31 Agosto 2016
No dia 23 de julho de 2016, as páginas de cultura do jornal La Repubblica anteciparam o primeiro capítulo do novo livro do jornalista Paolo Rodari, que acaba de ser lançado: La custode del silenzio (Einaudi).
Em seu blog, Note a Margine, 25-08-2016, o autor comenta: "Há três anos, eu fiz uma investigação para o jornal sobre os eremitas da cidade. Conheci Antonella Lumini, eremita em um antigo apartamento de Florença. Depois da investigação, propus-lhe que ela contasse a sua história em um livro".
Publicamos aqui o primeiro capítulo. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pustinia.
Nesta manhã, essa palavra arcana despontou várias vezes na minha mente, enquanto eu partia de trem de Roma para Florença. Sim, eu decidi: hoje, vou entrar na pustinia. E, embora eu me sinta pronto, embora Antonella tenha me explicado, estou um pouco ansioso.
O que o silêncio vai me dizer?
Já faz mais de um ano desde a primeira vez que estive na casa dela, e não sei explicar por que somente depois de tanto tempo eu me decidi lhe pedir para poder atravessar a porta da pustinia.
"O silêncio fala. Somos nós que não sabemos ouvir", ela me repetiu várias vezes, fazendo-me intuir que cada um tem o seu momento, a hora X em que aceita se pôr à escuta.
Antonella mora em um antigo edifício no centro de Florença. Perto da entrada, está a cozinha, um ambiente bastante espaçoso com uma grande capa de pedra em cima do fogão, antigamente alimentado a lenha, provavelmente. Tivemos as nossas conversas aqui, sentados à mesa de mármore branco, na frente de uma xícara de chá preparada com ervas sempre diferentes.
Lembro-me da primeira vez que vim encontrá-la.
– Então, é assim a casa de uma eremita? – perguntei-lhe à queima-roupa.
Ela sorriu e, depois de tomar um fôlego, respondeu: "Sinceramente, eu não sei. Eu não gosto muito de me definir assim. Não gosto dos rótulos. Parecem feitos de propósito para homologar as pessoas, como se tudo tivesse que se encaixar em cânones preestabelecidos. Eu sou uma mulher que, em um certo ponto da vida, descobri o silêncio. Foi um chamado irresistível. Aconteceu há mais de 30 anos. Veja, o problema não é encontrar uma conotação, mas sim se despir, se despojar de toda identificação. Atravessar o vazio. Eu sou uma simples batizada, no máximo, uma guardiã do silêncio."
Ainda hoje nos sentamos na frente de uma xícara quente que, pouco a pouco, dissolve as palavras. O tempo passa rápido, sem que eu me dê conta.
- Sim, ficou tarde – diz-me Antonella. – Queremos ir à pustinia?
Da cozinha, tomamos um amplo corredor com janelas.
Subimos alguns degraus e entramos em uma salinha quadrada, iluminada por uma claraboia encaixada entre as vigas.
Encostado à parede da esquerda, em cima de uma esteira, há um colchão. À direita, uma cadeira e uma pequena caixa-banco de madeira. No meio, um tapete e um banquinho. Debaixo da claraboia, apoiado em uma pequena mesa, uma vela diante de uma cruz de madeira, pendurada na parede um pouco mais acima.
Antonella se ajeita no banquinho com os joelhos tocando o chão.
– Coloque-se onde você quiser – diz-me. – Há quem se sente no chão, ou em uma almofada, ou na cadeira, ou no colchão.
Eu escolho a cadeira. É um pouco incômoda, ou talvez seja eu que não consiga encontrar a posição correta.
Ela acende o luminar, depois se levanta. Sai, esqueceu alguma coisa. Depois de poucos instantes, volta com uma pequena campainha tibetana entre as mãos. Coloca-se na frente do banquinho.
– Ela tem um som muito vibrante – explica-me. – Eu a uso para marcar os tempos. Três toques leves antes de iniciar, outros três no fim, para indicar que o tempo do silêncio terminou.
Ela tira os sapatos e toma de novo o seu lugar.
– Fique à vontade, Paolo. Não fique rígido. É importante que o corpo esteja cômodo. Estamos aqui para viver um momento de abandono.
– Abandono? Devemos nos abandonar a quem, a quê?
– Ao Espírito Santo criador que nos permeia, ao seu abraço que nos contém. É como um útero materno que nos acolhe. Aqui, você deve trazer tudo o que você é. Os seus pesos, os seus sofrimentos, a sua vida, as alegrias, as dores. As relações que você tem, as pessoas que ama. A sua parte consciente, mas também a inconsciente. A luz do Espírito tudo vê, penetra, regenera. Até mesmo as feridas profundas, aquelas que escondemos até de nós mesmos. Se quiser, pode nomear alguém ou falar sobre certas situações de modo explícito ou somente evocá-las no coração, onde permanecem guardadas, porque o coração é o lugar da memória. Você pode não dizer nada, ficar aqui, nesta presença amorosa.
Para ser sincero, eu esperava receber indicações precisas sobre como sentar, sobre como respirar. Mas não. Isso me deixou um pouco ansioso. Talvez Antonella percebeu e retomou o seu discurso para me tranquilizar.
– Alguns têm dificuldade para se expressar e aprendem a se ouvir interiormente. Alguns logo sentem a necessidade de falar. Alguns, no início, não conseguem dizer nada; depois, pouco a pouco, se abrem. As reações são diferentes. O importante é perceber que o silêncio é habitado pelo Espírito Santo, que envolve, escava, redesperta a nossa centelha interior.
Eu escuto com atenção. No começo, não sabia o que dizer. Tenho feridas, mas eu as sinto confusas.
Antonella está sempre de joelhos. Lentamente, inicia o canto de invocação ao Espírito Santo; ela me convida a repeti-lo com ela, mas não me sinto à vontade.
Ela fecha os olhos, a cabeça um pouco inclinada para um lado.
– Ruah Elohim, Ruah Elohim...
"Espírito de Deus", em hebraico. Ela repete aquelas palavras várias vezes. Vibram na sala como um mantra e, vibrando, penetram no corpo e na alma. A voz passa de tons graves para tons mais agudos, tocando aquilo que encontra fechado, abrindo, dilatando. Depois, torna-se cristalina como o som de uma corda bem esticada que se espalha por longos instantes. Parece que está chamando alguém ou algo que mora longe.
O canto desaparece, morre lentamente.
Permaneço imóvel, mas estou contraído, não consigo me abandonar. Não estou acostumado a momentos de silêncio tão longos e intensos. Gostaria de sair, respirar ar puro.
Pouco a pouco, eu me aquieto. Percebo a minha respiração, o coração que bate. Depois de pouco tempo, aflora uma imagem distante. Ela remonta, do profundo, o meu rosto de criança. Entrevejo nos olhos inocentes o sonho que, desde pequeno, eu trago no coração. Ele ainda está vivo, e eu compreendo que nunca fiz seriamente as contas com ele.
É estranho que ele se reapresenta justamente aqui. Na pustinia, ele abre espaço com força. A imagem sou eu, é o rosto mais secreto de mim mesmo.
Antonella reabre os olhos, levanta a cabeça.
Um forte necessidade de falar me leva a contar o meu sonho. Consigo dar-lhe voz, nomeá-lo, libertando-o um pouco da névoa que o envolvia, mas são apenas poucas palavras. Não sei decifrar bem as emoções, as sensações, não acrescento nada mais.
Antonella me olha e sussurra: "É preciso confiar nas intuições que brotam do silêncio. O Espírito fala no coração quando as vozes exteriores se aquietam".
Permanecemos em silêncio ainda por alguns minutos. Depois, ela me entrega o Evangelho e me convida a abri-lo. "Agora, se você quiser, pode ler o trecho que lhe cair debaixo dos olhos. O silêncio fala através das Escrituras. Vejamos o que ela tem a lhe dizer".
Eu folheio algumas páginas até que o meu olhar se detém no Evangelho de Marcos, capítulo 13, versículos 28 e 29.
"Aprendam, portanto, a parábola da figueira: quando seus ramos ficam verdes, e as folhas começam a brotar, vocês sabem que o verão está perto. Vocês também, quando virem acontecer essas coisas, fiquem sabendo que ele está perto, já está às portas."
Logo eu penso que o verão está perto. Que o meu sonho está ganhando corpo. Não é mais uma imagem evanescente, eu o nomeei, encontrou um lugar na minha consciência. Está amadurecendo em mim o anseio conservado na alma.
Recolhemo-nos novamente. Uma doce esperança abre espaço dentro de mim, eu começo a acreditar com confiança que o meu sonho logo se tornará realidade. Eu teria outras coisas para fazer emergir.
Eu as sinto se moverem, se agitarem. Como se esses longos minutos de silêncio tivessem feito uma tampa saltar. Eu percebo uma massa escura que gostaria de sair para se dar a conhecer, mas eu me aplaco; por hoje, pode ser suficiente.
Não penso em mais nada. Sinto a paz dentro de mim.
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O som do silêncio que não sabemos mais ouvir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU