Não se morre de frio, mas de especulação imobiliária e ausência do Estado

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

13 Junho 2016

Toda vez que o capeta deixa a porta do freezer aberta em São Paulo, lembro da quantidade de imóveis que têm como inquilinos ratos e baratas, visando à especulação imobiliária, enquanto há pessoas virando picolé do lado de fora. Ou gente que dorme sob temperaturas de conservar sorvete em barracos, cortiços e habitações precárias.

O comentário é de Leonardo Sakamoto, jornalista, publicado no seu blog, 11-06-2016.

O déficit qualitativo e quantitativo de habitação poderia ser drasticamente reduzido se imóveis trancados por portas de tijolos e terrenos vazios pudessem ser desapropriados e destinados a quem precisa – gratuitamente ou a juros abaixo do mercado, dependendo do nível de pobreza em questão.

Daí, quando se discute a necessidade de radicalizar os programas de moradia popular, alguém grita no fundo de sua ignorância: Tá com dó? Leva pra casa!

A frase é um clássico da internet. Proferida ad nauseam quando o tema é a dura barra enfrentada pela gente parda, fedida, drogada e prostituída que habita o burgo paulistano – locomotiva da nação, vitrine do país, que não segue, mas é seguida e demais bobagens que floreiam discursos ufanistas patéticos caindo de velhos. É só falar da necessidade de políticas específicas para evitar que o direito à propriedade oprima os outros direitos fundamentais, que pessoas vociferando abobrinhas saem babando, querendo morder.

Não é levar o povo para a casa, amigos. Mas fazer com que o poder público cumpra sua função de garantir o mínimo de dignidade a quem não pode pagar por uma. E União, Estado e município têm responsabilidade nisso.

Mas sabe o artigo sexto da Constituição Federal que garante o direito à moradia? Então, é mentira. Do mesmo tamanho daquela anedota contada no artigo sétimo que diz que o salário mínimo deve ser suficiente para possibilitar “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Ah, mas residências estão sendo construídas e o poder de compra do salário mínimo melhorou. Mas, no ritmo que estamos indo, os bisnetos da xepa de hoje terá acesso à qualidade de vida.

Função social da propriedade? Por aqui, isso significa garantir que a divisão de classes sociais permaneça acentuada como é hoje. Cada um no seu lugar. Afinal de contas, viver em uma grande cidade é lindo – se você pagar bem por isso.

Na madrugada de sexta (10), até então a mais fria do ano, uma pessoa em situação de rua foi encontrada morta na rampa de acesso da estação Belém do metrô. João Carlos Rodrigues tinha 55 anos e não apresentava sinais de violência – para além da violência representada por dormir na rua em uma noite gelada.

Mas quem se importa com um corpo pobre sem vida? Quem se importa, aliás, com o fato dos albergues não terem quantidade suficiente de vagas?

Na verdade, é só mais um a menos. O que contribui com a faxina social que já ocorre, a conta-gotas, pelas mãos do Estado ou de agentes privados. Faxina que vem para acalmar “cidadãos de bem'' que não gostam de mendigos mal-cobertos por mantas velhas ferindo o senso estético por aí, têm horror a qualquer crítica à intocabilidade da propriedade privada e querem tomar um café quentinho em seu restaurante sem se lembrar que, por nossa inação e nossas opiniões mesquinhas, somos também responsáveis pelo que acontece do lado de fora.