16 Junho 2016
"É praticamente uma guerra. As estradas estão fechadas, carros da Polícia Militar queimados, fazendeiros rondando os índios".
O relato do indígena Eliel Benites à BBC Brasil descreve a situação na manhã desta quarta-feira (13) na fazenda Ivu, a 20 km de Caarapó (MS), cenário de conflito entre ruralistas e indígenas que deixou um índio morto e ao menos seis feridos.
Índios guarani-kaiowá entraram na fazenda no último domingo – eles reivindicam a área como terra tradicional indígena.
Dois dias depois, cerca de 70 produtores rurais e funcionários cercaram o local e atacaram o acampamento montado pelos índios, que somava cerca de cem pessoas.
A reportagem é de Thiago Guimarães, publicada por BBC Brasil, 15-06-2016.
Em resposta ao que apontam como cobertura da Polícia Militar ao ataque, os índios dominaram uma equipe da PM que foi até o local após o confronto, incendiaram um carro, agrediram policiais e tomaram suas armas.
Índio guarani-kaiowá mostra ferimento de bala que teria sido provocado por ruralistas no Mato Grosso do Sul Cimi/Divulgação |
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio) e ONGs de defesa da causa indígena, o confronto causou a morte do agente de saúde Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, 26, e ferimentos em outros cinco índios adultos e uma criança.
Ruralistas de Caarapó confirmam que produtores participaram da ação contra os índios, mas negaram o uso de armas de fogo.
"Esse indígena não morreu durante o conflito, e não houve tiros. Acreditamos que ele tenha morrido dentro da própria aldeia", disse à BBC Brasil Sílvia Ferraro, diretora do Sindicato Rural de Caarapó.
Estopim do conflito
A fazenda Ivu é uma das propriedades que formam a chamada Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, área de 55,6 mil hectares (cerca de um terço da cidade de São Paulo) no sul de Mato Grosso do Sul.
A terra indígena é uma das que tiveram o processo de homologação acelerado pela presidente afastada Dilma Rousseff nas últimas semanas antes da votação do impeachment na Câmara - medida que setores da imprensa interpretaram a medida como gesto em busca de apoio de movimentos sociais.
Fica também localizada no entorno da aldeia Caarapó-Te'ýikue, área de 3,5 mil hectares em que os guarani-kaiowá foram realocados pelo extinto SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no início do século 20.
Ocupantes históricos da região, os índios passaram a ser expulsos no século 19, com o avanço da colonização. Após a Constituição de 1988, que reconheceu os direitos dos índios sobre terras tradicionalmente ocupadas por eles, passaram a se mobilizar pela demarcação.
Para produtores rurais da região, a medida de Dilma acirrou os ânimos em uma área já conturbada. "É um clima de desespero e total insegurança. são terras escrituradas", disse Ferraro.
Índio guarani-kaiowá mostra balas encontradas na área onde ocorreu o conflito entre índios e ruralistas no interior do Mato Grosso do Sul Hélio Freitas/CampoGrandeNews |
A antropóloga Tatiane Klein, do ISA (Instituto Socioambiental), acompanha o conflito na região e diz que o governo não pode ser responsabilizado por cumprir seu papel de dar sequência a processos de demarcação de terras indígenas.
"E a estratégia dos guarani-kaiowá de realizar retomadas é histórica, porque simplesmente não aguentam mais esperar", afirmou Klein.
No caso da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, o despacho do presidente da Funai publicado um dia após o afastamento de Dilma seria ainda parte da primeira fase do processo de homologação, formado por identificação, declaração e homologação propriamente dita.
Cenário de guerra
"O caso de Caarapó representa, em escala dramática, conflitos idênticos que ocorrem de outras formas na região", disse a antropóloga do ISA.
Em agosto do ano passado, por exemplo, um índio guarani-kaiowá de 24 anos foi morto no momento em que proprietários rurais tentavam retomar uma fazenda na cidade de Antônio João.
Em 2013, o corpo de um adolescente guarani de 15 anos foi localizado em uma estrada no entorno da aldeia Caarapó - um fazendeiro confessou o crime, segundo a Polícia Civil do Estado.
No confronto recente, a tensão se agravou porque os índios dominaram e agrediram uma equipe da Polícia Militar que chegou ao lugar após o conflito.
Segundo a Secretaria da Segurança do Estado, três PMs foram rendidos, agredidos e tiveram três pistolas calibre .40, uma escopeta calibre 12 e três coletes roubados.
A secretaria nega que a PM tenha dado cobertura à ação dos fazendeiros. Diante do agravamento da situação, o governo de Mato Grosso pediu apoio da Força Nacional de Segurança.
A Polícia Federal está na área conflagrada nesta quarta-feira e tenta negociar com os índios a devolução das armas.
"Os índios estão com uma arma que pode derrubar até helicóptero e querem que a morte no conflito seja investigada, mas a PF quer as armas, por isso está tudo muito tenso", afirmou à BBC o guarani-kaiowá Eliel Benites, que vive na aldeia Caarapó e é professor na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
A ONG Survival International disse ver o ataque desta semana como parte de uma "escalada de tentativas de poderosos interesses do agronegócio local – fortemente ligados ao recém-estabelecido governo (federal) interino – para expulsar ilegalmente os guarani de sua terra ancestral e intimidá-los com violência genocida e racismo".
"O governo tem que fazer mais para acabar com essa onda de violência. Está levando a assassinatos", disse, em nota, o diretor da ONG, Stephen Corry.
A reportagem entrou em contato com a Funai, mas até a publicação desta reportagem ainda não havia obtido resposta a questionamentos sobre o conflito em Mato Grosso do Sul.
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Guarani-kaiowá x ruralistas: o que provoca "guerra" que matou um índio no MS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU