06 Julho 2016
Da revista “Civiltà Cattolica” de 9 de julho próximo antecipamos amplos trechos do artigo de Diego Fares, jesuíta, sobre o retiro espiritual que no dia dois de junho passado, por ocasião do jubileu dos padres, o Papa Francisco orientou pronunciando três meditações, cada uma numa grande basílica romana.
Os trechos são publicados por L’Osservatore Romano, 05-07-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o texto.
Quando Santo Inácio, como superior geral da Companhia de Jesus, dava exercícios a várias pessoas, se dirigia ele próprio a cada lugar para propor as meditações aos exercitantes, os quais se encontravam em diversas partes de Roma. Este sair e caminhar de Francisco tem sido um modo de combinar sabiamente a dimensão da presença e daquela virtual, e de fazer sentir um mesmo espírito de comunhão àqueles que estão próximos e àqueles que estão distantes, na mesma cidade ou em outras partes do mundo.
O Papa o disse claramente no início: “Creio que nos fará bem orar uns pelos outros, em comunhão. Um retiro, mas em comunhão, todos”. Podemos encontrar uma chave de leitura deste evento na concepção que Santo Inácio tinha dos exercícios espirituais. Numa carta a Emmanuele Miona, na qual lhe recomendava fazer os exercícios, ele escrevia: “Os exercícios são o melhor que eu nesta vida possa pensar, sentir e compreender, seja para o progresso espiritual de uma pessoa humana, seja pelo fruto, a ajuda e o progresso com respeito a muitos outros”. Neste espírito de compartilhar o melhor que se tem e de oferecê-lo como um presente, o gesto do Papa de propor pessoalmente estes exercícios manifesta a sua predileção pastoral pelos sacerdotes, enquanto pessoas e enquanto pastores do povo fiel de Deus.
As meditações de Francisco não têm sido lições: têm sido contemplações em voz alta, que sempre fizeram sentir a todos esta vizinhança e este afeto do Papa para com os seus sacerdotes. Assim se criou aquele ambiente “materno-eclesial” de que fala a Evangelii gaudium e que se obtém “mediante a proximidade cordial do pregador, o calor do seu tom de voz, a mansuetude do estilo de suas frases, a alegria dos seus gestos” (140).
No coração do retiro tem estado esta beatitude formulada por Jesus. “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles encontrarão misericórdia” (Mateus 5,7). O Papa convidou a decliná-la, forçando a linguagem. “Misericordiar para ser misericordiados”. Para esta meditação ele escolheu a passagem central da parábola do pai misericordioso (Lucas 15, 1-31), o momento no qual o filho pródigo se sente sujo e revestido com o hábito festivo, e convidou a imaginá-lo recitando com ele o Salmo 50.
Na segunda meditação, um breve texto - aquele do odre novo (Lucas 5, 37) como receptáculo da misericórdia – serviu ao Papa para uma variegada contemplação de santos antigos e atuais (e até de personagens literários, como aquele do Diário de um curato de campo) para chegar, enfim, a orar com Nossa Senhora – receptáculo privilegiado da misericórdia – através do Magnificat.
O terceiro texto escolhido foi aquele da pecadora perdoada (Jo 8, 3-11), ao qual Francisco acrescentou as passagens conclusivas dos quatro evangelhos, lidos na chave de um Evangelho que se concentra sobre o praticar as obras de misericórdia no espírito de Mateus, 25.
A relação entre misericórdia e liberdade talvez tenha sido a ideia mais sugestiva expressa pelo papa Francisco. Ele subtrai a misericórdia daquele ambiente de sentimentalismo em que de sólito é encerrada e a coloca num nível mais alto. A misericórdia comporta um juízo agudamente racional, capaz de discernir a miséria moral, e implica também a livre decisão de ajudar além de quanto é justo. Esta conduta nos faz assemelhar-nos ao Pai misericordioso em sua suprema e sábia liberdade.
Entre as imagens mais fortes usadas pelo Santo Padre estão aquelas do filho pródigo, sujo e vestido para festa, do aguilhão de Paulo, que o Senhor não lhe tirou, e que para ele era o receptáculo da misericórdia, a comovente imagem dos pés de Pedro, que não quis morrer com a cabeça para cima – como se dissesse: “Aprendi a lição” – e solicitou que lhe pusessem para cima os pés lavados pelo Senhor como receptáculo da misericórdia.
É a imagem simpática de padre Cullen que, no confessionário, para não parecer “ocupado”, ajustava velhos balões de couro com que atraía a atenção daqueles que o viam “sem ter nada a fazer” e, conversando, acabava por confessá-los; era a imagem exemplar do confessor beneditino de Buenos Aires que pedia perdão ao Senhor por haver “perdoado muito” e dizia a Jesus que porém era culpa sua, porque lhe havia dado o exemplo.
E as famosas “bastonadas” do Papa Francisco? No final dos exercícios, ele disse: “Escutei certa vez comentários dos sacerdotes que dizem: “Mas este Papa nos bate demasiado, nos repreende”. E alguma bastonada, alguma reprimenda existe. Mas, devo dizer que fiquei edificado por tantos sacerdotes, tantos padres corajosos”. E deu logo um exemplo: “Daqueles – eu os conheci – que, quando não existia a secretária telefônica, dormiam com o telefone sobre a mesinha de cabeceira e ninguém morria sem os sacramentos; chamavam a qualquer hora e eles levantavam e iam atender. Bravos sacerdotes!”.
Francisco elogia os sacerdotes pela sua disponibilidade para serem despertados, pela sua disponibilidade de sair para ocupar-se com quem chama. O critério são os outros, o que me ajuda a sair de mim mesmo para ir em direção aos outros. O que combate o comodismo, a vaidade e a mundanidade espiritual não é um ascetismo auto referencial, mas a referência às “crianças que morrem de fome”, ao enfermo que chama. E o Papa vê este sair de si como fonte de verdadeira alegria.
As suas “bastonadas” e os seus elogios vão na mesma direção: fazer os pastores saírem para a vida verdadeira que o bom pastor lhes dá afim de que a comuniquem à sua grei. É importante esta perspectiva da Igreja em saída. Ela faz compreender as palavras do Papa de maneira diversa se uma censura me impele a sair, se me inquieta para o bem, não para defender-me ou para procurar justificar-me, mas para despertar-me do sono da comodidade e par ir a pastorear a minha grei, abençoado seja. Dizer: “Este Papa bate nos padres”, sem acrescentar nada, é “meia verdade”. De fato, há bastonadas que paralisam, que submetem a maus tratos e jogam a pessoa sob a culpa, e há, ao invés, bastonadas que põem em movimento, que impelem a sair, a despertar-se, a não permanecer na comodidade.
Nota da IHU On-Line:
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Nas meditações do Papa aos padres durante o retiro espiritual para o ano santo. Nada a ver com reprimendas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU