01 Setembro 2016
"Começando os seus princípios com a superioridade do tempo, Francisco apresenta a simbólica das sucessões, das aventuras, das rupturas e das recomposições, da morte e da vida, da duração muitas vezes repetitiva, certamente, mas sempre de novo atravessada por um inesperado que muda tudo."
O comentário é do teólogo e monge beneditino francês Ghislain Lafont, professor emérito de teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana e do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado no seu blog Des Moines et des Hommes, 04-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na última parte da Evangelii gaudium, especificamente em um conjunto de parágrafos consagrados à paz (217-237), o Papa Francisco propôs quatro princípios cuja aplicação constituiria um "verdadeiro caminho para a paz dentro de cada nação e no mundo inteiro".
As palavras usadas são extremamente gerais: tempo/espaço, unidade/conflito, realidade/ideia, todo/parte, e o primeiro termo de cada binômio é proclamado superior ao segundo. Portanto, é preciso manter o olhar fixo nos quatro primeiros termos: "tempo", "unidade", "realidade", "todo", e cuidar para subordinar os seus segundos.
Não é preciso ser um grande estudioso da história do pensamento humano para reconhecer que essas palavras, junto com algumas outras semelhantes, sempre existiram no espírito dos seres humanos em busca de compreensão e de direção para a condução da sua existência provada e efêmera. Também aqui, como muitas vezes ocorre, essas palavras se apresentam em pares que são e continuam sendo antagonistas: não se pode suprimir um dos termos em favor do outro, nem identificar um com o outro, o que equivaleria a apagar ambos. Portanto, devemos jogar com a identidade e a diferença. Todas as sabedorias jogam assim com essas noções, organizam-nas, utilizam-nas para contribuir com um percurso de vida bastante feliz.
Por isso, os princípios propostos por Francisco evocaram em mim os dois grandes pré-socráticos: Parmênides e Heráclito. O primeiro e o terceiro princípio ["o tempo é superior ao espaço"; "a realidade é mais importante do que a ideia"] colocam-nos do lado de Heráclito: na realidade, a nossa experiência é precisamente que "tudo flui" e que "nunca mergulhamos no mesmo rio". Por outro lado, é certo que, se desvinculadas, as nossas ideias e as nossas palavras (os nossos "logos") não esgotam o real que perscrutam.
Estranhamente, com o segundo princípio ["a unidade prevalece sobre o conflito"] e com o quarto ["o todo é superior à parte"], Heráclito recua. Para ele, "no princípio era a guerra", e Parmênides se reinstala em uma paz e em uma globalidade desde sempre indestrutíveis, ele que rejeita decisivamente a própria ideia de um devir, assim como a da precariedade de um logos.
Essa aproximação espontânea dos princípios de Francisco aos dos grandes pré-socráticos leva a pensar que não há nada de definitivo neles, ainda mais por estarem em posição dialética. Portanto, é preciso tomá-los como sugestões intelectualmente fundadas e praticamente úteis para o discernimento hoje em dia das situações e das tomadas de decisão construtivas. Finalmente, no seu "magistério", os bispos e os papas sempre agiram assim.
Dito isso, a originalidade do Papa Francisco parece-me se situar do lado "heraclitiano" das suas proposições. Por razões que levariam muito tempo para apresentar novamente aqui e que dependem de conjunturas de civilização, o pensamento cristão se desenvolveu de bom grado sob a insígnia do eterno, do idêntico, do razoável, daquilo que, em nome da realidade imutável de Deus e do caráter terminal da ressurreição de Cristo, não muda ou não muda mais.
Ora, a palavra "espaço" é simbólica dessa identidade. Ela conota a extensão, a consistência, a coerência, a permanência, o sólido, e sugere, para aquilo que está além (o metafísico), a mesma qualidade, aquela que a palavra "ser" e aquela, correlativa, de "perfeição" parecem dizer.
Começando os seus princípios com a superioridade do tempo, Francisco apresenta outra simbólica: a das sucessões, das aventuras, das rupturas e das recomposições, da morte e da vida, da duração muitas vezes repetitiva, certamente, mas sempre de novo atravessada por um inesperado que muda tudo. Ele mesmo ilustra as suas proposições com a imagem do poliedro que se opõe à (absolutamente parmenidiana) do círculo: o poliedro diz elementos diversos que, conservando a sua originalidade, confluem; que se articulam sem se anular. A imagem, apresentada em EG 236, parece pertinente ao papa, pois ele a retoma, de acordo com a referência ao primeiro princípio proposto da superioridade do tempo (AL 3-4), para caracterizar o conjunto do Sínodo sobre a família.
Neste ponto, gostaria de fazer duas reflexões. A primeira é de que a Sagrada Escritura é construída no tempo antes de considerar o espaço.
Quando os escribas coletaram em um volume o conjunto dos textos de que dispunham, escreveram: "no princípio" (Gn 1, 1), e o último dos profetas publicados faz entrever o fim: "O dia do Senhor, grande e terrível" (Mal 3, 23). Só mais tarde é que foram publicados os escritos da sabedoria.
O Novo Testamento não modificou a ordem e termina com a oração "Vem, Senhor Jesus". Em outras palavras, os autores da Bíblia subordinaram a sabedoria à profecia. A teologia, ao contrário, não teve a tendência de fazer o inverso? Embora tivesse razões para fazer isso, poderíamos nos alegrar hoje de ter que restituir a ordem primitiva – o que não significa apagar a sabedoria, mas situá-la no interior da profecia, e não acima.
A segunda reflexão é que o Papa Francisco não se limitou a propor esses princípios. À frente da vida e da reflexão da Igreja, ele convidou a colocar a misericórdia, isto é, a figura de Deus como Amor em excesso. Ele fez isso com uma tomada de consciência sem concessão dos perigos incorridos pelo mundo e das causas da dramática situação presente.
Ele propôs (e significou mediante atos simbólicos) uma visão sinodal da Igreja como pirâmide invertida, cujo ápice está abaixo – posição que lhe dá toda a sua fecundidade. Ele indicou a dinâmica da escuta, do diálogo, da busca, do discernimento em todos os níveis, que deve permitir que a Igreja diga e faça uma palavra eficaz e credível.
Parece-me que tudo isso deve ser acolhido favoravelmente e julgado com base não nos dados adquiridos de ontem, mas em uma coerência profunda com a intenção inovadora do Concílio Vaticano II, que, talvez, esperava esse tipo de mensagens para desenvolver as suas potencialidades na Igreja, certamente, mas também para o mundo dos seres humanos que as esperam sem saber.
Sobre os quatro princípios do Papa Francisco: Stefano Biancu responde a Giulio Meiattini
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O tempo é superior ao espaço? Artigo de Ghislain Lafont - Instituto Humanitas Unisinos - IHU