22 Junho 2016
Umberto Eco tinha um intenso interesse por um fascinante autor medieval, contemporâneo de Dante, Ramon Llull (retratado por Riccardo Anckermann na imagem acima, século XIX). Nascido em Palma de Maiorca em 1232, Llull faleceu a bordo do navio que o levava de volta para a pátria a partir de Túnis, no dia 29 de junho de 1316.
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 19-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a morte de Umberto Eco, alguns jornalistas, conhecendo o vínculo de amizade que me unia a ele quando eu vivia em Milão e as suas frequentações à Biblioteca Ambrosiana que eu dirigia na época, me perguntaram sobre os conteúdos dos nossos diálogos. Na verdade, muitos temas eram evidentes, começando por Tomás de Aquino, que tinha sido o tema da sua tese de doutorado e que estava presente naquela biblioteca com um importante autógrafo da Summa contra gentes, passando pela Bíblia e por questões mais específicas de corte cultural e religioso, na consciência da sua matriz cristã e da sua extraordinária curiositas eclética que eu compartilhava com ele.
Surpreendente para os entrevistadores tinha sido, no entanto, a minha sinalização do intenso interesse de Eco por um fascinante autor medieval, contemporâneo de Dante, Ramon Llull, nascido em Palma de Maiorca em 1232 e falecido a bordo do navio que o levava de volta para a pátria a partir de Túnis, no dia 29 de junho de 1316, portanto, há 700 anos (e recentemente relembrado nestas páginas por Maria Bettetini, para uma edição também digital das suas obras).
Pois bem, Eco era apaixonado por esse autor, do qual a Ambrosiana possui vários códices que transmitem os seus múltiplos escritos, e a atração nascia justamente da versatilidade irrefreável desse escritor catalão, dotado de uma mente genial e insaciável, da sua abertura ao diálogo inter-religioso, especialmente com o Islã, da sua criatividade desenfreada e da inquieta existência que o levara até a abandonar a sua família, a esposa Blanca Picany e os dois filhos, a ponto de ser denunciado por abandono do teto conjugal.
A partir daquele momento, a sua vida foi um itinerário incessante: se tentarmos ler uma biografia dele, ficamos tontos seguindo o mapa das suas viagens de Maiorca para Paris, de Montpellier para Roma, de Gênova para Túnis, de Nápoles para Chipre, da Argélia para Pisa, de Viena para Messina, e assim por diante, em uma rede reiterada de retornos e partidas.
Na raiz dessa peregrinação ininterrupta, sinal exterior do movimento cultural e espiritual infinito da sua alma, havia a experiência noturna de 1263 com o encontro místico – através de cinco aparições – com o Cristo crucificado, que o tinha enviado como missionário de luz e verdade ao mundo, no rastro de São Francisco, mas também dos místicos muçulmanos dervixes.
A partir daquele momento, a versatilidade da sua mente lhe permitiria escrever uma pequena avalanche de textos em árabe, em latim e em catalão. Nesta, que era a sua língua materna, ele compôs aquela joia que é o "Livro do amigo e do amado", 357 versos (embora no prólogo Ramon afirme ter querido dividi-lo "em tantos versos quantos são os dias do ano") de escrita mística e filosófica.
Quem apresenta uma tradução muito límpida dele, agora, é Federica D'Amato, mas quem compõe a premissa hermenêutica é um dos maiores filósofos espanhóis contemporâneos, o catalão Francesc Torralba Roselló, um pensador refinado e "sintônico" com o seu grande compatriota (o costume de encontros e leituras que eu tenho com ele me confirma constantemente a criatividade da sua pesquisa e a sua proximidade ideal a Llull).
Mas passemos agora para estas páginas, poucas, mas fulgurantes, publicadas muitas vezes como autônomas, mas destinadas a serem inseridas em um "romance" mais amplo, o Blanquerna (de forma mais completa, Llibre d’Evast e Blanquerna), de arquitetura complexa e que tem como protagonista um papa que se retirou para uma vida contemplativa. A língua catalã, que ainda estava no berço, já conseguia revelar a sua originalidade, manifestando-se em toda a musicalidade e o frescor do fato de ainda ser primordial e, portanto, dotada de uma qualidade quase experimental.
Como o título diz, o coração da obra está na relação do amigo, ou seja, do cristão, com o amado, que é Deus: a metáfora amorosa que serve de trama simbólica é, obviamente, alimentada pela Bíblia (quem não conhece o Cântico dos Cânticos?), mas também pela lírica trovadoresca, com enxertos da poesia franciscana (Jacopone da Todi), da mística agostiniana e até da tradição sufi. O amor que rege esse abraço entre a alma e Deus/Cristo não é, porém, um mero sentimento: uma sequência ampla de versos analisa, de fato, as três potências do ser humano – intelecto, vontade e memória – no seu salto amoroso no abismo de luz que é o Criador.
Essa ascensão ao infinito e o transcendente, sem abandonar o rigor de uma busca racional e espiritual, é delineada através do recurso a uma panóplia simbólica policromada. Toda a natureza vegetal e animal está envolvida, a água assume o seu significado catártico e refrescante, o cativeiro do amor leva para a luta, mas também para o abandono no leito do amor, a roupa adquire um valor alegórico, e assim por diante.
Mas, acima de tudo, é a estrada que assume um valor arquetípico, porque ela é a filigrana da peregrinação das coisas visíveis ao Invisível e Inefável divino. Torralba comenta: "As vias através das quais o amigo busca o seu amado são diversas, longas e perigosas. Entre estas, encontramos a vegetativa, a sensitiva, a da imaginação, da inteligência e da vontade. As estradas são inversamente proporcionais à intensidade do amor. Quanto mais são amplas, simples e cômodas de percorrer, mais o amor é 'estreito'. Assim, quanto mais são estreitas e desconfortáveis, mais o amor se faz largo. É preciso se livrar de todo o peso dos bens, dos prazeres e das preocupações materiais para marchar leves na via do amor".
Nessa ciência do amor, que é um dos capítulos fundamentais da mística e da própria teologia, muitas são as leis e os conhecimentos necessários, assim como os exercícios interiores e as opções éticas. A meta final, porém, é simples e única, luminosa e gloriosa, e é uma experiência existencial destinada a exaltar as extraordinárias potencialidades da alma.
Por isso, a leitura dos versos lullianos é aberta para todos, crentes ou pessoas em busca de um além e de um outro que esteja além do nosso limite, mas que esteja disponível ao encontro. E o destino é definido deste modo por Ramon no verso 204: "Amor, amar, amigo e amado se uniram tão no amado a ponto de se tornarem um só ato em uma só essência. E, mesmo que o amigo e o amado sejam diferentes, eles concordam sem qualquer contradição essencial".
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Ramon Llull e o seu Eco. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU