16 Junho 2016
“O jogo não é de soma zero, mas é ingenuidade pensar que só haja perdedores”, assevera Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS, em artigo publicado por Zero Hora, 16-06-2016.
Eis o artigo.
O combate ao déficit público proposto pelo ministro Meirelles assenta-se no que ele denominou “nominalismo”: manter as despesas no atual nível e reajustá- las no limite da inflação do ano anterior. A medida visa cortar a tendência de expansão real dos gastos dos últimos anos e que, com o esperado crescimento do PIB, a participação relativa das despesas caia como proporção deste. O ajuste, se realizado, não será pouca coisa. Mas, no caso de saúde e educação, há medida adicional: extinguir as vinculações legais que consagram a essas áreas uma porcentagem mínima do orçamento.
Na prática, o que isso significa? Ora, se o montante total do orçamento está “fixado” ou “congelado”, a única razão para acabar com as regras de percentual mínimo para saúde e educação é porque se pretende, explicitamente, que essas áreas percam participação no total das despesas. Em outras palavras, pagarão em dose dupla: pelo vínculo à inflação do ano anterior, como todas as outras; e pela extinção da tal regra do mínimo. Isso não só contraria o chavão dos políticos de todos os matizes, para quem demagogicamente sempre “saúde e educação são prioridades”, como do próprio presidente em exercício, que assim se manifestou em seu discurso de posse. Afronta, ademais, o pacto social da Constituição de 1988, o qual assentava que o apoio a ambas era caminho eficaz para melhorar a distribuição de renda e reverter os precários indicadores sociais.
As consequências podem ser trágicas, num país com hospitais e postos de saúde já em situação precária, onde proliferam doenças endêmicas, estudantes reivindicam as condições mais elementares para frequentar escolas, sem contar que o Brasil já está bem atrás em critérios internacionais nessas áreas, mesmo para o padrão latino-americano. Claro que a qualidade do gasto pode ser melhorada e exigida como contrapartida, mas o corte em dose dupla poderá inviabilizar alternativas para melhoria nos próximos anos. Prejuízo de longo prazo para o desenvolvimento do país. Já sabemos quem perde, mais difícil é explicitar quem ganha. O jogo não é de soma zero, mas é ingenuidade pensar que só haja perdedores.
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Dose dupla. Consequências trágicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU