24 Junho 2016
Quando os alunos do Colégio Estadual Julio de Castilhos entregaram, por volta das 15h40 desta quinta-feira (23), as chaves da escola para representantes da Secretaria de Educação (Seduc), encerrou-se, ao menos simbolicamente, o processo de ocupações de escolas no Estado. Um processo que iniciou no dia 11 de maio, quando secundaristas assumiram o controle do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, que registrou ameaças de invasões das escolas, a ocupação do saguão da Assembleia Legislativa, a desocupação violenta – com a prisão de mais de 40 alunos e de dois jornalistas – da Secretaria da Fazenda (Sefaz), e se encerra, depois de 40 dias, com os estudantes comemorando conquistas e, talvez mais importante, um aprendizado para toda a vida.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 23-06-2016.
Iniciada no dia 13 de maio, a ocupação do Julinho teve como últimos capítulos, nesta quinta-feira (23), a conclusão de um mutirão de limpeza e a subsequente entrega das chaves para a Seduc.
Originalmente, a ideia era fazer uma vistoria e um ato simbólico com a presença da direção ao meio-dia, momento em que venceu o prazo combinado com o governo do Estado para alunos do Comitê das Escolas Independentes (CEI) na última terça encerrarem as ocupações. No entanto, como a direção da escola não estava presente, mesmo após esse ato ser transferido para as 14h, alunos e professores acionaram representantes da Seduc e da 1ª Coordenadoria Regionais de Educação (CRE).
A vistoria era desejada pelos alunos para mostrar que eles estavam entregando a escola em condições semelhantes às que encontraram há 40 dias. Na visita ao colégio, Martha Menim, inspetora de ensino da 1ª CRE, pode constatar que a escola estava em “perfeitas condições”, nas suas próprias palavras, apenas com uma porta danificada e com os pisos e paredes de uma sala de aula – usada para confecção de faixas – pintados. Por outro lado, os alunos dizem que consertaram banheiros que estariam em más condições antes da ocupação.
De acordo com a 1ª CRE, todas as escolas que ainda permaneciam desocupadas por estudantes nesta quinta-feira já foram liberadas. A data para a retomada das aulas, no entanto, ainda não é certa em algumas delas, como no próprio Julinho. Representantes da direção da escola se fizeram presentes apenas quando a vistoria já estava sendo encerrada e não quiseram gravar entrevistas nem afirmar quando as aulas recomeçam.
Saldo positivo
Parte do CEI, os estudantes do Julinho aceitaram desocupar a escola nesta quinta após um acordo, firmado na última terça, de que a Seduc irá destinar R$ 135 mil para a reforma da escola, se comprometer a dar espaço semelhante para os representantes das escolas independentes e de escolas representadas por entidades estudantis – que já haviam firmado acordo na desocupação da AL – e garantir que não irá criminalizar ou apoiar a perseguição de alunos que participaram do movimento de ocupação.
No entanto, na avaliação dos estudantes, pais e professores que apoiaram a ocupação, os efeitos positivos vão além dessas conquistas, representam o florescer de um novo tipo ensino e formação estudantil que poderá começar a ser realidade nas escolas estaduais.
“Acho que o ganho maior foi o aprendizado deles. Eu estive aqui no primeiro dia de ocupação e eles eram super inexperientes”, diz Adriana Lameirão, mãe de uma estudante do 2º ano do Ensino Médio. “A maioria deles não milita nem em partido, nem em coletivo nenhum. Era a primeira ação política deles. Então eles nem sabiam direito o que fazer”.
Para Adriana, as ocupações foram um processo de “formação política na prática”. “Quando eles ocuparam, eles tinham uma pauta enorme. Aí chegou o momento que eles tinham que ter uma pauta mínima e que fosse comum a todos, se não eles não teriam condições de ir para a mesa de negociação. Eles demoraram um pouco a chegar nessa pauta mínima, talvez até pela imaturidade da idade, mas conseguiram no final das contas. Não na rapidez que o Estado queria, mas conseguiram e chegaram conscientes do que queriam. Conseguiram negociar de uma forma muito clara e objetiva com o secretário de educação”, diz. “O aprendizado que teve aqui foi um aprendizado de cidadania. E a nossa educação não ensina cidadania, ensina e prepara jovens para o mercado de trabalho, não para serem atores políticos. Hoje eles estão aptos a reivindicar os seus direitos e isso nenhuma sala de aula vai ensinar”.
Polêmicas, as ocupações estiveram no centro da discussão política no Estado nos últimos meses. Quem imaginou que secundaristas iriam sentar à mesa, repetidas vezes, com deputados e secretários de Estado? Receberam o apoio de entidades sindicais – virando exemplo para muitas -, mas também tiveram oposição ferrenha, especialmente de pais preocupados com a interrupção das aulas.
Os próprios estudantes, porém, são os primeiros a admitir que o movimento teve erros e acertos.
“De acerto, a gente teve o aprendizado, porque a ocupação é um instrumento político, é um instrumento de luta, e eu acho que o pessoal saiu bem consciente disso”, afirma Brisa Davi, presidente do Grêmio Estudantil do colégio e aluna do 3º do Ensino Médio. “De erro, a gente teve o fato de que demorou muito tempo para construir uma oposição de qualidade, uma oposição organizada. A própria ocupação do Julinho demorou para sair e ir até as escolas para organizar essa oposição”, avalia.
Brisa ainda avalia que, um ganho maior, foi o de convivência. “A gente passou 40 dias com pessoas que a gente conhecia, mas não estava acostumado a passar 24 horas por dia. Quando tu vem para um lugar que é de uso comum, onde todo mundo tem que cozinhar junto, ir para rua fazer pedágio junto, limpar junto, organizar junto, ser responsável pelas mesmas coisas, a gente aprende muito”, diz.
Emilly Borges, estudante do 1º ano Ensino Médio, também valoriza o aprendizado gerado pela convivência durante as ocupações. “[A gente aprendeu] a saber conviver com as pessoas que a achávamos que eram diferentes da gente, a saber respeitar as pessoas, a se orgulhar do colégio mais, por termos ficado aqui por um longo tempo. A gente vai aprender a valorizar muito mais o colégio e as pessoas”, diz.
Francisco Albuquerque, do 2º ano, ressalta também a importância de que, em muitas escolas, os movimentos serem independentes de partidos políticos. “Acho que vai virar um marco na história porque é legitimamente dos secundaristas, legitimamente dos alunos, uma intenção própria deles, sem nenhuma ajuda de alguém maior. Foi uma ocupação sem partido e os ganhos estão aí. Verbas estão vindo, promessas, que talvez sejam cumpridas, mas com esperanças de que sejam”, afirma.
Para eles, os ganhos não serão compartilhados apenas entre os estudantes que participaram das ocupações, mas serão levados para o restante das escolas. “[Mostrou] que todos têm voz ativa e todos tem direito de lutar pelos seus valores e pelo que acham certo ou errado. Não é uma pessoa que manda no colégio que vai ditar o que tu tem que fazer. Motrou que pessoas com ideias boas e produtivas têm direito de abrir a boca e dar sua opinião sem medo de opiniões negativas”, diz Emilly.
A professora Rosieli Melgarejo da Silva, professora de Geografia do 3º ano, acredita que essa convivência maior com os alunos, por parte dos professores que estiveram nas ocupações, e o espaço conquistado por eles com o movimento tem poder de transformar a realidade das escolas.
“Tem um ganho para a escola, para gente como professores, de aprender a ouvir eles, muito mais do que a gente acostumado a ouvir. A gente tem o monopólio da palavra e fica falando o dia inteiro, escuta muito pouco eles. Então, aprendemos muito a escutar, a conhecer as necessidades deles” , diz a professora. “Nunca tivemos tempo para nos conhecermos. Então, eu acho que uma outra escola vem depois da ocupação, muito mais humana. Eles sabendo que não é só um professor, é um ser humano com ‘n’ dificuldades. A gente sabendo que também tem um aluno ali com ‘n’ dificuldades. Essa proximidade, para quem vivenciou a ocupação, eu tenho certeza que traz a certeza de outra escola depois disso”.
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Saída do Julinho marca fim das ocupações no Estado: "outra escola vai surgir" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU