Por: André | 10 Junho 2016
“A migração, nestes dramáticos cenários de adversidade, representa – mais que apenas pessoas indocumentadas em mobilidade geográfica através das fronteiras internacionais – os rostos daqueles que não têm um lugar digno, nem a esperança de uma vida melhor no lugar em que vivem e nasceram; para eles, a esperança de um futuro diferente está em outro lugar, longe da permanente precariedade e ansiedade. Mais que indivíduos em situação migratória irregular, os centro-americanos em trânsito são excluídos e esquecidos, tanto em seus países de origem, como nos Estados nacionais de trânsito e destino”.
A análise é de Guillermo Castillo Ramírez, professor de licenciatura e pós-graduação da UNAM, em artigo publicado por ALAI AMLATINA, 08-06-2016. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
“O governo diz que os direitos humanos estão sendo respeitados e que todos somos iguais e que ninguém vale mais que o outro. Mas, na verdade, não é assim. Nossas vidas, dos migrantes que saem porque não têm escolha e tudo está contra nós, nossas vidas valem menos, quase nada. Veja, quantas mortes e agressões aqui na fronteira, e nada acontece. Nos não representamos nenhum interesse para eles; nos veem apenas como problemas e não como pessoas. Tratam-nos como criminosos porque saímos em busca de uma vida melhor” (Migrante centro-americano, dezembro de 2015).
“Os migrantes centro-americanos são uma das expressões mais dolorosas e graves da exclusão e da desigualdade, em Estados e sociedades nos quais o dinheiro e o poder importam mais que as vidas humanas” (Dedicado à memória de Manuel Antonio Ventura – salvadorenho morto em Tapachula no dia 10 de maio de 2016 – e aos migrantes centro-americanos em trânsito pelo México que perderam a vida na árdua jornada em busca de uma vida digna).
A migração, cadeias de exclusão e impunidade
A migração de centro-americanos em trânsito pelo México tem várias décadas e há mais de 10 anos tem proporções massivas e representa um dos processos regionais de exclusão e violência contemporâneos mais acentuados e graves da América Latina. É uma migração que se concentra, sobretudo, em torno de homens, mulheres e crianças da Guatemala, El Salvador e Honduras, e que tem diferentes causas relacionadas à desigualdade e à marginalização, e que vão desde o contexto do agravamento da pobreza e da precariedade das condições de vida relacionadas às reformas econômicas estruturais implementadas pelo neoliberalismo, até situações de violência crônica ligadas a grupos criminosos e quadrilhas – como nos casos de Honduras e El Salvador.
Por trás da migração aparecem Estados nacionais que não puderam garantir direitos sociais aos seus cidadãos, assim como a intervenção política e econômica do governo norte-americano e das multinacionais na região desde o final do século XX até o presente momento. Os migrantes, mais do que indivíduos na longa e perigosa travessia para os Estados Unidos, foram e são camponeses depauperados, jovens sem emprego na cidade, pessoas ameaçadas e agredidas por criminosos e quadrilhas, crianças e adolescentes cujos pais trabalham nos Estados Unidos.
A migração, nestes dramáticos cenários de adversidade, representa – mais que apenas pessoas indocumentadas em mobilidade geográfica através das fronteiras internacionais – os rostos daqueles que não têm um lugar digno, nem a esperança de uma vida melhor no lugar em que vivem e nasceram; para eles, a esperança de um futuro diferente está em outro lugar, longe da permanente precariedade e ansiedade. Mais que indivíduos em situação migratória irregular, os centro-americanos em trânsito são excluídos e esquecidos, tanto em seus países de origem, como nos Estados nacionais de trânsito e destino.
Nesta travessia pelo sul do México repleta de adversidades e de agressores – grupos criminosos, quadrilhas, autoridades e membros das forças de segurança do Estado mexicano –, dezenas de milhares de migrantes sofreram diversas agressões, muitos sofreram ferimentos graves e permanentes derivados dos danos e não poucos perderam a vida. Os crimes que os migrantes sofreram compreendem um amplo espectro, onde, embora o roubo e a extorsão sejam dois dos mais comuns, também tem lugar o abuso de autoridade, ameaças, abuso sexual, violações sexuais, assalto, corrupção, homicídio, intimidação, ferimentos, privação ilegal da liberdade, sequestro, suborno e tráfico de pessoas. (1)
Narrativas da indiferença e da impunidade
Desde a entrada em vigor do Programa Fronteira Sul por parte do governo mexicano em meados de 2014, o fluxo migratório não diminuiu e, em contrapartida e segundo dados da Secretaria do Governo do México, observa-se um aumento em 2015: cerca de 300 mil pessoas tentaram cruzar o México para chegar nos Estados Unidos e, deste total, as autoridades mexicanas detiveram quase 200 mil e destes deportaram cerca de 140 mil. (2) Deste modo, como assinalaram diversas organizações não governamentais e abrigos para migrantes de cunho religioso – como La 72 – o número de detenções, deportações e violações dos direitos humanos dos migrantes cresceu de maneira vertiginosa. (3)
E entre os migrantes centro-americanos já em si vulneráveis – tanto por sua situação socioeconômica e nível de educação escolar como por sua condição irregular e o desconhecimento de seus direitos humanos como pessoas em trânsito – há particularmente dois grupos sociais ainda mais suscetíveis de sofrer crimes e padecer agressões: trata-se das mulheres e das crianças, especialmente as que vão desacompanhadas. Particularmente no que se refere à migração de menores centro-americanos não acompanhados – principalmente da Guatemala, Honduras e El Salvador –, alguns meios de comunicação assinalaram que houve um aumento de 330% nos últimos dois anos e, somente no ano passado (2015), as autoridades do México deportaram mais de 14 mil crianças e adolescentes desta região do continente. (4)
Migração e violência
As novas ações governamentais no extremo sul do México que enfatizam e escoram o controle fronteiriço e as políticas de segurança não apenas não solucionaram as causas da migração centro-americana, mas de fato acentuaram a criminalização dos migrantes, contribuindo, tanto em detrimento dos direitos humanos dos centro-americanos em trânsito, como a um aumento notório da vulnerabilidade físico-emocional e socioeconômica a que já estavam expostos.
O fechamento de fronteiras não resolve o problema humanitário, nem atende às razões e causas pelas quais saem de seus lugares de origem. Pelo contrário, estas medidas apenas contribuem para postergar uma solução de fundo e contribuem para a invisibilização dos migrantes. Deste modo, estes centro-americanos, mais que ser vistos e atendidos como sujeitos que sofrem situações de precariedade material e violência estrutural, são tratados como criminosos pelas autoridades mexicanas.
Semelhantemente ao que acontece com outros grupos sociais excluídos no México, os centro-americanos em trânsito, que não têm os seus direitos humanos respeitados nem em seus países de origem nem no México, sofrem na própria carne um exercício seletivo, parcial e discrecional de lei por parte do governo mexicano; em vez de serem tratados como refugiados que, na busca de outras opções de vida, fogem de múltiplos e complexos contextos de adversidade – onde está em jogo sua vida e integridade física e um projeto de futuro digno – são tachados como infratores da lei e criminosos.
A isto, além do mais, deve-se acrescentar que, na medida em que o governo mexicano não faz valer a lei para que se castiguem os crimes contra os migrantes, propicia ambientes de impunidade e violência que permitem que o crime organizado e certos funcionários públicos lucrem com os migrantes e se aproveitem de sua situação de indefesos; de fato, possibilita-se e encoraja-se a violação dos direitos humanos destes centro-americanos.
Bibliografia:
(1) Migrantes invisibles, violencia tangible, Informe 2014. REDODEM.
(2) Cifra record de migrantes detenidos en México; casi 200 mil al cierre de 2015. La Jornada, 27 de dezembro de 2015.
(3) El programa frontera sur dispara deportaciones y riesgos para migrantes. La Jornada, 19 de outubro de 2015.
(4) En dos años aumentó 330 por ciento la migración de menores no acompañados. La Jornada, 7 de abril de 2016.
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Migrantes centro-americanos: excluídos entre os marginalizados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU