09 Junho 2016
O Brasil vive um momento crítico também na questão ambiental. A legislação ambiental do país vem sendo atacada fortemente no Congresso Nacional, inclusive com projetos que acabam com a exigência do licenciamento ambiental. O alerta foi feito nesta quarta-feira (8) pelo promotor Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, durante a audiência pública “Os agrotóxicos e a (in) segurança alimentar”, realizada no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa gaúcha. Martini citou como exemplo desse ataque a PEC 65, aprovada recentemente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que elimina por completo o licenciamento ambiental em obras públicas.
A reportagem é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 09-06-2016.
Além das já tradicionais propostas para “modernizar” e “agilizar” a legislação ambiental, tramitam também projetos propondo a mudança da designação de agrotóxicos para “defensivos fitossanitários”, o fim da rotulagem de transgênicos, a retirada de atribuições da Anvisa e do Ibama para fiscalizar esse setor, e a liberação da pulverização aérea em áreas urbanas, entre outros.
No campo fático, acrescentou o promotor, essa realidade não é diferente. “Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, vemos o uso de agrotóxicos não permitidos para determinadas lavouras, como flagramos recentemente com o uso do fungicida Mertin 400 em lavouras de arroz”. Esse produto é proibido para uso em lavoura de arroz irrigado por ser persistente no meio ambiente e altamente tóxico para organismos aquáticos. O Brasil, lembrou Martini, é o campeão mundial no consumo de agrotóxicos, com uma média de 5 litros/ano por habitante. No Rio Grande do Sul, esse consumo chega a 8 litros/ano por habitante. Cerca de 70% dos alimentos consumidos in natura pela população estão contaminados por agrotóxicos e outras substâncias. “O uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul é absolutamente indiscriminado e o poder público é totalmente ineficiente na fiscalização”, assinalou ainda o promotor.
Diante deste cenário, o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, constituído por 51 entidades, decidiu ampliar o debate sobre o tema e promover também algumas ações de fiscalização. O Fórum, em si, não tem poder de polícia, mas reúne diversas entidades que têm e elas se uniram para realizar uma série de ações que resultaram em interdição de lavouras e aeronaves de pulverização, bem como na apreensão de produtos manuseados ilegalmente ou mesmo contrabandeados. Daniel Martini relatou o resultado de uma semana de operações: 22,5 mil quilos e 1.164 litros de agrotóxicos em situação irregular; 3.500 quilos e 180 litros de agrotóxicos contrabandeados; 35 aeronaves suspensas e R$ 1.125.000,00 em multas aplicadas.
No dia 16 de maio deste ano, informou ainda o promotor, a Promotoria do Meio Ambiente da bacia do Gravataí encaminhou recomendação à Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) solicitando a criação de uma zona de exclusão de pulverização aérea na bacia do rio Gravataí. No dia 20 de maio, disse Martini, a Fepam acatou a recomendação e determinou uma zona de exclusão para pulverização aérea em toda a área do Banhado Grande. “Mas nós seguimos enfrentando muita dificuldade para trabalhar”, ressaltou o promotor. “Não temos um laboratório que nos atenda. Estamos submetidos a um processo, talvez irreversível, que está nos conduzindo a uma situação de insegurança alimentar”, concluiu.
Noedi Rodrigues da Silva, procurador do Ministério Público do Trabalho, afirmou que o panorama envolvendo o uso de agrotóxicos não tem se alterado muito e chamou a atenção para alguns números que preocupam. “Cerca de 70% dos alimentos que consumimos estão, de algum modo, contaminados por agrotóxicos. Um terço disso é de contaminações por agrotóxicos que sequer são permitidos no Brasil”. Na Europa, observou o procurador, está terminando o prazo para o uso de glifosato (30 de junho) e as autoridades da União Europeia vêm dando sinais de que não pretendem renová-lo.
Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Leonardo Melgarejo também advertiu sobre as ameaças que pairam sobre a legislação ambiental. “O Rio Grande do Sul tem a legislação ambiental mais avançada do país, mas essa legislação também está sob ameaça.
Duas subcomissões da Assembleia Legislativa estão debatendo a ‘modernização’ da legislação estadual com objetivo de adequá-la à legislação federal, que é mais atrasada que a nossa”. Melgarejo citou ainda os projetos do deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP), propondo o fim da rotulagem de produtos contendo transgênicos, e do deputado federal Covati Filho (PP) que propõe que os agrotóxicos passem a ser chamados de “defensivos fitossanitários”.
Na mesma linha, o deputado estadual Edegar Pretto (PT) destacou que a lei gaúcha dos agrotóxicos, aprovada em 1982, volta e meia é atacada por representantes do modelo agrícola de uso intensivo de agrotóxicos. Segundo essa lei, nenhum agrotóxico proibido em seu país de origem pode ser utilizado no Rio Grande do Sul. Citando a proposta de Covati Filho, propondo a mudança da denominação dos agrotóxicos, o deputado ironizou: “Daqui a pouco vão querer que a gente chame os agrotóxicos de remédio das plantas”. Edegar Pretto é autor de projetos que proíbem, no Rio Grande do Sul, a fabricação, uso e comercialização do agrotóxico Diclorofenoxiacético (2,4-D), a pulverização aérea de agrotóxicos, e que estabelece a obrigatoriedade de indicação expressa sobre o uso de agrotóxicos nos produtos alimentares.
Ana Paula Carvalho de Medeiros, Procuradora da República e coordenadora do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, citou outra proposta do projeto do deputado Covati Filho, o PL 3200/2015 que retira atribuições da Anvisa e do Ibama no processo de liberação de agrotóxicos, concentrando esse processo no Ministério da Agricultura. A coordenadora do Fórum apontou ainda os problemas envolvendo a pulverização de agrotóxicos. “O poder público tem sido completamente omisso no caso da pulverização terrestre. Na área, a legislação até estabelece alguns limites, mas a fiscalização é altamente insuficiente”, assinalou, informando que o Fórum vem trabalhando em uma proposta para um sistema de monitoramento eletrônico das aeronaves, a exemplo do que ocorre com embarcações pesqueiras.
A toxicologista Karen Friedrich, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontou um problema nos testes realizados pela indústria para avaliar a presença de agrotóxicos em alimentos. Esses testes analisam apenas um produto, não levando em conta as misturas com outras substâncias que também podem estar presentes nos alimentos. A pesquisadora citou o caso de um teste realizado com pimentões que apontou a presença de quatro agrotóxicos diferentes, três deles com efeitos muito semelhantes. Karen Friedrich questionou o que acontecerá se forem liberadas as sementes transgênicas resistentes, ao mesmo tempo, ao glifosato e ao 2,4 D, um dos componentes do agente laranja. “Já temos pesquisas apontando o glifosato como provável cancerígeno e o 2,4 D como possível cancerígeno. O que podemos esperar da combinação desses dois produtos?”
Ainda no terreno dos retrocessos normativos, a toxicologista alertou para a emenda apresentada pelo deputado federal Valdir Colatto (PMDB/SC) à MP 712/2016, que prevê uma série de ações de controle de criadouros do mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika. A emenda que autoriza a pulverização aérea de venenos nas cidades já foi aprovada no Congresso Nacional e está nas mãos de Michel Temer. Caso seja sancionada, estará autorizada, por exemplo, a pulverização aérea de Malation em áreas urbanas, um organofosforado já apontado também como provável cancerígeno. “A pulverização terrestre via fumacê não é eficaz, está desenvolvendo resistência nos mosquitos e fazendo os trabalhadores adoecerem. Essa emenda prevê que os aviões pulverizariam áreas urbanas a uma altura de 40 metros, o que provocaria uma dispersão muito maior que a da pulverização agrícola, quando os aviões voam rente ao solo”, assinalou a pesquisadora.
Representando o Conselho Estadual da Saúde, Ana Vals chamou a atenção para o problema das subnotificações dos casos de intoxicação por agrotóxicos. Ela lembrou que o artigo 269 do Código Penal define como crime o fato de um médico deixar de denunciar à autoridade pública uma doença cuja notificação é compulsória, o que inclui os casos de contaminação por agrotóxicos. No Rio Grande do Sul, a estimativa é de que menos de 2% dos casos de contaminação por agrotóxicos são notificados. “A subnotificação só interessa a quem quer vender veneno. Quando não há notificação, não há investigação e o paciente é maltratado duas vezes”, afirmou.
Ana Vals defendeu, por fim, o cumprimento da proposta aprovada pela 7ª Conferência Estadual da Saúde, realizada em setembro de 2005, que prevê a agilização dos processos de reavaliação dos registros e cadastros de agrotóxicos, visando à proibição de agrotóxicos perigosos, além de investigar os danos causados por essas substâncias ao meio ambiente e às pessoas, entre outras medidas. Além disso, defendeu que os processos de investigação de casos de corrupção no Brasil entrem também no tema dos agrotóxicos, analisando em especial a relação de deputados estaduais e federais com as indústrias multinacionais que controlam esse setor.
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Legislação ambiental está sob forte ataque no Brasil, adverte promotor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU