25 Abril 2016
Anders Breivik é oficialmente uma vítima. Os cinco anos de isolamento a que foi submetido o assassino de massa nazista de 77 civis desarmados, minam seu direito de uma justa detenção. Mas o tribunal de Oslo aplicou o artigo 3º da Convenção dos Direitos Humanos, que proíbe tortura e tratamentos desumanos ou degradantes. Sendo assim, Breivik tem um apartamento de 31 metros quadrados, com instalações de ginástica, televisão e computador. Ele vive numa condição, como detento, considerada invejável em muitos outros Países. Poder-se-ia sustentar que se trata, portanto, somente de uma questão de medida. Os juízes noruegueses têm mangas mais largas, consideram ilegal o que em outros lugares é norma. Deste modo o princípio, o raciocínio, estabelecido pela Comissão Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) estaria salvo, o erro estaria na aplicação.
O comentário é de Giancarlo de Cataldo, magistrado, escritor e dramaturgo italiano, em artigo publicado por Repubblica, 21-04-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Mas a sensação, percorrendo os comentários que se avolumam nestas horas, é que precisamente o princípio ficou indigesto. O fato é que este caso reacendeu o atualíssimo debate sobre a relação que intrincam segurança e penalização, repressão e direitos dos condenados. Precisando, ulteriormente, que se trata de questões próprias de Estados democráticos, e em particular, daqueles Europeus: onde reinam ditadores e caciques - e também em alguma grande nação fora da Europa – as questões criminais se regulam com métodos muito mais rápidos. É típico, no entanto, na Europa democrática, a tentativa de obedecer a um padrão comum que interpreta de modo multifacetado a relação entre segurança e punição.
As democracias europeias não admitem a pena de morte, e em muitos casos (incluindo a Noruega), nem mesmo uma sentença perpétua. As democracias europeias consideram a pena um instrumento defensivo, segundo a tradição, mas também propulsivo, perseguindo por meio do tratamento carcerário e de medidas alternativas à detenção, a reabilitação do condenado e sua reintegração social. É um caminho estreito e impopular, mas é a via que as democracias escolheram depois de um caminho irregular ao longo de centenas de anos: inútil, na verdade danoso, descarregar no corpo do prisioneiro, se o objetivo é seu resgate.
Mas Breivik é outra coisa. Não se pode, com ele, usar o argumento da "pena leve" como instrumento de reabilitação, porque Breivik não se arrependeu, não pediu perdão, até reivindicou seus crimes. Breivik é assassino arrogante, não aspira nenhuma reabilitação.
Breivik, com efeito, é um inimigo indefensável da democracia. Por que, então, a democracia, ao invés de tratá-lo com luvas de pelica, não se limita a defender-se de alguém como ele? Na Web interveem, neste momento, cidadãos exasperados: Breivik traz à tona o lado sombrio da democracia. Ou o lado estúpido. Mas os juízes em Oslo não são obscuros nem estúpidos. Eles julgaram Breivik, ignorando deliberadamente quem é Breivik. Eles o despersonalizaram. Era o que a lei pedia, ao que se adaptaram obedientemente. Diante deles, compareceu um indivíduo que, qualquer que tivesse sido seu passado, queixava-se de uma condição de seu presente. Eles examinaram esta condição, e decidiram que era ilegal. Assumiram a responsabilidade por uma decisão que parecia bizarra para muitos, até mesmo imprudente. Eles a adotaram, em plena conformidade com a lei. É nessa despersonalização que reside o maior valor da decisão dos juízes em Oslo. Breivik, por um lado, perde sua qualidade de "monstro", e os juízes decidem, livres de avaliação moral que, pode-se imaginar, sentiam, dentro de si, como aguda e dolorosa. Por outro lado, o julgamento acaba por não envolver mais Breivik, que, aliás, mostrou-se indiferente à justiça como um todo. Não. O verdadeiro objeto desta sentença é a própria democracia.
Em Olso foi reafirmada, contra qualquer campanha publicitária, a validade do princípio universal da proibição de tratamento desumano, mesmo ao pior produto da evolução da espécie humana. E é sobre princípios como este que as democracias são construídas: dando razão a Breivik, em última análise, a democracia não só se defendeu de Breivik, mas reafirmou sua senhoria.
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Breivik, quando o assassino torna-se vítima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU