13 Junho 2016
A vida de Antonio, redigida em grego no IV. Século d.C. pelo bispo de Alexandria, Atanásio – presente em dezenas e dezenas de códigos, traduzida imediatamente para as línguas orientais (como o copto, o etiópico, o sírio, o assírio, o georgiano) e mais tarde ao latim – teve, na história da literatura cristã, um imenso sucesso. Contava, pela primeira vez, a história de um monge: de um homem que, nascido em 251 D.C. no Egito, de uma família copta bem situada, muito cedo, seguindo a exortação de Jesus contida no Evangelho de Mateus, havia doado todos os seus bens aos pobres (sessenta hectares de um terreno fértil) e se retirara longe do mundo, praticando na solidão a ascese e a prece. Inicialmente, num lugar ainda não muito distante da cidade; depois, por mais de quinze anos, numa tumba escavada numa rocha bastante próxima ao Nilo; e enfim, no deserto do mar Vermelho, de onde podia contemplar a montanha de Moisés.
A reportagem é do escritor e crítico literário italiano Giorgio Montefoschi, publicada por Corriere della Sera, 04-06-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
A narrativa desta solidão – que hoje podemos reler numa nova tradução do texto grego, aos cuidados de Davide Baldi: Atanasio di Alessandria, Vita di Antonio (Città Nuova, pp. 147, 19) – ainda é de extraordinária atualidade. Se, de fato, os “episódios biográficos” contidos na Vida são, do ponto de vista narrativo, exíguos como podem ser os episódios de um homem que se consigna ao nada (sabemos que Antonio tinha uma veste feita de pele de ovelha e nada mais; que jejuava ou comia somente uma voz ao dia e não se lavava nunca; que obstruía o ingresso de sua ela com uma pedra para não ser desviado da meditação, mas que em torno dele permaneciam outros eremitas e isto era o início do monarquismo oriental; que curava e fazia milagres; e que por duas vezes interrompeu sua vida eremítica para dirigir-se a Alexandria, uma vez para dar força aos mártires da perseguição do imperador romano Massimino Daia, e uma outra para combater a heresia ariana), as instruções espirituais que se extraem da leitura ultrapassam de longe o “ditado histórico”, embora tão importante, ultrapassam a sugestão e o estupor, e levantam perguntas que não têm tempo.
A primeira se refere precisamente ao deserto (no qual, como sabemos, por quarenta dias se retirou também Jesus); a segunda se refere às tentações. O que é o deserto? É o lugar que estamos habituados a considerar em termos estéticos como morada pacificante da pureza e da ausência dos cuidados cotidianos, da beleza imaculada e do esquecimento, ou não é antes o lugar do mais profundo desespero (sendo, o lugar da solidão e da falta de toda comunicação, o degrau que precede a morte) e, ao mesmo tempo, o lugar mais árduo da prova de nós mesmos? E demônios, que queriam por Antônio à prova, assumiam as formas mais pavorosas e sedutoras para desviá-lo do seu caminho, na realidade, o quê e quem são? E, se é verdade que o seu aparecer é sempre enganoso, porque às vezes assumem os semblantes da luz e do Bem, fingem ser amigos ou justos, e até cantam os Salmos ou “citam passagens das Escrituras”, como é possível não se deixar seduzir pela sua falsidade?
São centrais, a este propósito, os três discursos doutrinais inseridos por Atanásio no conto: três verdadeiras e próprias homilias. “Com efeito – sustenta Antonio, e com ele o bispo de Alexandria, numa reflexão que Inácio de Loyola certamente leu e tornou sua, quando nos Exercícios fala do discernimento dos espíritos – é fácil e possível reconhece a presença dos bons e dos maus, se Deus o concede”.
A incursão dos espíritos maus é unida a turbulência, rumor, gritos: deixa-nos desencorajados, descontentes com algo que não sabemos, tristes. A presença dos espíritos bons, ao invés, não é conaturada por alguma perturbação: é uma aparição que advém com serenidade, com alegria, nos deixa pacificados, contentes, capturados por uma secreta exultação. Os demônios são vis. Se nos veem desencorajados e medrosos, eles nos atacam; se nos veem serenos e quietos, escapam. Portanto – admoesta Antonio – não há o que fazer senão perseverar, orar, estar em Cristo, solicitar sua ajuda, não pensar no passado e viver cada dia, até o último, como se aquele fosse o início.
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Santo Antonio, o asceta sempre novo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU