06 Junho 2016
A epicúrea ausência de perturbações. A agostiniana "confirmação" de mérito e virtude. O benthamiano comprazimento do Eu na satisfação da necessidade do Outro. Até chegar ao reconhecimento civil e político de um direito humano, que a modernidade, não raramente, transformou em privilégio.
A reportagem é de Valeria Arnaldi, publicada no jornal Il Messaggero, 03-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A felicidade é um conceito – talvez utopia – sem tempo, mas, de fato, pela sua própria natureza, fortemente ligado à época de cujos valores e de cujas aspirações ele se faz imagem e parâmetro.
E, assim, em um momento histórico de crise, é precisamente ao confronto entre ideal de felicidade e sentimento de infelicidade que filosofia e sociologia olham para indagar a contemporaneidade.
Não é por acaso que a felicidade é um dos temas de pesquisa de Zygmunt Bauman, pai da chamada "sociedade líquida", agora entre os convidados do festival internacional de literatura "Leggendo Metropolitano", que ocorre até o dia 5 de junho, em Cagliari, Itália.
Eis a entrevista.
Professor Bauman, o que significa hoje "felicidade"?
A declaração de independência estadunidense proclamou, entre os direitos invioláveis do ser humano, a sua busca: um marco para a civilização ocidental. As ideias de felicidade são muitas, mas que podem ser remetidas a duas categorias. A visão mais popular é a de uma vida plena de momentos agradáveis, sem problemas e desafios. A outra nos foi mostrada por Goethe. Já idoso, ele foi perguntado se a sua vida tinha sido feliz. Ele respondeu que sim, mas que não se lembrava de uma única semana em que o tivesse sido. Isso implica que ser feliz não significa não ter dificuldades, mas superá-las.
A atualidade mudou essas visões?
Definir o que significa ser feliz é muito complexo. A própria ideia de felicidade parece conter em si o pressuposto da sua não existência no mundo. A felicidade deve ser conquistada, mas, no nosso sistema de consumidores, vendem-se promessas de promessas de algo que nos fará nos sentirmos melhor. O mercado, em teoria, deveria aspirar a satisfazer todas as necessidades.
Na prática, porém...
Satisfazer os consumidores, na realidade, é o pesadelo do mercado: envolveria não ter mais nada para vender. Os especialistas, portanto, sabem nos manter continuamente insatisfeitos. A publicidade nos promete que seremos felizes com o novo celular, por exemplo, mas ela tinha feito o mesmo para o modelo anterior e vai refazer o mesmo para o posterior. Porém, milhões de pessoas correm para comprar.
O capitalismo está condenado, portanto, à infelicidade?
A atitude do sistema encoraja a ideia de que há algo que pode resolver todos os problemas e alimenta constantemente tal convicção. Isso torna os momentos de felicidade muito curtos. O problema é que somos constrangidos a gastar o dinheiro que ainda não ganhamos para comprar coisas das quais não precisamos para impressionar pessoas que não nos importam muito. Esse é o caminho para alongar os momentos de infelicidade.
É preciso repensar o nosso modo de nos imaginarmos satisfeitos?
É preciso redescobrir o prazer de comunicar. Eu não me refiro aos tuítes, mas a conversas de verdade. Há uma grande diferença entre encontros virtuais e tradicionais. Para voltar aos acontecimentos ao estilo antigo, cada um deveria diminuir as suas próprias demandas, mas o mercado tenta levantar as expectativas e faz isso nos forçando a pensar, desde crianças, que cada momento de felicidade deve ser melhor do que o anterior. Cada instante desperdiçado é uma chance de felicidade perdida.
A sociedade líquida ainda é capaz de ser feliz?
A ideia da sociedade líquida é de que nada permanece por muito tempo. Vivemos em um mundo de constante novidade, em que envelhecemos cada vez mais rápido do que antes. Estamos em um espaço vazio. Gramsci definiu essa situação como um interregno em que as velhas regras desapareceram, e as novas não foram inventadas. Isso gera ansiedade.
E para que cenários a ansiedade nos leva?
Quando eu era estudante, os professores diziam que aprender nos torna mais ricos. Eu acho que a cultura contemporânea não está mais fundamentada na capacidade de aprender, mas de esquecer. Para aprender outros conceitos, você deve eliminar os velhos. A maior qualidade seria, por isso, a habilidade de esquecer. Na Itália e na Espanha, vê-se menos isso. Na França, Alemanha, Inglaterra, a questão é evidente e é uma reação ao medo.
A crônica nos revela que muitos gostariam de respostas mais duras por parte da política: o medo está criando espaço para o retorno de regimes fortes?
Estamos voltando 200 anos atrás nas lutas por democracia e liberdade. Agora, desejam-se mais regras. Segurança e liberdade são valores fundamentais para a dignidade humana. A segurança sem liberdade é escravidão. A liberdade sem segurança é um tipo de deficiência. As pessoas, por séculos, procuraram equilibrar as coisas, e isso não funcionou. Cada passo em frente para a liberdade requer que se renuncie a uma parte da segurança. Cada passo rumo a uma maior segurança envolve renunciar a um pouco de liberdade. Não há um caminho direto para ter cada vez mais de uma ou da outra. É um pêndulo que oscila, empurrando para a mudança.
Hoje, oscilamos para a segurança.
Muitas pessoas, em diferentes partes do mundo, parecem ir na direção da renúncia a mais liberdades em favor da segurança, desejando uma situação mais estável. É a tendência atual. Ainda estamos em uma sociedade líquida, mas em que nascem sonhos de uma sociedade menos líquida.
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Felicidade, privilégio para todos. Entrevista com Zygmunt Bauman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU