13 Abril 2016
Misture no mesmo caldeirão complexo de inferioridade, o chavão de que o Brasil é um lugar de corrupto e dê às pessoas uma causa que não é delas, mas parece ser uma batalha justa e capaz de ‘limpar’ um país. Pronto, está construído um cenário favorável à manipulação e que resultará, ironicamente, num golpe contra os direitos de quem o defende.
A avaliação é do presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Jessé Souza, na última sexta-feira (8).
ara ele, a construção desse cenário de luta pela moralidade envolve um trabalho sedutor e constante dos meios de comunicação, que só podem ser combatidos por movimentos organizados a partir das bases.
A entrevista é de Luiz Carvalho, publicada por Portal da CUT, 12-04-2016.
Eis a entrevista.
O senhor tem rebatido a ideia de que a luta pelo impeachment, com o argumento de combate à corrupção não é um exemplo de cidadania. Por que não seria?
Criou-se no Brasil uma ideia, que é muito falsa, a partir de uma espécie de complexo de inferioridade entre nós, de que o brasileiro é potencialmente corrupto. Como se não houvesse jeitinho nos Estados Unidos, como se você sendo sobrinho de um senador lá sua vida não estivesse resolvida. A última crise dos EUA mostrou que havia maquiagem de balanço de empresas, houve mentiras, fraudes. A corrupção é um dado do capitalismo, do mercado.
Há dois ou três anos, corrupção era aquilo cometido por agentes do Estado. A lei é feita pelos mais ricos, Foucault dizia que, a partir do momento em que o capitalismo se instala, o crime passa a ser algo cometido pelo pobre. É o cara que bate carteira, rouba galinha do vizinho, mas se você acaba com a economia de um país inteiro, como aconteceu com Argentina, Tailândia, Malásia e quase aconteceu com o Brasil, esse cara ganha uma capa na Time como um grande financista. Mas se pensarmos bem, com a nossa cabeça e não da mídia, quem é o grande criminoso, o corrupto? A ideia de que a corrupção acontece no Estado é para nos fazer de tolos. Você diz que ela é feita no Estado e as pessoas prestam atenção só no Estado, especialmente quando está sendo ocupado por partidos de esquerda.
Foi só aí que virou problema para nós. Getúlio, em 1954, Jango, em 1964 e Lula e Dilma agora. Isso não é acaso. O único ponto fora de curva foi Fernando Collor de Mello que conseguiu em 24 horas colocar toda a sociedade contra ele ao confiscar a poupança.
Nos casos de normalidade, as acusações de corrupção são seletivas. Não é corrupção quando os ricos no Brasil não pagam impostos e fazem evasão em paraísos fiscais? É muito mais dinheiro que qualquer esquema já descoberto. Temos a maior taxa de juros do mundo, tudo que compramos traz isso embutido e significa que todos os trabalhadores estão pagando juros para meia dúzia de banqueiros. Isso é corrupção? Para mim é, mas é legal, porque esse pessoal compra deputados, partidos inteiros para que nunca passem leis que são ruins para eles.
A elite do dinheiro é a verdadeira elite porque ela compra todas as outras, a política, a intelectual, os jornais para dizer o que quiserem. E é essa elite que está a pleno vapor e em pleno funcionamento para vampirizar a sociedade sem nenhum plano para o país. O plano é o de sempre, entregar a riqueza de todos para meia dúzia de amigos, estão querendo fazer isso com a Petrobras, e quebrar direitos dos trabalhadores, porque acham que estão ganhando muito bem com a valorização do salário mínimo. Assim que assumirem o poder, e não é preciso ser nenhum profeta, vão quebrar a CLT. Isso é corrupção e não podemos deixar nos fazerem de imbecis.
Mas como se constrói o apoio popular a uma ideia que não faz parte da realidade da maioria da população?
A mídia tem um papel muito importante nisso, porque não temos uma mídia plural, que traz opiniões divergentes, como na Alemanha, França, onde qualquer programa de TV mostra debates em que há pessoas defendendo diferentes pontos de vista. Por aqui isso não existe, vivemos com uma mídia ditatorial, não podemos ter debate público efetivo. Democracia não é só voto, é voto com consciência e você só consegue montar sua opinião sobre o assunto quando tem opiniões divergentes e distintas.
No campo da ideologia, no Brasil, a história de que a corrupção só tem a ver com o Estado e partidos de esquerda é comprada por muitos de nossos intelectuais. O pessoal que criou a USP, como Sérgio Buarque, influencia. As ideias dele não são importantes porque as pessoas começaram a ler os livros que escreveu, mas porque o programa do PSDB é completamente baseado nele, a influência chega até o PT, porque a esquerda não tem uma narrativa própria. A imobilidade da esquerda hoje que fica só apanhando tem a ver com a ausência da construção de uma contranarrativa sobre o Brasil ser naturalmente corrupto.
E só interessa demonizar o Estado aos muito ricos, porque podem se beneficiar de um modelo monopolista, oligopolista e muito caro. Às outras classes não interessa, porque é por meio dele que você tem um mínimo de acesso à saúde e educação. A classe média também é feita de tola, porque precisa da universidade pública, ao contrário do filho do rico. Quando o plano de saúde não paga uma operação difícil, é o SUS quem custeia o tratamento.
Além disso, há uma parte da classe média que é muito conservadora e sempre teve raiva de pobre. Nós não viemos de Portugal, viemos da escravidão, que não existia em Portugal. E escravidão significa desprezo e raiva dos pobres. Existem políticas públicas informais entre nós de matança indiscriminada dos pobres. Não porque a polícia é ruim, mas porque tem apoio político da classe média. E esse pessoal passou a ter raiva do povo começando a comprar, frequentando o mesmo shopping, ficava dizendo que aeroportos tinham virado rodoviária, onde ficavam falando alto. Esse pessoal odeia pobre, mas não podia dizer isso porque pegava mal, mas quando você monta algo dizendo que o governo que ajudou os pobres é corrupto, esse cara pode até ter orgulho do ódio dele guardado que não poderia expressar. Ele pode odiar o pobre odiando o governo que o representou, os fascistas da classe média, que estão montados no ódio e acreditam ser os donos da moralidade e fazer a limpeza ética no país. A gente não pode se deixar fazer de imbecil pela mídia, há interesse econômico por trás do discurso.
Nas manifestações de junho de 2013 havia bandeiras de bens comuns, especialmente de melhoria dos serviços públicos. Agora, a bandeira é apenas fora Dilma. Por que mudou?
Porque a partir daquele momento os grandes meios de comunicação passaram a dizer que aquilo era democracia e a montar uma narrativa anticorrupção seletiva. O que o trabalhador tem de compreender é que precisamos combater a corrupção, que existe em todo lugar, até em países muito desenvolvidos com grande controle sobre isso, como Suécia e Alemanha. Tem de controlar e mitigar.
Mas o que existe entre nós não é isso, se fosse, estariam pegando todos os partidos. Não são os apartamentos de todos os ex-presidentes que estão em questão. Não há interesse nas fortunas de ex-presidentes, reais, mais visíveis, apenas no que ganhou o ex-presidente Lula. O esquema da Petrobras já existe há muito tempo, mas só há interessa investigar os governos Lula e Dilma. Óbvio que há uma armadilha para pegar não o presidente Lula, mas o que ele representa. É a desmoralização do representante político da classe trabalhadora.
O senhor acredita em boicote dos empresários para fomentar a crise?
A crise econômica foi produzida politicamente. E, obviamente, os empresários estão agindo juntos porque não estão investindo. Esse pessoal conversa entre si e trama entre si, há uma estratégia de classe para tirar a esquerda do poder no país. Ganharam dinheiro, mas agora querem mais, porque agora tem menos recursos. Não vai ficar um programa social de pé, vai tudo para pagar juros, que é onde esse pessoal ganha dinheiro. O produto do trabalho de uma sociedade inteira vai direto para o bolso de meia dúzia de pessoas.
Agora, até porções da classe trabalhadora estão comprando o discurso do golpe que é ruim para eles mesmos. A classe média conservadora está sendo usada pelos ricos, é uma espécie de tropa de choque dos ricos, sai às ruas para defender os interesses dos ricos que não são iguais aos dela. Ao contrário, ela perde com isso. Mas ganha moralmente, se vê como campeã moral. Na cabeça dela é isso que importa, a raiva dos pobres foi transformada em uma luta virtuosa. Já os pobres não tem nem isso, porém, são metralhados e recebem um bombardeio da mídia.
Os trabalhadores têm que entender que o ganho econômico deve ser legitimado moralmente, politicamente. O cara que é banqueiro não pode dizer para a maior parte da população, “olha, você são todos uns subalternos e eu quero que o produto do trabalho de vocês venha diretamente para o meu bolso.” Ele não pode usar a linguagem direta, ele precisa criar uma mentira, então, tem de criar uma ideia que irá transformar esse egoísmo e mesquinharia em algo virtuoso para vender a todos. É isso que o combate à corrupção dá. Deixa de ser um rapinador de curto prazo que não se importa com o país e o povo para conseguir o mesmo injetando um discurso de que está limpando o país ao tirar a Dilma do poder. Ou seja, fazendo-nos de imbecis. Quando esse combate é só para destruir partidos de esquerda e a volta da privatização, entreguismo, o trabalhador pode ter certeza sentirá na pele o que estava preparado para ele. É uma farsa.
Parte desse discurso, o suposto nacionalismo, por exemplo, que veio com o impeachment morre caso a Dilma seja retirada da presidência. Esse é um símbolo criado pelos mais ricos para ajudar a vender o discurso. Essa classe nunca fez nada pelo país. Mas você precisa criar um circo, um teatro,uma fraude
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Impeachment é mentira das elites que a classe média comprou. Entrevista com Jessé Souza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU