25 Mai 2016
Tanto na Igreja Católica quanto na vida das pessoas, às vezes a área onde a pessoa se torna verdadeiramente grande é o mesmo lugar onde uma vez falhou e se machucou.
Teologicamente falando, a graça redime o que foi lugar de trevas. A conversão não é apenas a superação de vícios, mas abrir espaço para a graça de Deus para transformá-los em virtudes.
A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por Crux, 23-05-2016. A tradução é de Luisa Flores.
Para dar um exemplo clássico, na década de 1990, o Opus Dei teve a operação de comunicação mais desastrosamente defensiva na Igreja Católica. Mas no intervalo entre a beatificação de seu fundador, São Josemaria Escrivá, em 1992 e a canonização, em 2002, eles empreenderam uma reviravolta, forjando uma abordagem baseada na transparência e na prestação de contas que compensou mais do que se poderia imaginar quando o filme "O Código Da Vinci" apareceu.
Atualmente, o escritório de comunicações do Opus Dei em Roma é uma fonte certeira para um grande número de jornalistas que procuram histórias de Igreja, enquanto a sua Pontifícia Universidade de Santa Cruz está a cargo da conferência fundamental da Igreja para seus comunicadores.
O que Opus Dei fez no campo das comunicações poderia ser o que os Legionários de Cristo alcançaram no domínio da prevenção dos abusos sexuais - isto é, um modelo a ser seguido.
Soa ridículo. Como poderia a ordem fundada pelo mexicano Marcial Maciel Degollado, o pedófilo mais notório da história da Igreja contemporânea, cujos crimes foram por tanto tempo encobertos e negados, possivelmente ensinar a qualquer um sobre medidas de proteção à criança?
Mas a humilhação pode provocar mudança. Após 120 (mais de um décimo) de seus sacerdotes e cerca de 600 seminaristas terem se retirado na esteira do escândalo Maciel em 2009-2013, a Legião foi submetida a uma investigação pente fino, peneirando o dom original da ordem, dado por Deus, da corrupção que o crime de Maciel e seu encobrimento geraram.
Tranquilamente, e em grande medida despercebida, a forte Legião de 1650 integrantes (dos quais quatro são bispos, 959 são sacerdotes e o restante está em formação) vem desenvolvendo orientações sobre prevenção e resposta a abusos que não estariam deslocados nos Estados Unidos, mas que estão muito à frente em grande parte da América Latina.
Enquanto eu estava em Roma recentemente para dar uma oficina para alunos do "Diploma de Salvaguarda de Menores", programa executado pelo Centro da Universidade Gregoriana de Proteção à Criança, fiquei surpreso ao encontrar um sacerdote Legionário entre eles. Ele tornou-se ex-reitor do seminário que tem sido aproveitado para melhorar seminários da ordem em todo o mundo.
Quando me sentei naquela semana com o padre Benjamín Clariond, que está ajudando a coordenar as políticas de proteção da criança da Legião, fiquei sabendo que a Universidade Anáhuac da ordem, na Cidade do México, abriu recentemente um centro semelhante ao da Gregoriana.
O centro tem o nome penitencial da "Reparare", latim para "reparação" ou "recuperar".
Sua missão é oferecer treinamento de prevenção e aconselhamento para instituições de caridade, escolas e ordens religiosas e aconselhar sobre os protocolos que colocam a vítima em primeiro lugar.
Sua diretora, Elena Barrero, chefe de Psicologia da Anáhuac, me contou do México, por e-mail, que a Reparare está buscando aconselhar dioceses e ordens religiosas sobre a implementação de diretrizes de "detecção, prevenção, intervenção e atenção" e oferecer aconselhamento e formação sobre a seleção de candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa.
O centro até mesmo busca oferecer a certificação de "comunidades seguras" a instituições que seguirem o treinamento e as diretrizes.
Barrero, que é membro do ramo leigo da Legião, Regnum Christi, diz que a Reparare é a resposta necessária a um problema crescente tanto na Igreja quanto na sociedade, que é geralmente varrido para debaixo do tapete.
"As crianças do México, bem como as vítimas, precisam de nós para enfrentar este problema diretamente e para tomar medidas concretas para a sua proteção e cura", diz ela.
O centro da Legião foi lançado com uma conferência de peritos no final de abril, em que compareceram psicólogos clínicos, educadores e membros de diferentes ordens religiosas e dioceses.
Entre os que se manisfestaram na conferência estavam o Dr. Eusebio Rubio Aurioles, que apresentou os dados brutos sobre a prevalência de abuso no México, e o Padre David Fitzgerald, superior geral dos Servos do Paráclito, uma ordem que tem vasta experiência no tratamento de padres pedófilos.
A conferência também ouviu um representante de uma conferência de bispos sobre as orientações da Igreja mexicana sobre prevenção, ainda a ser publicadas.
Apesar de haver alguma resistência à conferência por parte de alguns Legionários, a liderança da Legião apoiou fortemente a iniciativa.
"Eles nos dizem que querem discutir o assunto abertamente, e aprender com especialistas de modo que isto não volte a acontecer", diz Barrero. "Eles querem aprender as lições sobre o que eles passaram e usá-las para ajudar outros membros da Igreja e da sociedade."
O próprio discurso de Clariond na conferência identificou uma série de luzes vermelhas que devem ajudar as pessoas em escolas e paróquias a ficarem alertas para a possibilidade de um abusador. O ponto-chave, disse ele, era superar o silêncio que inevitavelmente envolve a questão e de expressar preocupações.
"Este silêncio é o que permite que o agressor continue a abusar, continue se preparando, e prejudique mais pessoas", disse Clariond, que viveu com Maciel por oito anos na sede da Legião em Roma, quando era um jovem sacerdote .
Durante o café em Roma, Clariond disse que, olhando para trás, a coragem das vítimas de Maciel, assim como a das vítimas de abuso clerical em geral, foi a chave para a conversão da Igreja em um novo caminho de compreensão e comprometimento.
"Sua tristeza", disse ele, "exige a nossa conversão pastoral".
O segundo dia da conferência começou com uma missa penitencial que pediu perdão às vítimas tanto na sociedade quanto na Igreja, por não protegê-las. Clariond fez a homilia.
Barrero diz que a conferência mostrou que os Legionários "querem ouvir a vítima e ver as coisas de seu ponto de vista" e que não havia um reconhecimento de que este era o caminho a seguir.
Mas enquanto muitos estavam dispostos a segui-lo, ele disse, alguns Legionários "ainda precisam superar a dor de tudo o que passaram antes de serem capazes de se abrir."
A mudança "não é fácil e ainda temos um longo caminho a percorrer", concorda Clariond.
"Mas com a graça de Deus, queremos iniciar a conversa, quebrar o silêncio, fazer as pessoas na Igreja e na sociedade em geral cientes das causas de abuso e empregar meios eficazes de prevenção - enquanto auxiliamos as pessoas que sofreram com isso a cicatrizar. "
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Legionários podem ser modelos no combate ao abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU