12 Julho 2016
Ao nomear Greg Burke para ser o seu porta-voz, o Papa Francisco conseguiu três coisas: desfazer a imagem de que ele seria antiamericano; mostrar que a competência importa; e sinalizar uma abertura a grupos vistos como conservadores. E, como bônus, Francisco chamou também uma mulher para ser a número 2 de Burke.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 11-07-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ainda que não tenha saído vencedor da NBA deste ano, Steph Curry, jogador do Golden State Warriors, teve uma temporada individual de dar inveja, acertando, mais do que todo mundo, muitas cestas de três pontos. Aqui, Curry teve mais acertos num ano do que a maioria das equipes na história da NBA, acertou mais lances de três do que grandes lendas do basquete.
Na segunda-feira, o Papa Francisco teve o seu “momento Steph Curry”, marcando três pontos numa única jogada ao nomear Greg Burke para substituir o Pe. Federico Lombardi para ser o seu principal porta-voz e diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé.
Francisco também nomeou uma leiga, Paloma Garcia Ovejero, que antes foi correspondente para Roma e o Vaticano da emissora espanhola COPE, para ocupar o posto número 2 na Sala de Imprensa, instantaneamente fazendo dela uma das funcionárias com maior visibilidade do Vaticano. Nunca uma mulher leiga havia ocupado este cargo.
As duas nomeações entram em vigor no dia 1º de agosto.
Ainda que haja inúmeros cargos no Vaticano que exercem um poder real maior, poucos são mais publicamente vistos do que o de porta-voz papal. Em grande parte da era Papa Bento XVI e nestes primeiros anos do papado de Francisco, Lombardi foi a figura mais citada no catolicismo, perdendo somente para os papas para quem ele trabalhou.
Consequentemente, este sacerdote acabou desempenhando um papel grandemente importante na modelagem das percepções públicas da Igreja.
Em uma palavra, o porta-voz do papa é uma figura importante – talvez nem sempre para o estabelecimento de políticas, mas certamente na forma como elas são compreendidas e recebidas.
Ao escolher Burke, de 56 anos, Francisco conseguiu realizar três coisas de uma só vez.
Primeiro, ajudou a dissipar as percepções de que ele seria antiamericano. É bem sabido que Francisco nunca havia viajado para os Estados Unidos antes de sua visita papal em setembro de 2015; é bem sabido que grande parte das críticas estridentes que ele vem atraindo desde que foi eleito advém dos círculos americanos; e é bem sabido que a sua zona de conforto define-se, também em grande parte, pelos falantes do espanhol e do italiano.
Até o momento, Francisco nunca havia se virado para um americano ao nomear alguém para um posto verdadeiramente significativo no Vaticano, e quanto mais esta falta se prolongava, mais se tinha a impressão de que o pontífice havia imposto a regra: “Americanos não estão aptos a se candidatarem”.
Natural de St. Louis, Burke é um americano em todos os sentidos. Verdade seja dita, ele passou a maior parte de sua vida adulta em Roma, fala várias línguas, é bastante viajado e um cidadão do mundo. Mas a sua personalidade e aparência são inquestionavelmente americanas.
Ao nomear Burke para um dos postos de maior visibilidade no Vaticano, Francisco conseguiu se proteger de quaisquer impressões contra ele de que os americanos não possuem um lugar relevante em sua Igreja.
Segundo, Francisco igualmente demonstrou que a competência importa na hora de fazer escolhas para cargos no Vaticano.
Burke veio a Roma como jornalista para trabalhar para alguns meios de comunicação católicos, o que lhe rendeu um profundo entendimento da coisa. Por ser excepcionalmente talentoso, no entanto, rapidamente ele acabou trabalhando para grandes empreendimentos: a revista Time e, depois, para a Fox News.
Este retrospecto significa que Burke tem uma compreensão interna da dinâmica dos meios de comunicação e que fala a linguagem dos jornalistas profissionais.
Ele foi contratado pela Secretaria de Estado do Vaticano em 2012, assumindo, em fevereiro deste ano, o cargo de número 2 da Sala de Imprensa da Santa Sé. Hoje, nos altos postos do Vaticano não há cargo melhor do que este para se relacionar com a imprensa.
A propósito, uma observação semelhante poderia ser feita quanto a Garcia, jornalista experiente, bem-quista e bem-respeitada no Vaticano, pessoa que traz uma enorme boa-vontade para o posto.
Nesse sentido, Francisco irá receber os créditos por nomear as pessoas certas para os cargos certos.
Terceiro, Burke é membro do Opus Dei – na linguagem da própria organização, ele é um numerário, que significa que ele é uma pessoa leiga que, não obstante, vive uma vida celibatária. O Opus Dei é um grupo católico tipicamente visto como conservador. Pelos padrões convencionais, o posicionamento político pessoal de Burke (o que, aliás, nunca interferiu em seu trabalho) provavelmente seria melhor descrito como de centro-direita.
Numa época em que alguns consideram o Papa Francisco um progressista que está evitando nomear conservadores para cargos importantes, esta nomeação vai contra tais estereótipos e convida analistas a ponderar sobre se, para o papa, o que mais importa, em última instância, é a qualidade da pessoa ou a sua ideologia.
Por fim, aos que têm boa memória, haverá uma tendência natural de ver Burke como uma versão “2.0” de Joaquin Navarro-Valls, leigo da Opus Dei que serviu como porta-voz do papa durante grande parte dos anos de João Paulo II.
Embora haja uma certa lógica nesta comparação – além de serem do Opus Dei, ambos eram também jornalistas profissionais antes de assumirem o cargo de porta-voz papal –, a verdade é que o cenário midiático que Burke tem, hoje, é completamente diferente.
O Twitter foi lançado no mesmo mês em que Navarro renunciou, em julho de 2006; o Facebook não havia ainda sido aberto para o público geral; e faltavam quatro anos para o Instagram nascer.
E mais: Navarro e Burke estão servindo papas muito diferentes, numa situação global muito diversa.
Se há algo realmente em comum é que tanto um quanto o outro tiveram o respeito dos colegas jornalistas em Roma antes de cruzar a rua para trabalhar para o Vaticano, o que quer dizer que ambos trazem um tipo de credibilidade que não é fácil de se conquistar.
E aqui está o bônus decorrente da nomeação que Francisco fez esta semana: ambos são leigos numa instituição tradicionalmente dominada pelo clero.
De fato, leigos já ocuparam estes postos antes, mas nunca uma mulher, o que faz da escolha de Garcia, em particular, um divisor de águas. Para um papa cujas advertências contra os perigos do clericalismo tornaram-se um mote bastante presente, este é um caso onde Francisco está agindo de acordo com o que diz.
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Francisco consegue três feitos ao nomear porta-voz americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU