28 Junho 2016
Cameron recusa-se a tomar decisões e atira tudo para o seu sucessor, que, no melhor dos casos, só será conhecido em Setembro. Corbyn está imobilizado pela contestação interna, mas promete não ir a lado nenhum.
A reportagem é de Félix Ribeiro, publicada por Público, 27-06-2016.
Muito do que é hoje o vazio de liderança no Reino Unido ficou demonstrado na primeira sessão parlamentar depois do voto pela saída do país da União Europeia. De um lado e do outro, nas bancadas trabalhista e conservadora, estavam dois dirigentes sem poder real: David Cameron, porque se demitiu assumindo o falhanço da campanha pela permanência, e Jeremy Corbyn, amarrado pela revolta aberta no seu partido. O primeiro passou a sessão a atirar decisões de grande monta para um futuro primeiro-ministro; o segundo foi incapaz de falar com autoridade. Quando Corbyn agradeceu os contributos de Cameron nos seus seis anos de poder, disse-lhe também que antecipava novos debates nos próximos meses. A sua própria bancada explodiu em riso.
O Reino Unido navega por águas agitadas e não parece ter ninguém ao leme. Esta segunda-feira, Cameron não foi para além de anunciar a formação de um comité de especialistas, a quem caberá preparar a saída do bloco europeu e aconselhar o próximo primeiro-ministro, que os conservadores só vão designar dia 2 de Setembro — e isto se não se convocarem eleições antecipadas, uma das muitas decisões que Cameron empurra para o seu sucessor. Em Westminster também não se avistaram Boris Johnson ou Michael Gove, que, como as duas grandes caras do movimento pela saída, poderiam responder às perguntas a que Cameron — novamente — disse não ser capaz de dar resposta, como a promessa de transferir 350 milhões de libras semanalmente para o Serviço Nacional de Saúde.
Mas até Cameron teve espaço para respirar livremente em comparação com Jeremy Corbyn, que entre domingo e esta segunda-feira perdeu quase dois terços do seu governo-sombra, em protesto aberto contra a sua liderança. A manhã foi uma cascata de notas de demissão, quase todas publicadas nas redes sociais como forma de pressão sobre o líder trabalhista, que foi costurando a sua equipa com substitutos de última-hora, muitos dos quais se sentaram esta segunda-feira pela primeira vez no nível principal da bancada em Westminster. A revolta que arrancou no domingo com a demissão do deputado Hilary Benn engrossou à proporção de golpe, que será resolvido nos próximos dias. “E eu a pensar que estava a ter um mau dia”, atirou David Cameron no início da sessão.
Jeremy Corbyn enfrenta enfim a oposição que sempre existiu no grupo parlamentar trabalhista e nas elites do partido. A ala moderada julga-o demasiado à esquerda para vencer eleições e aproveita agora a falta de ênfase de Corbyn durante a campanha pela permanência para disputar abertamente a sua liderança. Na terça-feira o grupo parlamentar trabalhista vota uma moção de censura, que, apesar de não ser vinculativa, permitirá saber se o grupo anti-Corbyn conta com o apoio dos 50 deputados necessários para abrir um processo de eleições internas. Os media avançam que o círculo mais próximo do líder já se prepara para a disputa. Apenas nove meses depois de ter sido eleito líder do partido, o socialista insiste em dizer que não vai a lado nenhum.
“O país não agradece à bancada diante mim, ou a que está atrás, por se permitirem neste momento a manobras internas e facciosas”, disse Corbyn, ainda em Westminster, numa invulgar crítica ao seu próprio grupo parlamentar. Encontrou-se pouco depois com os seus opositores numa reunião à porta fechada, mas suficientemente agitada para que os jornalistas no lado de fora dessem conta da acrimónia, que acabou por verter para os corredores do Parlamento. “Ouço uma montanha de gritaria na reunião dos deputados trabalhistas”, escrevia a correspondente da BBC no local, Vicky Young. E Tamara Cohen, da Sky News, também no Twitter: “Concurso de gritos no corredor entre o porta-voz de Corbyn e John Woodcock [deputado]. Drama.”
Mas enquanto isto se passava nos corredores do poder, manifestantes trabalhistas reuniam-se nos jardins, preparando um protesto em defesa de Jeremy Corbyn, que, sabe que é adorado pelas suas bases e pelos sindicatos mais importantes e que estes podem ser suficientes para sobreviver na liderança. Foi deles que há nove meses recebeu quase 60% dos votos e é com eles que o líder trabalhista conta em caso de novas eleições internas, a que Corbyn tenciona candidatar-se novamente, como voltou a afirmar esta segunda-feira. “Existe o espírito da esperança ou o espírito do desespero. Qual é que nós somos?”, lançou Corbyn aos manifestantes, optando por não fazer comentários à moção de censura.
Comentários esses que acabaram por ficar para o seu número dois, o chanceler-sombra John McDonnell, que falou nos jardins de Westminster antes de Corbyn. “O que temos assistido nos últimos dias é um número pequeno de deputados que tentam subverter as decisões democráticas dos membros do Partido Trabalhista e do movimento sindical”, afirmou. “Permitam-me deixar isto absolutamente claro: o Jeremy Corbyn foi eleito há apenas nove meses com o maior mandato que qualquer líder político conseguiu das suas bases", disse, com uma promessa: "Não vamos a lado nenhum. Continuaremos juntos e em solidariedade, para garantirmos que mantemos a democracia do nosso movimento e para garantir que o Jeremy Corbyn continua a ser o líder."
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O Reino Unido navega por águas agitadas sem Governo nem oposição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU