início da década de 1990, passaram a cortejar este eleitorado", afirma Camurça. "Candidatos não necessariamente evangélicos passaram a ir a cultos, pedir o voto desse contingente.”
Para Andrey Mendonça, da ESPM, as chamadas igrejas neopentecostais “têm, em geral, um projeto político, além do religioso”.
Um exemplo é a Concepab (Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil), instituição que reúne pastores de diferentes denominações e acompanha ao menos cem candidatos em todo o país --seu objetivo é 60% de políticos eleitos.
Ricardo Mariano, da USP, cita o caso do PRB (Partido Republicano Brasileiro), em que alguns dos principais nomes são ligados à Igreja Universal do Reino de Deus. A legenda abriga Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal que lidera as pesquisas de intenção de voto no Rio, e Celso Russomanno, que é católico e está entre os primeiros colocados nos levantamentos em São Paulo.
No entanto, segundo Mariano, o PRB agora busca “diluir ao máximo qualquer tipo de percepção dessa relação direta [com a Universal]” devido às constantes críticas de setores seculares da sociedade.
Questionada sobre sua ligação com o PRB, a Universal respondeu, por meio de nota, que "é uma instituição religiosa e não exerce qualquer atividade política ou partidária. Assim, qualquer integrante de seu corpo eclesiástico -- bispo ou pastor -- que decida ingressar na carreira política, obrigatoriamente, licencia-se da Igreja para se ocupar da atividade pública de modo exclusivo". Já o partido não se pronunciou até o fechamento da reportagem, apesar de ter sido procurado em cinco ocasiões, por telefone e por e-mail.
A Igreja Católica, que tem o maior número de fiéis no país, atua de forma indireta. Membros do clero não costumam se candidatar, mas têm à mão “um poderoso lobby e uma rede fantástica de contatos”, afirma Ricardo Mariano, da USP. “As pastorais católicas estão associadas a todos os temas possíveis e imagináveis da agenda política.”
Camurça, da UFJF, diz que as religiões afro-brasileiras são mobilizadas politicamente, mas não têm uma atuação unificada. Com isso, a umbanda e o candomblé “não conseguiram amealhar recursos e formar instituições fortes no sentido de financiar campanhas”.
No último debate antes da eleição para prefeito de São Paulo em 1985, o então candidato Fernando Henrique Cardoso hesitou ao responder ao jornalista Boris Casoy se acreditava em Deus. Perdeu a disputa para Jânio Quadros.
Se ter uma religião ou visitar templos pode ajudar a conseguir votos, não seguir uma fé ou ser visto como ateu ainda pode derrubar um candidato.
“Não há uma discriminação explícita, mas há uma reserva. Ter religião parece ter ética. Ser ateu parece ser alguém sem ética, que topa tudo”, diz Camurça, da UFJF.
A Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) não endossa candidatos, mas divulga os nomes de políticos que se declaram ateus. “Faz parte do nosso papel promover a nossa representação política”, diz Daniel Sottomaior, presidente da entidade.
O UOL ouviu três candidatos a vereador em São Paulo que se declaram ateus --os nomes foram omitidos para não caracterizar propaganda. Todos concordam que expor sua falta de crença pode tirar votos.
“Todos os marqueteiros falam que, no Brasil, é quase suicídio você se declarar ateu. Mas considero importante, porque é uma forma de dar visibilidade a uma minoria que não se expõe”, diz um deles, do PPS.
Outro, da Rede, afirma que vai perder votos por ser ateu, mas defende que a pauta do Estado laico é “boa para todo mundo”. “A bancada evangélica está organizada. A gente tem que se unir não contra a religião, mas se unir para denunciar as coisas. Quando eles tentam tirar nossos direitos, a gente tem que se unir”, afirma.
Outra candidata, também da Rede, decidiu junto com sua equipe não expor em sua campanha o fato de ser ateia: "o que a gente decidiu foi não ficar usando isso para atrair atenção. É uma exposição gratuita que não tem conteúdo”, disse.
O peso da religião deve ser sentido com mais força sobre as Câmaras de Vereadores com o passar dos anos, segundo Andrey Mendonça, da ESPM. A tendência é que haja cada vez mais candidatos, principalmente no Poder Legislativo, “com algum tipo de filiação religiosa e que agregam esse valor da filiação às suas candidaturas”.
“A religião tem percebido ao longo do tempo que é muito mais vantagem ter pessoas dentro do Legislativo do que no Executivo, porque o Executivo trabalha com as normas feitas pelo Legislativo”, afirma o professor.
Marcelo Camurça, da UFJF, ressalta o peso das instituições religiosas em eleições municipais.
“Quanto mais municipal, mais na base, maior o peso das igrejas”, diz. “Os acordos de candidatos com as igrejas são muito explícitos. Às vezes a pauta não tem a ver com a questão do município mas, no imaginário religioso, é o que vale.”
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Fé no voto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU