27 Mai 2016
Esta semana, apareceu em minha caixa de entrada um comunicado de imprensa da Comissão Internacional sobre o Inglês na Liturgia (ICEL) a respeito de uma recente visita de um funcionário do Vaticano a seus escritórios. ICEL é uma comissão mista de conferências episcopais em países onde o inglês é usado na liturgia e seu trabalho é traduzir textos para os cultos.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 21-05-2016. A tradução é de Luísa Flores.
Meu dedo estava pronto para pressionar o botão para excluir, quando de repente percebi o quanto é notável que a ICEL já não seja mais uma batata quente. Não muito tempo atrás, no auge do que veio a ser conhecido como as "guerras litúrgicas", este definitivamente não era o caso.
O termo "guerras litúrgicas" refere-se a uma série de batalhas sobre como o culto católico deveria parecer e soar em inglês, que teve seu pico nos anos 1990 e 2000.
As linhas de batalha foram formadas entre progressistas em favor de uma reforma e de um estilo "Vaticano II", que refletisse as sensibilidades modernas e as novas ideias teológicas, e conservadores que sentiam que a reformulação pós-Vaticano II da liturgia cedeu demais à modernidade secular, muitas vezes empregando fórmulas ecumênicas belas, mas duvidosas em termos de fidelidade à tradição e ao texto original em latim.
Outros dois outros fatores colocaram ainda mais lenha na fogueira:
Horas incalculáveis passaram-se em mais de duas décadas de debate sobre questões como a linguagem inclusiva, ou seja, se há problemas ou não em dizer "homem" para "pessoas", ou se a expressão em latim pro multis na oração eucarística deve ser "para todos" ou "para muitos". Inúmeras conferências foram realizadas, ensaios escritos, textos de blogs postados, e às vezes parecia que o debate nunca terminaria.
ICEL foi um dos campos de batalha, pois o controle sobre sua agenda e visão tornou-se parte das tensões mais amplas.
Tudo isso culminou no final dos anos 2000 com uma nova tradução para o inglês do Missal Romano, a coleção de orações e outros textos usados na missa. Ela apresentava algumas transições para a linguagem "sagrada" - "E com teu espírito" em favor de "E contigo também ", por exemplo, e "consubstancial ao Pai" em vez de "em um ser".
O novo missal foi implementado no primeiro domingo do Advento, em 2011, o que significa que este outono marcará seu aniversário de cinco anos.
Em que ponto nos encontramos atualmente? Embora a frente litúrgica esteja menos barulhenta, principalmente porque as decisões foram finalmente tomadas, a minha própria pesquisa totalmente não-científica sugere que as opiniões estão basicamente tão divididas quanto antes.
A seguir, por exemplo, fala o padre jesuíta James Martin, o mais popular escritor espiritual católico dos Estados Unidos, sobre a nova tradução:
"Sinto muito em dizer que, na minha experiência, muitos católicos, incluindo padres, consideram a linguagem desajeitada, pesada, deselegante, pomposa, e até mesmo confusa em vários pontos", disse Martin. "Como sacerdote, considero muito mais difícil de rezar a missa, e às vezes... ainda tenho dificuldades de entender pelo que exatamente estou orando".
"E", Martin acrescentou, "estou falando como alguém que trabalha com palavras... É uma fonte de grande tristeza para mim."
Por outro lado, monsenhor James Moroney, reitor do Seminário São João, em Boston, ex-chefe de gabinete do Comitê Litúrgico dos bispos dos EUA e conselheiro da Comissão Vox Clara do Vaticano, comentou:
"Apesar dos esforços de alguns para criar insatisfação generalizada com a nova tradução, a sua implementação tem sido muito mais suave do que poderiam ter previsto até mesmo seus defensores mais fortes", disse ele em resposta à minha consulta.
"Pela primeira vez desde o grande experimento de vernacularização da liturgia, na verdade estamos dizendo a mesma coisa que as orações em latim. Considerando a antiguidade e uso universal dessas orações, estas novas traduções são um sinal efetivo e instrumento de unidade de uma Igreja que reza o que acredita no decorrer do tempo e do espaço", disse Moroney.
Monsenhor Richard Hilgartner, também um veterano da conferência dos bispos e agora presidente da Associação Nacional dos Músicos Pastorais, disse que a transição enriqueceu a experiência litúrgica em alguns aspectos.
"Muitas paróquias ofereceram grandes catequeses, não somente a respeito das mudanças nos textos, mas sobre o tema mais amplo da liturgia, o que gerou frutos à medida que as pessoas aprenderam mais sobre o que fazemos e por que o fazemos quando celebramos a missa", disse ele.
O Padre Edward Beck, um contribuinte tanto para a Crux quanto para a CNN, ofereceu uma visão menos otimista.
"As orações parecem abordar um Deus distante e majestoso em detrimento de um relacionamento pessoal", Beck me relatou. "Soa quase como um Wordsmith real britânico. Ele poderia utilizar um pouco mais o Brooklyn - de uma forma gramaticalmente correta, é claro".
Beck também disse que parece haver uma "forte ênfase sobre o pecado e a reverência. Eu não tenho certeza se as orações são indicativos suficientes de um Deus que nos chama ao serviço do amor e à liberdade".
Se eu perguntasse a 100 outras pessoas, eu provavelmente obteria 100 outras opiniões.
Qual é a moral da história? Talvez seja esta: As "guerras litúrgicas" podem ter se acalmado, mas não desapareceram.
Ao mesmo tempo em que católicos levam a liturgia a sério - contanto que nos preocupemos com a maneira como adoramos, pois isso molda o que acreditamos e quem somos -, este debate nunca chegará a um fim. Mesmo que isso possa produzir azia de vez em quando, é o refluxo de uma paixão profunda.
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As 'guerras litúrgicas' acalmaram, mas não desapareceram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU