26 Abril 2016
Depois de ver 367 deputados em polvorosa votarem a favor do afastamento da Presidente Dilma Rousseff em nome das suas famílias, de Deus, de interesses pessoais e até dos corretores de seguros, restarão poucas ilusões no Brasil de que um processo de impeachment é outra coisa que não um tribunal político. As chamadas “pedaladas fiscais” de que a Presidente brasileira é acusada – pagamento de obrigações sociais do Estado através de financiamento adiantado por bancos estatais – parecem o MacGuffin num filme de Hitchcock: o objecto de disputa que se afigura tremendamente importante mas apenas serve para avançar a história (os documentos confidenciais perseguidos pelo vilão cujo conteúdo nunca é revelado).
A reportagem é de Kathleen Gomes, publicada por Público.pt, 25-04-2016.
Um novo ato deste teatro político (trágico, naturalmente) inicia-se agora, com a entrada do Senado em cena: tal como na Câmara dos Deputados, será formada uma comissão especial para analisar as acusações contra a Presidente e produzir um relatório que deverá recomendar a instauração de um processo de destituição (impeachment). A instalação dessa comissão – composta por 21 senadores – deve estar concluída até esta terça-feira e a sua composição não é favorável a Dilma: dois terços dos seus membros já declararam que apoiam a saída da Presidente. De acordo com o calendário, a votação desse relatório no plenário do Senado deverá ocorrer entre os dias 11 e 15 de Maio.
O processo está longe do fim, mas poucos acreditam que o desfecho não seja a derrota de Dilma. No Senado, “pode ser que não haja declarações de votos, pode ser menos circense” do que a votação de 17 de Abril na Câmara dos Deputados, antecipa Adriano Codato, professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná. “Mas o Governo deve perder. Criou-se um clima maioritário na sociedade a favor do impeachment, o que faz com que no Senado o jogo já esteja resolvido.” Os congressistas pensam, acima de tudo, na sua sobrevivência: votar contra o impeachment teria custos eleitorais. Se o Senado votar a favor da instauração de um processo de impeachment, Dilma será temporariamente afastada do cargo por um período máximo de 180 dias, enquanto decorre o seu julgamento.
Adriano Codato não acredita que a Presidente se vai demitir antes, como Collor de Mello fez em 1992, quando foi submetido a um processo semelhante. “Dilma vai até ao fim, para marcar que é um golpe. É a melhor saída possível para o PT [Partido dos Trabalhadores, há 13 anos no poder]. Sai como vítima nessa história: sempre podem dizer que se tivessem mais dois anos e meio poderiam ter melhorado a economia. Em todo o caso, é um final melancólico.”
Dilma tem defendido a tese de que o impeachment, tal como está a decorrer, é um golpe parlamentar por parte de uma oposição que não aceitou os resultados das últimas eleições e quer assumir o poder de forma ilegítima. Apesar de defender essa visão nos discursos oficiais e em declarações à imprensa internacional, a Presidente tem sido tímida em levar esse argumento ao Supremo Tribunal Federal (STF), que tem assumido cada vez mais o papel de última instância das disputas políticas brasileiras.
O Governo tem questionado a legitimidade e legalidade do processo de destituição no Supremo mas apenas do ponto de vista das questões formais ou processuais; não pediu ao tribunal para avaliar o mérito do processo, isto é, se existe justa causa para o impeachment. O Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo, procurador-geral do Estado que defende Dilma no processo de impeachment, admite fazê-lo, mas, para o advogado Lenio Streck, o momento correto para isso deveria ter sido antes da votação na Câmara dos Deputados. “Talvez o Governo tivesse certeza de que teria 172 votos no mínimo em plenário e por isso não tenha questionado o relatório do deputado Jovair Arantes. Esse relatório está cheio de erros e contradições. O deputado Jovair não é jurista. É dentista. O relatório é um queijo suíço. Dilma deveria ter colocado em xeque o tal relatório.”
Sublinhando que o impeachment é um processo com várias fases, Álvaro Jorge, advogado e professor de direito constitucional na Fundação Getúlio Vargas, estima que o Governo está à espera de um momento oportuno para discutir o mérito no Supremo.
“Se o Governo disparar o tiro do mérito e o STF disser: ‘Não me vou meter nisso’, aí acaba. O Governo esgota esse recurso e o Senado vai ficar muito confortável. O Supremo é utilizado como um argumento de poder: ‘Não façam nada fora das regras, senão vamos ao Supremo’. Quando bater, vai ser uma vez só, então não faz sentido tentar isso antes de perder o processo.”
Se condenada no Senado, Dilma poderá, em tese, recorrer ao Supremo para reavaliar a decisão e questionar se houve justa causa. Mas vários juízes do STF insistem que o processo é da competência do Senado e que tem respeitado a Constituição. Muitos já rejeitaram publicamente a tese do golpe em declarações à imprensa. “Os juízes do STF dificilmente têm um comportamento que vai contra a opinião pública dominante. Há essa ideia de responder à sociedade o que ela espera do tribunal. Comportam-se como estrelas dos media, adiantam posição, adiantam votos. Como a palavra de ordem contra a corrupção angaria muito apoio da opinião pública, às favas com os ritos legais”, diz Adriano Codato.
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Supremo é a última bala de Dilma contra o impeachment - Instituto Humanitas Unisinos - IHU